227 profissionais de saúde foram afastados de hospitais da UFC

Se considerado apenas o número de confirmações, o complexo hospitalar cearense ocupava a 4ª posição entre os demais do Brasil, com 81 casos até 2 de junho. Apenas as unidades de saúde universitária do Pará, Maranhão e Bahia tem mais casos que o complexo do Ceará

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Legenda: Profissionais do Hospital Universitário Walter Cantídio e da Maternidade Escola Assis Chateaubriand estão sendo afetados pelo novo coronavírus: 227 foram afastados com suspeita e 81 testaram positivo
Foto: Nah Jereissati

Numa pandemia, são muitos os grupos suscetíveis à infecção - mas o principal segue sendo o de profissionais da saúde. No Ceará, já são quase 11 mil casos confirmados e 21 mortes de enfermeiros, técnicos, médicos e outros agentes. A realidade afeta em cheio os hospitais universitários: só nas duas unidades do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (CH-UFC), 227 trabalhadores da saúde foram afastados da função, entre março e 22 de junho, por suspeita ou confirmação da Covid-19.

O dado foi relatado pelo próprio Complexo, e abrange apenas o universo de 1.963 empregados vinculados à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Ao todo, porém, são 4.395 colaboradores atuando nos dois hospitais do CH-UFC, somando àqueles os servidores, terceirizados e residentes. O número total de infecções ou suspeitas entre estes não foi informado. De acordo com o Complexo, entre os 227 afastamentos, 56 foram de casos confirmados, e "a grande maioria já cumpriu a quarentena e está de volta ao serviço".

Um levantamento obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Fiquem Sabendo (agência de dados especializada na LAI) e processado pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares apontou que o CH-UFC chegou a ter o 7º maior número de afastamentos de profissionais, entre as 37 unidades universitárias administradas pela Ebserh. Entre março e 2 de junho, 145 trabalhadores já haviam suspendido atividades por suspeita ou infecção confirmada pelo novo coronavírus.

Se considerado apenas o número de confirmações, o complexo hospitalar cearense ocupava a 4ª posição entre os demais do Brasil, com 81 casos até 2 de junho - número bem superior aos 56 informados pelo CH-UFC sobre o período até 22 deste mês. As 81 confirmações ficavam atrás apenas das unidades universitárias do Pará, com 186; do Maranhão, com 155; e da Bahia, com 83. Já a quantidade de afastamentos de profissionais do CH-UFC por suspeita de infecção chegava a 64.

O CH-UFC é composto por duas unidades de saúde importantes de Fortaleza: o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) e a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac). Somando os casos de ambas, no período do levantamento, os profissionais mais afetados foram os técnicos em enfermagem: 47 deles já haviam obtido licença médica, até 2 de junho. Em seguida, aparecem os enfermeiros, com 37 registros.

Alexandra Alves, técnica em enfermagem no HUWC há 18 dos 39 anos de vida, foi um dos casos. Ela testou positivo para a Covid-19 e permaneceu em casa entre 22 de abril e 6 de maio, para se recuperar dos sintomas, incluindo a falta de ar. "Trabalho na pediatria, então acredito que não peguei lá no Walter (Cantídio). Mas no setor de Covid mesmo tá lotado de casos", lamenta, ressaltando que, mesmo não lidando diretamente com a doença no HUWC, redobra os cuidados. "Tenho uma rotina de higiene ao chegar em casa. Ninguém lá pegou", cita.

Em nota, o Complexo da UFC reforça que, "devido à transmissão comunitária já evidente e ao fato de que grande parte dos trabalhadores da saúde atuam em mais de uma unidade de saúde, não é possível afirmar que eles contraíram a doença no Complexo".

Inatividade

Os médicos do HUWC e da Meac são a terceira classe mais afetada pelo vírus, com 36 registros no período informado pela Ebserh. Entram para a conta, ainda, os técnicos em saúde (10), nutricionistas (6), técnicos em radiologia (3), fisioterapeutas (2), psicólogo, analista administrativo, fonoaudiólogo e farmacêutico (com um caso cada).

O primeiro afastamento registrado no CH-UFC, conforme a Ebserh, foi justamente de um médico da Unidade de Cuidados Intensivos e Semi-intensivos do HUWC, no dia 17 de março - dois dias após a confirmação dos três primeiros casos do novo coronavírus no Ceará. O profissional teve a infecção confirmada e permaneceu 14 dias afastado do trabalho.

A média de tempo que profissionais do HUWC e da Meac passaram afastados em decorrência da doença, no período informado pela Ebserh via LAI, foi de dez dias - mas um deles chegou a ficar 69 dias ausente do posto de trabalho, saindo no dia 23 de março e retornando apenas em 31 de maio. O caso foi de um médico da Unidade de Cabeça e Pescoço do Hospital Walter Cantídio, que testou positivo para a doença.

Leonardo Alcântara, presidente interino do Sindicato dos Médicos do Ceará, avalia que os impactos da redução da força de trabalho são distintos em ambas as unidades da UFC. "No HUWC, a redistribuição das tarefas entre os profissionais que ficaram acontece com menos sobrecarga, porque ele não tem emergência. Na Meac, não, fica bem mais complicado. Outro prejuízo é pros residentes, médicos em formação, que perdem um pouco da assistência. Mas, por outro lado, eles acabam reduzindo os danos, incrementando o quadro de trabalhadores", pontua.

Em nota, o CH-UFC confirma os impactos "tanto na Residência Médica quanto na Residência Multiprofissional", mas "não atribui aos afastamentos". "Os principais fatores foram a redução de pacientes nos atendimentos ambulatoriais e o adiamento das cirurgias eletivas. Os cenários de práticas ficaram reduzidos. Mas na Saúde Mental, por exemplo, passamos a focar nos cuidados com o colaborador, já que os pacientes não estavam vindo", encerra a nota.

Sobrecarga

As ausências, contudo, sobrecarregam equipes, sobretudo de enfermagem, "que são 75% da força de trabalho da assistência à saúde", segundo a presidente do Conselho Regional de Enfermagem (Coren/CE), Ana Paula Lemos. "Isso faz com que não haja uma assistência segura, já que diminui a equipe, sobrecarrega, gerando até adoecimento mental", pontua.

De acordo com o HUWC e a Meac, entre as "medidas de atenção à saúde do colaborador" está o Plano de Cuidados com a Saúde Mental (Conectados), que "prestou 574 atendimentos em dois meses e meio, entre plantão psicológico presencial e remoto, práticas integrativas e plantão psiquiátrico". Quanto à saúde física, as instituições apontam que "foram adquiridos quase 6 mil testes para diagnóstico de Covid nos colaboradores sintomáticos e assintomáticos do Complexo", e garantidos "todos os EPIs necessários".

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