Opinião: Fim das Leoas expõe fragilidade estrutural do Fortaleza no futebol feminino

Após temporada vitoriosa, projeto será descontinuado pelo clube

Escrito por
Crisneive Silveira crisneive.silveira@svm.com.br
(Atualizado às 13:26)
Legenda: Jogadoras do Fortaleza logo após conquista do acesso à Série A1.
Foto: Iago Ferreira/Fortaleza

O futebol feminino no Brasil vive como um eterno castelo de cartas. Construído com muito esforço por quem faz a modalidade e luta por ela, mas passível de ser derrubado por qualquer ventania. E o sopro vem de muitos lados. Na noite desta segunda-feira (29), o Fortaleza anunciou o encerramento das atividades do futebol da categoria.

O discurso não difere de outras agremiações: o culpado é o rebaixamento do masculino, a contenção de despesas. Então, a única equipe do estado numa primeira divisão nacional não vai disputar a maior competição da modalidade após conquistar acesso inédito. Tudo isso há dois anos da capital cearense sediar a Copa do Mundo. 

Na temporada em que celebraram a vaga na elite, as jogadoras agora lamentam a descontinuidade do projeto. Sem contar as incertezas sobre conseguir se realocar numa nova equipe, além das famílias dependentes disso. As Leoas vinham num ritmo bonito de crescimento. Sob comando de Erandir Feitosa, levaram também a Copa Maria Bonita e o Campeonato Cearense.

Mas fica a pergunta: exemplo de gestão em todo o Brasil, quiçá na América do Sul, após sete anos na Série A o Tricolor do Pici não conseguiu se estruturar financeiramente para manter as atividades da categoria? Em 2025, o clube aprovou orçamento recorde de R$ 387 milhões. Desse valor, R$ 118,8 mi foi para o Futebol. O montante investido no feminino não foi revelado.

Em nome da responsabilidade e da transparência, por meio de nota assinada pela SAF, o clube anunciou a decisão e afirmou ter buscado alternativas, reforçando o empenho para continuar o projeto. São sempre os esforços possíveis, mas serão estes os necessários? 

É sabido da restrição orçamentária de um clube após queda de divisão. Mas para o tamanho do Fortaleza hoje e para o que ele representa… É desolador. A responsabilidade financeira com o legado dos profissionais envolvidos, em especial das atletas, e com a história da modalidade é respeitar esse esforço na prática: mantendo a equipe e primando pela evolução dela.

Cabe destacar: o esporte feminino tem se consolidado mundialmente. De acordo com uma pesquisa realizada pela Women's Sport Trust, 80% dos patrocinadores têm o objetivo de aumentar os investimentos no setor ao longo dos próximos anos. Já 85% dos atuais pretendem seguir com o suporte.

Para além do capital empregado, nem dá para dizer que não traz dinheiro. Também nesta temporada, a final do Brasileiro realizada entre Corinthians e Cruzeiro teve o investimento de 15 grandes marcas e bateu recordes de audiência na TV aberta. 

COMO OLHAR PARA O FUTURO?

A CBF anunciou um novo calendário com mais clubes participantes em maior número de competições e ampliação de investimentos. Além de mais dinheiro para a base. Essas conquistas são resultado de décadas de lutas de quem faz a modalidade. Também pelo fato de que, como primeiro país a receber um Mundial na América do Sul, é fundamental trabalhar para o crescimento do futebol.

Em julho, o Fortaleza recebeu visita da Federação de Futebol dos Estados Unidos. A USS Soccer inspecionou lugares que possam servir como apoio para a maior seleção da modalidade no mundo. É triste ser candidato a possível casa dessas jogadoras e não poder ter as Leoas como protagonistas desse encontro, além de ter os holofotes do mundo voltados para o clube.

A Arena Castelão é candidata a receber o jogo de abertura da competição, que pode ter o Brasil com estrelas, quem sabe Marta, além de cearenses como Fátima Dutra. A lateral atuou ao lado da Rainha no título da Copa América. Por falar em seleção, diversas atletas das Leoas se destacaram e foram convocadas para a base, como a atacante Tainá e a meia Érika.

A decisão de encerrar as atividades do time feminino vai custar ao Tricolor dois anos de ausência das disputas, punição que deverá ser aplicada pela CBF. Caso o projeto seja retomado, vai disputar a terceira divisão, a Série A3. Com isso, as Leoas que sonharam com um mural para registrar os feitos históricos no clube e viam na Copa do Mundo e no Brasileiro mais uma oportunidade de vitrine para o time e de fortalecer o esporte, não vão poder desfrutar dos louros das próprias conquistas. É revoltante como a decisão difícil pune sempre o mesmo lado. 

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