Família busca reconhecimento histórico de acervo no Maciço

Para a Família Alves, o maior tesouro é a capelinha, erguida em 1933 pelos avós dos atuais herdeiros

Escrito por Alex Pimentel - Colaborador ,
Legenda: A Capela de São João Batista, mantém os seus traços originais, além de acessórios
Foto: Fotos: Alex Pimentel

Capistrano. Bênçãos, tradição e orgulho. A ordem é exatamente essa para a freguesia de Carqueijo dos Alves, uma das comunidades rurais mais antigas do Maciço de Baturité, com muitas histórias religiosas para contar. A vida pacata, o respeito aos mais velhos, os traços arquitetônicos ainda do período da origem da vila, do início do século passado, tudo isso ainda é preservado pela família Alves no pequeno lugarejo, distante cerca de 10Km do Centro de Capistrano. Agora, eles trabalham pelo reconhecimento do lugar como marco religioso, cultural e histórico desta região serrana.

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Inspirados na preservação dos valores familiares

Hoje resumido a um pequeno espaço, com uma passarela, jardim, a casa colonial de portas altas e largas, de varanda para o pátio do pequeno templo católico, o recanto dos Alves parece ser muito maior diante da tamanha satisfação da família em receber os visitantes. O azul celestial é a cor predominante a alegrar o ambiente.

Maior tesouro

Para a Família Alves, o maior tesouro é a capelinha, erguida em 1933 pelos avós dos atuais herdeiros, o antigo oratório do sacro, hoje Capela de São João Batista, mantém os seus traços originais e, no seu entorno, se realizam os festejos de São João Batista, padroeiro da comunidade há quase um século. O oratório, como naquela época as casinhas consagradas a orações eram mencionadas, é o único ainda existente em Capistrano. Os outros foram demolidos. Por isso os Alves pretendem solicitar o seu tombamento como patrimônio histórico do Município.

As imagens, os adornos do altar, os sinos, o cálice, o ostensório, a campainha, a pia batismal, tudo ainda é mantido em bom estado de conservação. Naquela época, a região era Diocese de Fortaleza, Paróquia de Coité, hoje Aratuba. As primeiras missas foram celebradas pelos padres Assis, Terceiro e Antônio Nepomuceno e os vigários frei Bevício e frei Gregório, ambos de Canindé. As celebrações eram acompanhadas por uma religiosa, Mafrisa, e um grupo de moças de Aratuba, que formavam um coral e cantavam músicas sacras.

A casa grande do Carqueijo dos Alves também estará aberta à visitação. Praticamente nada foi mudado no lugar, exceto a energia elétrica que chegou, há pouco mais de duas décadas. A ideia é essa mesmo. Manter tudo original, perpetuando a memória da família e, ao mesmo tempo, expondo às novas gerações a importância da união e dos princípios familiares. A religiosidade é considerada outro aspecto importante. Pedro e Raquel receberam a bênção do matrimônio católico na capelinha.

Força religiosa

O neto dos fundadores do povoado, Pedro Jorge Alves, 67, e a esposa, Ana Maria Pinheiro Alves, 59, rememoram essa história familiar com filhos, netos e amigos. Naquela época, a religiosidade cristã era muito forte e respeitada. Cerca de 50 anos antes do surgimento do Carqueijo, por volta da de 1750, os jesuítas chegaram a Baturité. Logo depois, a Missão da Igreja Católica chegou a Aratuba. Naquela época foi nomeado o primeiro bispo do Ceará, dom Joaquim.

Quando os avós, Pedro e Raquel, resolveram se acomodar naquele lugar não imaginavam a dimensão da força religiosa impulsionada por eles. O oratório foi erguido a partir de uma promessa de Raquel a São João. Alguns anos após a construção do sítio, Pedro ficou doente. Foram quase três anos de preces. Recuperado, a esposa lhe confessou o pedido ao santo e não se perdeu tempo na construção da capelinha. Não demorou muito, passaram a surgir reverências ao padroeiro.

Na noite, véspera da data dedicada ao Santo, costuma ter fogueira acesa, foguetório e muita dança, como São João gostava de se reunir com os seus seguidores. Mas só tem festança após a reza do terço, explica Ana Maria. Os mais velhos vão se aquietar no terreiro ou sentam à varanda da antiga casa da fazenda. Os mais jovens puxam o arrasta-pé durante a noite toda, até o amanhecer do dia.

Festa de São João

Foi assim no último fim de semana, dia 24. A Família Alves se reuniu. Recebeu amigos e a vizinhança para comemorar o encerramento da 84ª Festa de São João Batista. Após a novena, a fogueira foi acesa, acompanhada da queima de fogos e do forró pé de serra, voltando a animar a freguesia. Por coincidência, os festejos deste ano tiveram como tema "São João é motivo de união com as famílias". O momento relembrou e fortaleceu a herança religiosa deixada por Pedro e Raquel, acrescentaram os anfitriões.

Enquanto os mais jovens se divertiam e as moças pulavam a fogueira na esperança de um bom partido, Pedro Jorge recitava mais um dos seus poemas aos mais acomodados, afinal, festa de padroeiro, das boas, só tem no Carqueijo dos Alves, uma vez por ano e, se depender da vontade de Deus e dos fiéis, essa tradição haverá de se perpetuar.

Origem

Quanto ao nome "Carqueijo", conforme Pedro Jorge, está relacionado a um dialeto indígena. O termo faz alusão à dificuldade de andar, sendo necessário apoiar-se em uma das pernas. "Essa história surgiu por aqui em referência aos indígenas. Alguns eram muito velhos e andavam carqueijando. A expressão não está no dicionário, mas por aqui todos sabem o que ela significa, embora, com o passar do tempo, ficou mais relacionada mesmo ao nome deste lugar", justificou.

Além da associação à história do surgimento de Capistrano, quando se emancipou em 22 de novembro de 1951, desmembrando-se de Baturité, a família Alves pretende buscar também o reconhecimento junto à Igreja Católica, pelos quase 100 anos de dedicação religiosa onde a Casa Grande do Carqueijo era a acolhida dos bispos e padres a descerem a serra para evangelizarem o povo do lugar.