Ceará é o estado do Nordeste com mais casos da Covid-19 em indígenas
Segundo a Sesai, são nove confirmações da doença na população indígena do Estado. O número, no entanto, pode ser muito maior, segundo avaliação de lideranças. Eles alertam para alta subnotificação e criticam a ausência de testes
O avanço dos casos confirmados da Covid-19 nas comunidades indígenas cearenses é uma realidade amarga que evidencia velhas e históricas negligências a este povo. O Ceará já notificou nove indígenas confirmados com o vírus, o que torna o Estado com o maior número de casos no Nordeste e quinto do Brasil. Os dados são do boletim diário emitido pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, divulgado às 17 horas de ontem (7). O número, no entanto, tende a ser maior, visto que há dificuldades na notificação dos casos.
Conforme a Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos (SPS), o Ceará possui mais de 35 mil indígenas em 20 municípios. Esta população é atendida, segundo a Sesai, por 24 Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena de 18 Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSIs).
Weibe Tapeba, liderança indígena e assessor jurídico da Federação dos Povos Indígenas do Ceará, avalia que o sistema de saúde indígena dos distritos sanitários não está correspondendo à urgência da pandemia. "Temos presenciado uma verdadeira omissão por parte do Governo Federal", avalia. Isto faz com que haja, por exemplo, "limitação de máscaras, álcool em gel e luvas para os profissionais de saúde" que atuam nas aldeias. "É uma realidade de diversos territórios indígenas do nosso Estado", acrescenta.
Testes rápidos
Outro ponto que dificulta a notificação dos casos e adoção de estratégia para mitigar a disseminação do vírus, é a quantidade limitada de testagem nos casos suspeitos. Esse cenário é generalizado. "É uma regra", lamenta Weibe. Segundo dados repassados pela Federação dos Povos Indígenas do Ceará, somente entre o povo Tapeba, no município de Caucaia, havia oito casos positivos em indígenas, até quarta-feira (6). O número era maior ao total observado no Estado pela Sesai (7), naquela mesma data. "Há uma divergência de informações entre os pólos-bases com a sede no distrito, em Fortaleza. E existe também uma falha de comunicação neste registro com a base do Ministério da Saúde", explica Weibe, ao considerar que o número de índios infectados é bem maior do divulgado pela Sesai. Uma fonte ligada ao Distrito Indígena, e que pediu para não se identificar, explicou que há um atraso no processo de envio das informações ao banco de dados da Sesai.
"O número pode dar divergência", reconhece. Ainda na comunidade do povo Tabepa, a Federação afirmou haver 11 casos suspeitos de estarem contaminados. Na mesma data, a Secretaria Especial contabilizava 17 casos em investigação em todo o Estado.
Outro agravante está no fato de somente os dados de aldeados serem contabilizados. "A própria Sesai não tem muito como acompanhar porque o Sistema de Saúde Indígena só permite o atendimento dentro dos territórios, na atenção básica. O indígena que está em contexto urbano não consegue ser notificado como paciente indígena com caso confirmado ou com óbito por conta da doença", critica Weibe.
Em nota pública, divulgada no fim de abril, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) reconhece esta limitação e informa que tem recebido, diariamente, denúncias da falta de assistência e testagem para casos suspeitos no Nordeste. Neste cenário, Ceará e Pernambuco, que concentram a maior quantidade de casos confirmados do Nordeste, demandam maior atenção. "Os 14 povos indígenas que vivem no Ceará são grande vulnerabilidade para contaminação da Covid-19", diz nota da Apib.
Quarentena
Além destes problemas, Weibe denuncia que cinco profissionais que atuam na saúde indígena de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), já testaram positivo para a doença. "O que está acontecendo dentro dos territórios, mantido pelo Governo Federal, é que a gestão do distrito está forçando os servidores que atuam na linha de frente e que já testaram positivo para a doença a simplesmente voltarem ao trabalho. Não podemos permitir a possibilidade de transmissão do vírus justamente por quem tem que cuidar da saúde indígena", destaca a liderança.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ceará informou que "o prazo de quarentena para que não haja transmissão do vírus é de 14 dias" e que "após o período, o profissional está apto a retomar suas atividades sem risco para os pacientes". Segundo a Organização Panamericana da Saúde, no entanto, não é possível afirmar este prazo. Mesmo o Ministério da Saúde, que também adota o prazo de 14 dias para o isolamento de contaminados, afirma que caso outro familiar do doente inicie os sintomas leves, deve-se reiniciar o isolamento de 14 dias.
A supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública, Mariana Lobo, informou à reportagem do Sistema Verdes Mares que a Sesai foi oficiada, pela Defensoria Pública da União, e também a Prefeitura de Caucaia, pela Defensoria Pública do Estado, na manhã desta quinta-feira (7), para prestar esclarecimentos sobre a situação.
"A gente tem orientado que acionem as defensorias públicas do Estado e da União", ressaltou Mariana. A representante pontua ainda que já foram oficiados 12 municípios "para saber como estava o fornecimento de cestas básicas às populações" indígenas. A medida visa a garantia da segurança alimentar destes povos. O órgão, no entanto, não detalhou quais foram estas cidades oficiadas.
Esclarecimento
Em nota, a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ceará informou que não há falta de Equipamentos de Proteção Individual ou insumos para atuação de profissionais na atenção em saúde aos povos indígenas no Ceará. "Desde o início do mês de abril já foram enviados 144 frascos de álcool em gel, 7.300 luvas, 345 aventais descartáveis, 4.800 máscaras cirúrgicas e 500 máscaras N95. Este material é complementar ao estoque do próprio DSEI, formado por aquisições próprias e parcerias com outros órgãos", informou.
Ainda segundo o órgão, o Dsei dispõe de 580 testes rápidos, sendo 280 enviados pela Sesai e 300 em parceria com o Governo do Estado. "A realização dos testes e a divulgação dos seus resultados seguem os padrões preconizados pelo Ministério da Saúde". Questionado sobre os oito casos positivos somente da tribo dos Tapeba, além dos 19 casos notificados e dos 11 testes realizados aguardando resultado, também do povo Tapeba, em Caucaia, o órgão não respondeu.
Também não houve respostas quanto aos cinco profissionais com testes positivos que estariam sendo solicitados a regressarem ao trabalho.
A reportagem tentou ainda contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para buscar informações sobre a atuação do órgão para garantir o isolamento social nas aldeias cearenses, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.