Com protestos, Javier Milei anuncia mais de 300 medidas para desregular economia da Argentina
Decreto foi publicado no Diário Oficial e já entrou em vigor, mas deve ser levado ao Congresso para análise em um prazo de 10 dias
O presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, ordenou nessa quarta-feira (20) a desregulação da economia por meio de decreto que modifica ou revoga mais de 300 normas, incluindo a lei de aluguel e o regime trabalhista, o que provocou um protesto diante do Congresso. Milei fez o anúncio do decreto em pronunciamento transmitido por rádio e televisão.
"O objetivo é iniciar o caminho de reconstrução do país, devolver a liberdade e autonomia aos indivíduos e começar a desmontar a enorme quantidade de regulações que têm impedido e prejudicado o crescimento econômico em nosso país", disse o presidente argentino.
As revogações incluem a regulação que impede a privatização de empresas estatais, como a petrolífera YPF ou a companhia aérea Aerolíneas Argentinas. Também será alterado o sistema privado de atendimento médico.
Está prevista também a modificação da lei de sociedades para permitir que clubes de futebol se tornem sociedades anônimas, assim como a desregulação dos serviços de internet via satélite, possibilitando a entrada no país de empresas como a Starlink, de Elon Musk.
Veja também
"Durante os últimos cem anos, os políticos se ocuparam com expandir o poder do Estado em detrimento dos argentinos de bem. Nosso país, que nos anos 1920 era a primeira potência mundial, ao longo dos últimos cem anos se envolveu em uma série de crises que têm todas a mesma origem: o déficit fiscal", justificou o presidente em seu pronunciamento.
A Argentina enfrenta uma grave crise econômica, com uma inflação anual de mais de 160% e uma taxa de pobreza que supera 40%.
Milei, que assumiu a presidência em 10 de dezembro, já havia apresentado um amplo plano de austeridade na semana passada, que inclui a eliminação de subsídios ao transporte e às tarifas dos serviços públicos, além de paralisar a construção de obras de infraestrutura financiadas pelo Estado. O objetivo é cortar os gastos públicos em 5% do Produto Interno Bruto. Também houve uma desvalorização de mais de 50% da moeda.
Protestos e panelaços
Em diversos bairros de Buenos Aires, os anúncios desta quarta-feira foram recebidos com panelaços de protesto. Milhares de pessoas seguiram para as ruas próximas ao Congresso para criticar as medidas.
"Estou aqui porque estou apavorado com o decreto. Vim para impor um freio, para que a rua estabeleça o pulso", declarou Nicolás Waiselbaum, professor de 48 anos. Leopoldo Maldonado, estudante de 25 anos, disse que "as medidas são muito negativas". "Estou muito preocupado com a lei de aluguel e a reforma trabalhista. Já é muito complicado para os jovens conseguir um emprego estável, e isso acontece 10 dias depois de tomar posse", lamentou.
Durante a tarde, antes do pronunciamento, movimentos sociais de esquerda organizaram a primeira manifestação contra o novo governo, diante de um elevado número de efetivos das forças de segurança.
"Esta mensagem não surpreende porque não é nada que Milei não tenha dito que faria durante a campanha. Mas é surpreendente que a medida seja tomada desta maneira, com um decreto de necessidade e urgência", comentou a cientista política Lara Goyburu.
"Acho que a esperança de muitos de seus eleitores era que as instituições argentinas impedissem essas coisas. E hoje talvez estejam descobrindo que tudo o que foi prometido será feito", acrescentou.
Trâmite do decreto
O decreto foi publicado à meia-noite no Diário Oficial e já entrou em vigor. No entanto, deve ser levado ao Congresso para análise em um prazo de 10 dias.
O texto só poderá ser invalidado se for rejeitado pela Câmara dos Deputados e também pelo Senado, explicou o advogado constitucionalista Emiliano Vitaliani.
O partido de extrema-direita de Milei, A Liberdade Avança, tem apenas 40 das 257 cadeiras da Câmara dos Deputados e sete dos 72 assentos do Senado. A coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança, parcialmente aliada de Milei, tem 81 deputados e 24 senadores.
Há também 26 deputados e oito senadores dissidentes do peronismo ou pertencentes a partidos provinciais.
O peronismo, na oposição, é a primeira minoria em ambas as câmaras, com 105 deputados e 33 senadores. A esquerda tem cinco deputados.