Policial réu na chacina do Curió responde a deserção na PM do Ceará e depõe dentro de carro nos EUA

Júri de matança que deixou 11 mortos na Grande Messejana, em 2015, chega ao terceiro dia

Escrito por Messias Borges e Nícolas Paulino , seguranca@svm.com.br
Legenda: Nesta quinta (22), os quatro réus devem ser ouvidos no julgamento
Foto: Calvin Penna/TJCE

O soldado Antonio José de Abreu Vidal Filho, de 29 anos, é o primeiro réu ouvido no julgamento da chacina do Curió, iniciado na última terça-feira (20). Ele falou por videoconferência de dentro de um carro nos Estados Unidos, onde mora atualmente, e confirmou responder a um processo por deserção da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Sobre a chacina, negou qualquer participação.

Este é o terceiro dia do júri, que chega a mais de 23 horas de sessão. Já foram ouvidas três vítimas sobreviventes, duas testemunhas de acusação e sete de defesa, segundo o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Para hoje, está previsto o interrogatório dos quatro réus.

Abreu é agregado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) desde 2019, segundo informou a própria corporação ao Diário do Nordeste. Uma das hipóteses para essa condição é a deserção, conforme o Estatuto dos Militares Estaduais do Ceará, lei estadual nº 13.729/2006.

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Durante a oitiva, o PM relatou que responde a um processo por deserção. À imprensa, a defesa de Antonio, representada pelo advogado Delano Cruz, tinha declarado que ele estava de licença da PM, acompanhando a esposa em um curso de pós-graduação no país estrangeiro. Os dois têm uma filha de apenas quatro meses.

Ainda segundo Abreu, em 2019, ele regressou 5 vezes ao Brasil para procurar um advogado e pedir exoneração da PMCE. “Desde pequeno eu queria entrar na Corporação. Com tão poucos meses, eu me deparo com uma situação dessas”, disse.

A reportagem do Diário do Nordeste questionou à PMCE qual era a validade dessa licença. Em resposta, o órgão informou que o policial entrou em licença para tratamento de saúde (LTS) em 27 de novembro de 2018 e permaneceu nessa situação por mais de um ano.

Após esse período, Abreu passou para a situação de agregado em 27 de novembro de 2019, conforme Boletim do Comando Geral da PMCE. No entanto, não detalhou o motivo para a decisão.

De acordo com o Estatuto dos Militares Estaduais, a agregação é a situação na qual o militar em serviço ativo deixa de ocupar vaga na escala hierárquica, “permanecendo sem número”. 

Além da deserção, entre as hipóteses para a agregação, estão:

  • ter ultrapassado um ano contínuo de licença para tratamento de saúde própria;
  • ter sido julgado incapaz temporariamente, após um ano contínuo de tratamento de saúde;
  • tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária;
  • ter sido condenado à pena de suspensão do exercício do cargo ou função.

Em ato contrário, a reversão é o ato pelo qual o militar estadual agregado, ou inativado, retorna ao serviço ativo quando cessado o motivo que deu causa à agregação. 

Participação na chacina

Conforme consulta ao Portal da Transparência do Governo do Estado, Antonio foi admitido na PMCE em abril de 2015, sete meses antes da chacina. Ele é apontado na denúncia como uma das pessoas que invadiu um ônibus, retirou as pessoas de dentro e matou Renayson Girão da Silva, de 17 anos, além de ser partícipe na morte de mais três vítimas. 

Porém, perante o júri, afirmou: “não tenho nenhuma participação”.

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Segundo o advogado Delano Cruz, a principal tese é a de negativa de autoria, pois, à época, o PM ainda nem tinha armamento. “Ele foi para uma reunião para fazer uma varredura. Como tinha pouca experiência, o oficial mandou ele ir embora”, alega.

Conforme o relato de Antonio, no dia do crime, ele foi até a Praça do Crack (Crack é Possível Vencer) após ser requisitado a policiais de folga, em um grupo de WhatsApp, que se reunissem para buscar suspeitos de matarem o soldado Valtemberg Serpa (fato tido como estopim para a chacina), que poderiam estar num matagal.

Porém, “chegou um major comandante, que disse que quem estivesse de folga poderia sair do local, porque já tinham muitos PMs de serviço no local”. Ele disse que, nesse momento, foi embora.

“Não conhecia o Serpa, nem familiares. E nunca trabalhei na região da Messejana. Eu só fui ao local para ajudar nas buscas”, alegou Abreu.

No entanto, o juiz expôs contradição na fala de Antonio. Na Delegacia de Assuntos Internos (DAI), ele declarou que não havia trafegado na região da Messejana. Porém, em juízo, diz que foi à praça. O réu confirmou a mudança de discurso e alegou que estava com medo de falar a verdade na DAI porque não tinha advogado.

Adulteração de veículo

Abreu disse que foi à praça em um carro da mãe, que foi fornecido por uma revenda de carro, enquanto ela esperava um carro que comprou. Em apuração na DAI, descobriu-se que esse veículo estava com placas adulteradas.

Questionado por uma juíza, ele alegou que não sabia que as placas estavam adulteradas e só descobriu o fato na Delegacia. Além disso, acredita que a adulteração aconteceu na praça ou na própria revenda de carros, mas não sabe quem fez.

“Só queria enfatizar que eu fui à praça tentando apoiar as buscas na região. Mas eu não conhecia a região. Só tinha 5 meses de Polícia, não tinha nenhuma arma acautelada pela Polícia nem uma arma particular. E trabalhava no Interior (Trairi)”, explicou.

Em outro questionamento:

Magistrada: Por que você deu só um telefone, que você não utilizava, ao ser interrogado na DAI?

Réu: Porque meu outro número já estava no sistema da Polícia, então adicionei o outro número.

A juíza também identificou um processo de receptação que Abreu não tinha informado. Ele confirmou. Há uma audiência sobre esse delito marcada para setembro, segundo a magistrada.

O MPCE perguntou se o réu queria responder ao Ministério Público, mas ele disse que, por orientação da defesa, só responderá aos juízes e à própria defesa. O interrogatório finalizou às 11h.

"A defesa técnica tem convicção de que nosso cliente vai ser absolvido por negativa de autoria. Não tem nenhuma filmagem. Ele tem uma multa de fotossensor distante do local do crime na hora das ocorrências. As antenas de telefone mostram que ele estava fora do perímetro. Reconhecemos que todas as vítimas são pessoas inocentes, sem relação com o crime organizado, mas que as pessoas realmente responsáveis sejam punidas", declarou o advogado Delano Cruz.

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