Mãe e tios de 'Majestade' são soltos no Ceará após Justiça anular prova por apreensão ilegal
O trio ligado à 'Majestade' foi detido em outubro do ano passado, sob suspeita de participar de uma organização criminosa
A mãe e os tios de Francisca Valeska Pereira Monteiro, a 'Majestade', voltaram à liberdade. Macevânia Pereira Monteiro (mãe) e os tios Daniel Gonçalves Pereira e Rosiane de Sousa Gonçalves foram soltos após a Justiça do Ceará anular todas as provas decorrentes de uma apreensão considerada inconstitucional. Em julho de 2022, situação similar levou o Judiciário a extinguir um processo contra 219 denunciados por integrar facção criminosa.
O trio ligado à 'Majestade' foi detido em outubro do ano passado, sob suspeita de participar de uma organização criminosa. Por meio de conversas encontradas no aparelho celular de João Vitor dos Santos, o 'Adidas', companheiro da 'Majestade', a Polícia apontou que a família estaria lavando o dinheiro movimentado por Valeska, que é considerada 'braço direito' do líder máximo de uma facção carioca, com atuação no Ceará.
A reportagem do Diário do Nordeste teve acesso a documentos onde consta que no último mês de dezembro a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) determinou a anulação de todas as provas decorrentes "da apreensão inconstitucional do telefone celular de João Vitor dos Santos". A defesa do trio se baseou na decisão para pedir o habeas corpus, atendido no último dia 31 de janeiro.
"Foi proferido acórdão para determinar a anulação de todas as provas decorrentes da apreensão inconstitucional do telefone celular em questão, com a consequente expedição, pelo setor competente deste egrégio Tribunal de Justiça, de alvará de soltura em favor do paciente, João Vitor dos Santos"
DECISÃO
A defesa dos tios de 'Majestade', representada pelo advogado Roberto Castelo, diz que a liberdade "concedida aos acusados prestigia nosso ordenamento jurídico em respeito ao princípio da inocência e do devido processo legal, de modo que dignifica nosso Estado Democrático de Direito, que rechaça qualquer prova obtida ilegalmente".]
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A Justiça destacou que a apreensão do aparelho celular de 'Adidas’ "foi realizada sem autorização judicial, tendo o ato ocorrido no momento do cumprimento do mandado de prisão de Francisca Valeska Pereira Monteiro, o que resultou na produção de provas contra outros acusados".
Considerando a anulação das provas, o relator da ação, desembargador Henrique Jorge Holanda Silveira, decidiu pelo habeas corpus de Rosiane, Macevânia e Daniel, que já tiveram os alvarás de soltura expedidos e cumpridos.
INVESTIGAÇÃO
A família da 'Majestade' foi monitorada durante meses. Eles estavam em casa, quando policiais civis da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) cumpriram os mandados de prisão e busca e apreensão.
Ao prestarem depoimento na delegacia, os suspeitos se mantiveram em silêncio. Nenhum deles tinha antecedente criminal
Os mandados de prisão foram expedidos em junho de 2022, pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas. A Polícia verificou que a mãe da Majestade estava no Rio de Janeiro e a investigação continuou até que as autoridades conseguissem capturar o trio, já no Ceará.
ANULAÇÃO DA PROVA
'Adidas' foi preso junto de 'Majestade', em Gramado (Rio Grande do Sul), no dia 26 de agosto de 2021, quando policiais civis do Ceará foram ao outro Estado para cumprir um mandado de prisão preventiva contra a mulher, por integrar organização criminosa. Conforme a investigação, o homem ameaçou os policiais e tentou quebrar um aparelho celular, que foi apreendido.
A partir da apreensão do aparelho celular e da autorização judicial para extração dos dados, a Polícia Civil do Ceará (PC-CE) chegou a uma teia criminosa, ligada à facção carioca e suspeita de tráfico de drogas, que contava até com um advogado.
O Ministério Público do Ceará (MPCE) foi contra o pedido de habeas corpus para anular a prova. No entanto, a Câmara Criminal disse que: "É de se ressaltar, de logo, que o paciente sequer era alvo da investigação inicial. Tem-se, no caso, que os policiais civis que encetavam a investigação contra a companheira do ora paciente não tinham qualquer autorização para apreender o telefone celular em questão, caracterizando, essa prática, clara violação do direito constitucional do paciente".
QUEBRA DE SIGILO
Nesse domingo (5), o Diário do Nordeste noticiou que o Ceará é o Estado do Nordeste com mais autorizações judiciais pela quebra do sigilo telemático. Conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2020 e 2021 foram 1.370 decisões só no Ceará.
Desde que regularmente autorizada pelo Judiciário, a quebra de sigilo se mostra como aliada contribuindo para que as autoridades tenham acesso aos detalhes sobre grandes ações criminosas, levando os suspeitos à condição de denunciados e posteriormente réus na Justiça.
Quando feita a apreensão e a vistoria no aparelho de forma irregular, surgem brechas para que o processo seja extinto. É o caso de uma decisão judicial de julho do ano passado, que se baseou em uma falha dos investigadores.
A Defensoria Pública do Ceará apontou para a busca ilegal realizada durante as diligências na residência de James Machado Cordeiro, o 'Simpson' e que resultou una Operação 'Aditum III'. Na ocasião, o celular do suspeito foi apreendido e ele, segundo os policiais que fizeram a busca, teria autorizado que vistoriassem o conteúdo do aparelho.
A partir de uma vistoria no celular de 'Simpson', os investigadores se depararam com um grupo de WhatsApp, com participação de 400 pessoas. Toda a troca de mensagens entre os membros do grupo seria sobre uma 'facção criminosa', com informações, como: a 'data de batismo' e área de atuação de cada um dos integrantes, dentro do tráfico de drogas. Todas as pessoas que tiveram os nomes citados nas conversas passaram a ser alvos das autoridades.
A defesa de 'Simpson' recorreu: "não obstante a entrada injustificada no domicílio do réu, observa-se, ainda, que os policiais informaram que fizeram uma busca na residência e apreenderam um celular, momento em que teriam acessado o seu conteúdo e conseguido provas de que o réu possivelmente estaria envolvido com uma organização criminosa".
O Poder Judiciário considerou a inexistência de prova válida que comprovasse os crimes de tráfico de drogas e organização criminosa, e entendeu que 'Simpson' precisava ser absolvido. Não demorou até que a decisão fosse estendida aos demais, posteriormente aos 219 alvos da Polícia, quando deflagrada a operação.