Edifício Andrea: pedreiro é absolvido e engenheiros vão a Júri popular pelas nove mortes

O juiz entendeu não ser necessária a aplicação de prisão preventiva para a dupla que deve sentar no banco dos réus

Escrito por Emanoela Campelo de Melo , emanoela.campelo@svm.com.br
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Legenda: Segue a discussão entre acusação e defesa se o crime teria sido praticado com dolo eventual ou culpa, ou seja, se os acusados assumiram ou não o risco de matar e lesionar as vítimas.
Foto: Gustavo Pelizzon

Passados mais de quatro anos do desabamento do Edifício Andrea, o processo criminal acerca do caso chega a uma nova fase. Nessa quarta-feira (1º), o juiz da 2ª Vara do Júri de Fortaleza decidiu absolver sumariamente o pedreiro Amauri Pereira de Sousa e pronunciar, ou seja, levar ao Tribunal do Júri, os engenheiros civis, José Andreson Gonzaga dos Santos e Carlos Alberto Loss de Oliveira.

A sentença está conforme os pedidos finais do Ministério Público do Ceará (MPCE), que já havia se posicionado pela impronúncia do pedreiro. Já os engenheiros devem sentar no banco dos réus por homicídio duplamente qualificado, nove vezes (referente a cada uma das vítimas) e por sete tentativas de homicídio duplamente qualificado.

O juiz entendeu não ser necessária a aplicação de prisão preventiva processual e nem fixar medidas cautelares, concedendo aos acusados direito de recorrer em liberdade. Brenno Almeida, advogado de defesa dos réus, disse que "embora não tenha saído intimação para defesa, iremos nos reunir com maior brevidade possível para tratarmos de um possível manejo recursal em face da pronúncia".

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Nos autos, os acusados alegaram ausência de justa causa e requereu a desclassificação de homicídio doloso para homicídio culposo (quando o responsável não quer e nem assume a morte como resultado da ação).

O 'CAMINHO' ATÉ A ABSOLVIÇÃO

De início, o processo foi distribuído a uma Vara Criminal. O MP que pugnou pelo declínio de competência para uma das Varas do Júri, ao perceber "materialidade e indícios suficientes de autoria, indicando que os indiciados assumiram o risco de produzir as mortes das pessoas que estavam no Edifício e em suas proximidades".

Desabamento
Legenda: Operação de resgate durou 103 horas
Foto: Agência Diário

Ao apresentar memoriais finais, o MP apontou pela impronúncia de Amauri, mas a Justiça acreditou que a absolvição sumária "se amolda melhor ao caso".

"No caso dos autos, não há como entender que o acusado Amauri Pereira de Sousa tinha condições de prever o resultado naturalístico do desabamento que findou nas mortes e lesões às vítimas, muito menos que assumiu o risco do referido resultado"
Juiz, 2ª Vara do Júri

Quando ouvido em juízo, o pedreiro disse que trabalhou na edificação sob ordens dos engenheiros: "ainda assim, antes do desastre, apenas chegou a realizar o serviço de retirada do reboco, segundo ele que já estava solto, ocasião em que percebeu que não havia concreto nas colunas, mas apenas ferragens, acrescentando que o reboco saía com facilidade (podendo-se puxar com a mão). Indagado, respondeu que não tinha experiência com esse tipo de serviço e afirmou que nunca pensou que o prédio pudesse desabar, tanto que acreditava estar vivo por um milagre, já que estava debaixo da edificação quando ocorreu o desabamento. Perguntado sobre a causa da queda do edifício, respondeu que não sabe dizer, por lhe faltar de conhecimento técnico".

"É certo que em desastres de grandes proporções, como ocorreu no caso do Edifício Andréa, existe uma busca incansável dos parentes das vítimas e da sociedade por culpados, pois, mesmo que de forma inconsciente, a suposta “justiça” no caso concreto traz-lhes alento. É exatamente em casos como este que o operador do direito deve prezar, ainda mais cautelosamente, pelo uso da técnica jurídica, mantendo sua imparcialidade, independência e isenção a opiniões externas ao processo"
Juiz, da 2ª Vara do Júri

"Não é plausível, nem mesmo razoável, exigir ou esperar que ele, diante da diminuta instrução que possui, pudesse prever que sua intervenção nas colunas do Edifício Andréa, sem o uso prévio de escoramento ou inspeção predial preliminar, viesse a provocar o resultado do evento danoso, indubitavelmente catastrófico. Ficou provada a ausência de culpabilidade do acusado Amauri, pedreiro que atuou na obra em questão, devendo ser reconhecida sua absolvição sumária ante a ausência de justa causa", conforme trecho da sentença.

SENTENÇA DOS ENGENHEIROS

Sobre a sentença dos engenheiros, a Justiça considera "existência de indícios suficientes de que os acusados Andreson e Carlos Alberto, podem ter contribuído para o desabamento do Edifício Andrea que resultou na morte de nove pessoas e na lesão de outras sete".

Porém, segue a discussão entre acusação e defesa se o crime teria sido praticado com dolo eventual ou culpa, ou seja, se os acusados assumiram ou não o risco de matar e lesionar as vítimas.

andrea camera
Legenda: As câmeras internas do edifício mostraram que a obra já havia começado quando o Andrea desmoronou

O magistrado destaca que "durante a instrução processual foi apontada a presença de indícios suficientes de participação dos acusados nos delitos capazes de demonstrar, com elevada probabilidade, os seus envolvimentos nos crimes, a justificar a submissão dos réus ao Conselho de Jurados do Tribunal do Júri".

Com relação ao dolo eventual ou não, o juiz afirma que isso caberá ao Conselho de Sentença.

VERSÕES DOS RÉUS

Andreson, sócio-administrador da empresa responsável pela reforma dos pilares do Edifício Andrea, chegou a afirmar que "o prédio era maquiado" e que a síndica, uma das vítimas que morreu na queda do prédio, ocultou a ele informação sobre uma sobrecarga na cobertura.

"Indagado por este juízo se não havia inspecionado o prédio antes de iniciar a reforma dos pilares, respondeu que não, alegando, mais uma vez, que a síndica lhe omitiu informações quanto ao acréscimo de área existente na cobertura. Questionado se a inspeção não era essencial ao início da reforma, disse que seus serviços ainda estavam em fase de análise do real problema, portanto, ainda não era o momento de realizar a vistoria no restante do prédio. Sobre a não utilização de escoramento, o acusado respondeu que não existe nenhuma norma que obrigue o uso de escoramento em casos de reforma de pilar".

José Andreson ainda defendeu que "jamais teve a intenção de matar ninguém, dizendo que saiu de casa para trabalhar honestamente e que jamais previu tamanha desgraça, imputando os fatos ocorridos a sobrecarga do edifício que, segundo ele, possuía oito andares, momento em que utilizou para impugnar a perícia, bem como a falta de manutenção e reformas anteriores feitas de forma equivocada".

Carlos Alberto também destacou que "jamais teve a intenção de matar ou ferir ninguém, se dizendo vítima do desastre, posto que no momento do ocorrido estava na parte de baixo do edifício. Sobre a intervenção nos pilares, disse que não era capaz de causar o desabamento, pois só haviam retirado cimento e areia e que não existia concreto cobrindo a estrutura das colunas".

Alberto afirmou não considerar necessário escoramento para, "já que não estavam mexendo na estrutura, mas apenas fazendo um trabalho de análise do interior das colunas para constatar areal situação. Indagado, disse que não precisava de especialização para realização da obra contratada. Defendeu que se o desabamento fosse em razão da reforma dos pilares, o prédio teria tombado para o lado em que eles estavam sendo consertados, e não achatado todo de uma vez. Acrescentou que a norma só prevê necessidade de escoras para construção de edificações, não fazendo previsão para casos de reforma".

TRAGÉDIA

O Edifício Andrea, de sete andares, ficava localizado no cruzamento da Rua Tomás Acioli com Rua Tibúrcio Cavalcante, no Bairro Dionísio Torres. Uma megaoperação do Corpo de Bombeiros foi montada para procurar por pessoas que estavam desaparecidas, ao longo de cinco dias.

Em 2021, o MPCE ofereceu a denúncia e a Justiça acolheu, tornando o trio réu.

Na época, conforme trecho da decisão, há pressupostos legais que autorizam o recebimento da denúncia e consequentemente a deflagração da ação penal. No entanto, o magistrado destaca que a questão do dolo eventual deve ser analisada ao longo da instrução processual, considerando a dinâmica dos fatos e o elemento subjetivo da conduta dos acusados para não existir um pré-julgamento. 

MORTOS NO DESABAMENTO:

  • Frederick Santana dos Santos: Chamado de Fred, a vítima entregava água em um mercadinho próximo ao prédio que desabou. Deixou esposa e filha.
  • Maria da Penha Bezerril Cavalcante: Penha, como era chamada, morava no 1° andar. Integrava a Legião de Maria na Igreja de São Vicente de Paulo. Deixa filhos.
  • Izaura Marques Menezes: Avó de Fernando Marques, sobrevivente. A idosa era professora aposentada, mãe e esposa de duas vítimas.
  • Antônio Gildásio Holanda Silveira: Pai de outra vítima da tragédia. Era viúvo, morava no prédio provisoriamente. Deixou dois filhos.
  • Nayara Pinho Silveira: Era psicóloga, tinha 31 anos e teve o corpo resgatado por volta do meio-dia do dia 15 de outubro.
  • Rosane Marques de Menezes: Assistente administrativa, mãe de Fernando Marques, sobrevivente da tragédia. Eles moravam no 3º andar do prédio.
  • Vicente de Paula Menezes: Avô de Fernando Marques, sobrevivente. O idoso morava no 5º andar com a esposa Izaura. Veio para Fortaleza com parte da família depois de morar no Rio de Janeiro
  • José Eriverton Laurentino Araújo: Cuidador dos idosos Vicente e Izaura, há 20 anos, estava no prédio na hora da ocorrência. Ele deixou esposa e filho.
  • Maria das Graças Rodrigues: Era síndica do Edifício Andrea e morava no 5º andar do prédio. Ela estava no térreo na hora do desabamento.

 

 

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