Segundo semestre marca início da temporada de incêndios no Ceará

De acordo com Leonardo Borralho, coordenador do Previna, o alto índice de queimadas tem relação com fatores climáticos, mas, também, conta com a contribuição do homem, principal responsável pelos focos

Escrito por Redação , região@svm.com.br
Legenda: O especialista alerta para os danos causados pelos incêndios que, em sua grande maioria, começam com a ação do homem

O Ceará tem dois semestres com características climáticas completamente opostas. Nos primeiros seis meses do ano - especialmente nos bimestres iniciais - o que prevalece é a ocorrência de chuvas. Na segunda metade do ano, a pluviometria sai de cena e passa a prevalecer a ocorrência de queimadas em vegetações.

É entre os meses de setembro a dezembro que se concentra o maior número de focos de incêndios. Neste ano, porém, agosto já causou preocupação. O número de queimadas registradas até ontem (29), superou todo o mês de julho e também ultrapassou a marca dos focos verificados em agosto de 2019, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O doutor em Ciências Marinhas Tropicais do Laboratório de Ciências Marinhas (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Programa de Prevenção, Monitoramento, Controle de Queimadas e Combate aos Incêndios Florestais (Previna), Leonardo Borralho, explica quais fatores climáticos propiciam esse ambiente favorável para os focos de incêndios, quais são os impactos para o meio ambiente e a participação do homem neste cenário de devastação.

No período seco é comum o aumento de queimadas e incêndios no Sertão cearense. Quais fatores contribuem para o aumento dessas ocorrências?

O segundo semestre no Ceará aparece uma série de variáveis que potencializam a ocorrência de incêndios florestais, como os baixos índices pluviométricos, baixa umidade relativa do ar, altas temperaturas, maior velocidade dos ventos e vegetação mais seca.

Bombeiros afirmam que mais de 90% dos incêndios em vegetação são criminosos - iniciados por produtores rurais para facilitar limpeza do terreno e por pessoas que ateiam fogo por maldade. Como o senhor analisa esse quadro? Há como punir os responsáveis?

Geralmente, o uso do fogo está ligado a atividades de desmatamento e uso alternativo do solo. No meio rural, o uso do fogo está atrelado, principalmente, às atividades ligadas à agricultura, pecuária e extração de mel. No meio urbano, ligada à queima de lixo, especulação imobiliária e crescimento urbano. Ou seja, todos com interferência do homem. A prática do uso do fogo para "limpeza do terreno" é bem comum e pode desencadear incêndios florestais.

A punição tem previsão legal, tanto pela Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9605 de 1998), quanto pela Lei Complementar Estadual 175 de 2017. Nos casos em que há dolo, a penalidade criminal pode ir de dois a quatro anos de reclusão. Além disso, tem a penalidade administrativa de R$ 1.000, por ha incendiado.

Quais são os impactos desses incêndios?

As queimadas impactam na atmosfera, regulação dos ecossistemas, solo e na sociedade. A fumaça e as fuligens causam e/ou agravam doenças respiratórias - como bronquite e asma -, provocam dores de cabeça, náuseas e tonturas, conjuntivites, irritação da garganta, alergias na pele e outras doenças. No ecossistema, afeta a reciclagem de nutrientes (interface), na lubrificação da natureza; causa a morte da biota (plantas e animais); elimina os predadores naturais de algumas pragas; destrói nascentes e interrompe o fluxo de água para a atmosfera.

Os efeitos sobre o solo vão desde a perda da fertilidade e da produtividade a partir da segunda colheita, devido à redução na quantidade de matéria orgânica que cobre o solo;até a eliminação dos microrganismos, perda dos minerais do solo, perda da capacidade de "guardar" água, intensificação do processo de erosão e assoreamento dos rios.

Quanto tempo, em média, a área queimada leva para se recuperar?

Depende do porte da vegetação e da disponibilidade de nutrientes e água no solo pós-incêndio. Vegetações herbáceas se recuperam mais rapidamente que as arbustivas e arbóreas.

O que pode ser feito para reduzir a quantidade de incêndios em vegetação no Sertão do Ceará?

Além da diminuição da impunidade, destaco a elevada importância da educação ambiental, da consciência ambiental da sociedade e do empoderamento das comunidades tradicionais, indígenas e quilombolas.

Aliado a isso, o investimento em ações de inteligência, com o fortalecimento dos órgãos de controle e fiscalização e na implantação e fortalecimento de áreas protegidas.

Outro ponto é a instituição de políticas públicas na área ambiental, com a criação de espaços territoriais, especialmente protegido, no Bioma Caatinga (pelas três esferas), conjugado ao fortalecimento da gestão das Unidades de Conservação, já criadas, são questões ambientais estratégicas para resguardar a cobertura vegetal e por sua vez, a sua biodiversidade, a qualidade e disponibilidade dos recursos hídricos (no nosso semiárido), a questão climática e toda uma gama de oportunidades econômicas com negócios sustentáveis.

É importante, também, reforçar os órgãos ambientais no tocante à fiscalização, monitoramento e licenciamento ambiental adequado.

Parece contraditório, mas as boas chuvas do primeiro semestre no Ceará, que acarretaram em crescimento da vegetação e densidade da mata, podem agravar a magnitude das queimadas?

Há sim uma relação e o risco ocorre principalmente com o crescimento dos combustíveis leves (capim). Entretanto é importante ressaltar que quanto melhor o quadro chuvoso, melhor vai ser a situação da umidade da vegetação e outras variáveis, o que pode tornar estas áreas menos susceptíveis do ponto de vista natural.

O índice de vegetação por diferença normalizada (NDVI) é um bom indicador pra avaliar o risco a incêndios florestais. Quanto melhor o NDVI (mais úmido), a sua propensão à queimar é menor. Todavia o fator antrópico, isto é, o homem, e de forma criminosa, muitas vezes se torna preponderante mesmo diante das condições naturais.