Renovação da agricultura e de suas técnicas está ligada à imersão do jovem ao campo, aponta Embrapa

Majoritariamente composta por adultos, a agricultura começa a ser renovada com a inserção – ainda que tímida – de jovens nesse meio rural

Escrito por André Costa / Honório Barbosa , regiao@svm.com.br
Legenda: Segundo pesquisadores, os jovens podem ter fundamental importância no renascimento do campo
Foto: Antonio Rodrigues

O surgimento da agricultura é datado há mais de dez mil anos, no Oriente Médio. Desde então, ela passou por inúmeras transformações e adaptações. Hoje, esse processo de renovação segue em curso, não apenas das técnicas, mas também de seus agentes, conforme destaca o pesquisador da Embrapa, Jorge Farias. Especialista em Desenvolvimento Regional, ele explica que o jovem começa a ter um importante papel na revolução da agricultura. 

Majoritariamente composta por adultos, a agricultura começa a ser renovada com a inserção – ainda que tímida – de jovens nesse meio rural. No entanto, para entender este cenário de mutação, Farias diz ser preciso compreender outras questões socioeconômicas.  

“Construiu-se uma ideia de que a agricultura não dava retorno financeiro. Além disso, os jovens cresceram vendo a imagem dos pais e avós fazendo um trabalho manual bastante pesado, cansativo. Então a soma desses fatores, para limitarmos em dois exemplos, afastou o jovem do campo, que anteriormente passou a ver a cidade com olhar mais atrativo”, detalha. 

Contudo, com o advento de novas formas de vida em sociedade e a diminuição das distâncias pela facilidade das comunicações e da urbanização do meio rural – em que espaço o urbano e rural se confundem com linhas divisoras cada vez mais tênues –, o jovem começa a ter um olhar diferenciado para a agricultura.  

Legenda: Luís Henrique concluiu o curso de técnico agrícola e ingressou no curso de Agronomia da Universidade Federal do Semiárido (UFSA), em Mossoró. Ele pretende implantar seus conhecimentos na criação de ovinos e caprinos
Foto: Honório Barbosa

Luís Henrique Araújo do Carmo, de 19 anos, é um dos que olham para o campo com otimismo. Filho de agricultores, o adolescente morador da localidade de Aroeira, zona rural de Iguatu, cresceu em contato com o meio rural. A afinidade com a agricultura, "de berço", como relata, motivou o jovem a se especializar. A intenção, segundo ele, é aplicar novas metodologias ao campo.

Luís Henrique concluiu o curso de técnico agrícola e ingressou no curso de Agronomia da Universidade Federal do Semiárido (UFSA), em Mossoró (RN). Esse perfil, segundo Jorge Farias, pode ser um diferencial para que a agricultura avance rumo ao sustentável.

Já decidi que quero viver da agricultura. Ela é importante para a economia rural, para levar alimento para as casas dos brasileiros. Quero melhorar a raça dos animais através dos estudos.
Luis Henrique
Agricultor e universitário

Além da criação de animais, o jovem agricultor está investindo, em parceria com o pai e um tio, na criação de mel de abelha. “Temos que diversificar as atividades no campo e implementar tecnologias modernas, melhoria da genética e da alimentação do gado com culturas alternativas e de boa convivência com o semiárido”, acrescenta, mostrando ampla consciência dos novos conceitos da agricultura.

James do Nascimento da Costa, de 23 anos, é outro que pretende trilhar os caminhos do pai agricultor. Em 2019 ele concluiu o de tecnólogo em Irrigação e Drenagem, no IFCE de Sobral, e seu objetivo é aplicar a aprendizado "nas terras da família".

James conta que busca financiamento do governo para implementar um projeto de agropecuária destinado aos pequenos produtores rurais. "É possível ter renda e viver com tranquilidade com trabalho do campo. Quero expandir as áreas de plantio dos meus pais e ajudar outras pessoas que não tiveram oportunidade de estudo", vislumbra.

Legenda: James é tecnólogo em Irrigação e Drenagem pelo IFCE
Foto: Honório Barbosa

Transição

Para Farias, exemplos como o de Luis Henrique e James podem ser cada vez mais comuns caso exista incentivo e orientação adequados. 

“Primeiro temos que desmistificar essa dicotomia entre rural e urbano. Eles devem ser vistos como complementares. Também é importante mudar as técnicas que são utilizadas há séculos, como a brocada. Além de ser um trabalho pesado, ela não traz resultados efetivos e é danosa ao solo. Com essas mudanças de paradigmas, abre-se uma porta ao jovem”, avalia. 

Na prática, Jorge Farias cita dois projetos desenvolvidos pela Embrapa cujo jovem passou a ser protagonista. O primeiro deles, aplicado em Sobral, no Norte do Estado, chama-se Sustentare. A intenção é fortalecer o desenvolvimento rural sustentável, tendo entre as muitas linhas de atuação, a transição agroecológica.

“No início não tínhamos jovens. Quando identificamos essa composição, questionamos aos mais novos os motivos que causam esse desinteresse. Em resumo, eles sentiam que não podiam se sustentar da agricultura”, conta Farias. 

Esse olhar, no entanto, foi se modificando ao passo em que o projeto avançava. “Hoje, os jovens são os protagonistas, eles lideram as ações”, acrescenta o pesquisador da Embrapa. Essa mudança deve-se aos novos arranjos da agricultura, que vão desde técnicas mais sustentáveis – e consequentemente mais rentáveis – a diversificação da atividade, que deixou de ser exclusivamente a produção do campo. 

Agrofloresta 

O segundo projeto, realizado no Sertão dos Inhamuns, incentivou a criação de sistemas agroflorestais, em que o manejo da terra é combinado entre espécies arbóreas e cultivos agrícolas ou criação de animais. A combinação pode ser de forma simultânea ou em sequência temporal. O objetivo é promover benefícios econômicos e ecológicos. 

Professor e técnico agrícola, Elton Pereira, 55, desenvolve ações agroecológicas nas comunidades de Bravo e São José, na zona rural de Iguatu. Além de disseminar o conceito da agrofloresta, o professor pontua que realiza um "trabalho de educação no campo e para o campo". Uma das vertentes é justamente aproximar o jovem da agricultura.

Muitos jovens ainda optam por ir morar na cidade. Eles consideram ser mais atrativos. Mas, acredito que com incentivo de políticas públicas e novas técnicas, o campo pode ser muito atraente. 
Elton Pereira
Professor

O pesquisador da Embrapa explica que esses sistemas agroflorestais, que estão em conformidade com as demandas, se adéquam a cada agente. Quando um agricultor tem maior tradição de criador, ele mantém em seu terreno agroflorestal árvores nativas que fornecem a forragem para os animais.  

Essas mudanças de práticas são chamadas de transição sociotécnica. “Se a gente não mudar nossas práticas, além de não existir renovação do agente [o jovem] teremos um esgotamento do solo e da natureza. Vai chegar um determinado período que não vamos mais conseguir produzir”, alerta Farias. 

Mercado 

Tais mudanças convergem em outra alteração de padrão: a comercialização do que é colhido da agricultura. A “construção social de mercados", termo utilizado por Jorge Farias para identificar a forma de comercializa o produto, pode ser um elemento atrativo aos jovens.

"Identificar os melhores caminhos para que a produção seja comercializada de forma mais assertiva garantirá maiores rendimentos. Claro que é preciso orientação técnica, mas já vemos que é, sim, possível atrair os jovens e, mais, a agricultura pode ser rentável”, destaca o pesquisador. 

Para embasar sua análise, Jorge aponta que grande parte da alimentação do País vem da agricultura familiar, “portanto, estimular a produção da agricultura de forma sustentável é um grande referencial para o século XXI”. Segundo as Organizações dos Produtores Familiares do Mercosul (Coprofam), cerca de 70% a 80% dos alimentos produzidos vêm da agricultura familiar. 

O agricultor familiar Paulo Alberto Gomes identificou "esses caminhos" e apostou na produção de frutas e verduras orgânicas. Com a baixa oferta deste tipo de alimento em Iguatu, Paulo garante conseguir uma boa renda mensal. "Varia entre R$ 1,5 mil a R$ 2 mil", compartilha. 

No reboque puxado por uma moto, Paulo Alberto coloca frutas, verduras, pescado e garrafas com mel de abelha para vender na comunidade do Gadelha – zona rural de Iguatu – e em sítios do entorno. "Vendo tudo e sou muito feliz na agricultura, consigo sustentar minha família. É aqui que quero seguir", conclui Paulo.

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