Motoristas exaustos no desafio de carregar vidas

Intervalo após quatro horas de trabalho não é respeitado e condutores arriscam-se nas vias com o acúmulo de fadiga

Escrito por Melquíades Júnior - Textos/Kléber A. Gonçalves - Fotos ,

Para muitos trabalhadores das estradas, a própria casa é, durante a semana, como um terminal de passagem para a próxima viagem. Sobretudo em vans e topics, a reportagem flagrou em percursos pelo Ceará motoristas com mais de 14 horas seguidas de trabalho. Os que saem muito cedo e percorrem longas distâncias desde a madrugada, o tempo que antecede o retorno ao município de origem no fim de tarde é feito tentando descansar sentado num banco de praça.

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Nos ônibus, alguns apresentavam visível cansaço em viagens iniciadas no período noturno. Ao contrário dos que começam a trabalhar no início da manhã, tendo dormido à noite, os profissionais do último horário do dia vêm, em geral, de uma última jornada já acordados.

O Instituto de Criminalística do Ceará não concluiu se dormiu ao volante o motorista do ônibus da Viação Itapemirim que havia saído na noite de Fortaleza em direção a Salvador (BA). Por volta das 4h da madrugada do dia 21 de fevereiro de 2004, o veículo saiu da BR-116 e caiu num açude com nove metros de profundidade, matando todos os 42 ocupantes.

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Os maiores acidentes

Testemunhas disseram que o veículo trafegava de forma bastante lenta no trecho da rodovia antes de descer às margens. Esta é a segunda maior tragédia já registrada com ônibus no Brasil - o ranking aponta primeiro lugar para acidente em Santa Catarina em 14 de março de 2015, com 51 mortos.

"Reconhecemos que a situação é melhor que 20 anos atrás, mas as empresas ainda querem nos empurrar cargas horárias exaustivas. Nem sempre é obedecido o intervalo que o trabalhador tem direito", reclama José Olivande Nogueira, do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros Intermunicipais e Interestadual no Ceará (Sinteti). A categoria está em discussão com o empresariado para o acordo de novo dissídio salarial, que envolve reajuste e aumento da cesta básica. Nesse mesmo período em 2015, motoristas insatisfeitos com descumprimento de acordo cruzaram os braços e a rodoviária Engenheiro João Tomé, em Fortaleza, teve atrasos em todas as saídas.

De acordo com Mário Albuquerque, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Intermunicipal e Interestadual do Ceará (Sinterônibus), as negociações estão avançando e será possível chegar a um acordo. Representante do setor, Mário aponta os altos custos tributários de manter a atividade um desafio das mesas de negociação.

"Pagamos cada vez mais caro, de manutenção do veículo a combustível, pagamento de funcionários. O que queríamos é que o Governo do Estado, assim como faz em outros setores, pudesse diminuir a carga de impostos, para os custos não serem transferidos somente em aumento de tarifa", afirmou.