Mariscos no Rio Jaguaribe estão livres de poluentes e não foram prejudicados por óleo, diz pesquisa

As primeiras manchas de óleo surgiram em agosto de 2019, no litoral do Nordeste. Quase dois anos após depois, o responsável não foi identificado

Escrito por Redação ,
Mariscos em Fortim
Legenda: Levantamentos acontecem desde agosto de 2020.
Foto: Fiocruz Ceará

Os mariscos na porção do Rio Jaguaribe em Fortim estão livres de substâncias relacionadas ao petróleo, de acordo com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz Ceará (Fiocruz-CE). Os resultados positivos da pesquisa, que analisa o impacto do óleo no Litoral Leste do Estado, foram divulgados na última quinta (28). O estudo segue até maio e deve coletar animais em outros pontos do manancial, localizados na comunidade quilombola do Cumbe e Canavieiras, ambas em Aracati. O levantamento foi contemplado com o edital “Apoios Emergenciais Nordeste”, do Fundo Socioambiental CASA, e tem o apoio da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema).

Para avaliar a ação do petróleo na porção cearense do litoral, coletaram mariscos no estuário do Rio Jaguaribe durante um trimestre. O procedimento, repetido mensalmente, é padrão e serve para garantir que as amostras recolhidas não sofreram nenhuma influência química. “Se em três análises consecutivas não houver resultado positivo, a gente pode considerar aquela área livre do poluente”, indica Margareth Gallo, farmacêutica e coordenadora da pesquisa. 

Manchas de óleo começaram a surgir em agosto de 2019

O incidente, em território cearense, vitimou cerca de 30 tartarugas, foi registrado em 28 praias, várias unidades de conservação e a vida de pescadores artesanais: sem saber se estavam expostos à substância, pescadores e marisqueiras — com a renda afetada pelo desastre ambiental — recorreram ao peixe e ao marisco como única fonte de alimentos.

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No dia 30 de agosto de 2019 surgiram as primeiras manchas de óleo no litoral do Nordeste, no município de Conde, litoral sul da Paraíba. O derramamento se espalhou por todos os estados da região e dois estados do Sudeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro, atingindo mais de 1.000 localidades, em cerca de 130 municípios. Quase dois anos após depois, o responsável não foi identificado. 

Quantidade de substâncias nos limites estabelecidos

A análise evidenciou que o nível de substâncias provenientes do petróleo, como cromo, vanádio, zinco, níquel, cobalto, chumbo, cádmio e mercúrio, estão nos limites estabelecidos por órgãos reguladores. Ainda de acordo com o analisado pela equipe, animais que se alimentam dos mariscos não devem ser prejudicados: um estudo toxicológico, também aplicado pelo grupo, mostrou que o pescado não sofreu ação de poluentes tóxicos no seu DNA, o que diminui o risco de contaminação da população predadora.

Embora os resultados sejam positivos, Margareth destaca que apenas os mariscos nos limites de Fortim não mostraram contaminação. "O Governo do Ceará colocou uma barreira na foz do Rio, isso ajudou bastante a não ter esse poluente", ressalta a pesquisadora. Até o momento, só aconteceu na região. “O único município a receber esse estudo completo foi Fortim. A gente está estendendo para outras regiões. Quando todas as análises estiverem prontas, a gente vai ter resultado completo”, salienta a coordenadora. 

Nas fases seguintes do estudo, a equipe deverá investigar, além da presença oleosa, o impacto de fertilizantes nos pescados. "É uma região que está sendo muito afetada pela carcinicultura e também muitas áreas por trás do Rio Jaguaribe tem muitos cultivos", detalha Margareth. Por lá, os estudos iniciaram no começo do mês. "Vamos coletar mais três meses também, que nem a gente fez lá em Fortim. Agora, vamos fazer quatro coletas consecutivas no Rio Jaguaribe na região de Canavieiras, em Aracati", adiciona a pesquisadora.  

Além da Sema e do Fundo Socioambiental Casa, o projeto teve apoio do Instituto Terramar, Núcleo de Pesquisa e. Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (UFC), e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).  

Alívio

A preferência da equipe de pesquisa pelo pescado tem razão científica e social. É que, além de funcionar como “filtro” em mananciais, o marisco Mytella strigata também é a principal fonte de renda de comunidades pesqueiras, como as marisqueiras. Principais afetadas economicamente pela substância oleosa, a população litorânea precisou recorrer ao pescado como alimento, mesmo sem ter certeza dos malefícios da digestão. 

“Mais para frente, isso poderia dar problemas de câncer, esses poluentes são totalmente cancerígenos. Os mariscos se alimentam com toda a água que passa pelo corpo deles. Isso é dinâmico, ele vai acumulando todos os poluentes que estiver ali. Como a gente fez a análise e deu negativo, é um alívio para todas as populações que vivem de mariscos naquela região. Eles podem estar vendendo normalmente sem preocupação”

Marisqueira há 40 anos, Maria Eliene Pereira do Vale espera que a divulgação do resultado aumente a procura por mariscos na região. Ela, que indicou para a equipe de pesquisadoras os cantos mais significativos de coletas do marisco, prevê voltar a movimentação antes do derramamento do óleo, em agosto de 2019. “As mulheres pescadoras estão se sentindo muito mais fortes, é uma grande realização para nós. Tínhamos um forte medo do que poderia vir a acontecer com a nossa saúde futuramente. O povo não comprava porque tinha medo do marisco estar contaminado”, relembra Maria, que prefere ser chamada de Maninha. 

Marisqueiras
Legenda: Marisqueiras em Fortim esperam recuperar a principal fonte de renda
Foto: Arquivo Pessoal

A participação popular, inclusive, contribuiu para o andamento da análise: preocupados com a exposição à substância oleosa, marisqueiras e pescadores mobilizaram setores da sociedade civil para a continuidade dos levantamentos. O apelo chamou atenção da Organização Não Governamental (ONG) Instituto Terramar, que ofereceu acompanhamento ao grupo. “Desde o derramamento de petróleo no Ceará que a gente começou a se encontrar semanalmente para fazer essa pressão”, conta Andréa Camurça, assistente social e assessora do Instituto que acompanhou a pesquisa.  

O resultado veio na abertura do edital e no contato com os pesquisadores da Fiocruz. A resposta positiva trouxe um pouco de tranquilidade para os moradores da região, também afetados pelo alcance do coronavírus (Sars-Cov-2). “A pandemia encontra essas mulheres já muito fragilizadas. O auxílio emergencial só foi para algumas. Mulheres deixaram de viver da pesca do marisco e foram fazer outras atividades, mas elas estavam se alimentando do marisco. Havia toda uma preocupação, uma ansiedade, de saber se estavam contaminados ou não”, lembra a assistente, que adiciona: é preciso atentar para as particulares das comunidades pesqueiras. 

“Que se tenha uma resposta para toda essa fragilização na economia da pesca artesanal, Essas famílias foram impactadas nas suas economias e não houve nenhuma ação de reparação. Quase dois anos depois, ainda não há culpados”, avalia.