Devotas transformam ladeira do Horto em local místico

A rua que dá acesso à Colina onde foi erguida a estátua do Padre Cícero, fundador de Juazeiro do Norte, é ladeada por casas coloridas que abrigam santuários repletos de imagens religiosas. O espaço exala devoção

Escrito por André Costa , andre.costa@diariodonordeste.com.br
Legenda: Mãe Dodô é dona de uma das casas mais emblemáticas do bairro. Na alta estação, a residência recebe diversos turistas Floraci transformou sua sala em um local de oração. O espaço abriga quase uma centena de imagens religiosas.
Foto: FOTOS: THIAGO GADELHA

A história de Juazeiro do Norte está intimamente ligada à religiosidade. Fundado por Padre Cícero Romão Batista, em 1911, o Município, na concepção do historiador João Paulo Fernandes, "respira fé e devoção". Esse oxigênio fez a cidade crescer, se desenvolver verticalmente e alcançar, em poucos mais de um século, o posto de terceira maior cidade do Ceará. Tanto desenvolvimento, no entanto, não impediu que algumas tradições fossem preservadas. Uma delas permanece viva e é responsável por tornar a ladeira do Horto, rua que dá acesso à Colina onde está erguida a estátua de Padre Cícero, uma "espécie de santuário".

O íngreme caminho até a chegada ao ponto mais alto da cidade abriga um cenário peculiar. A Rua do Horto é ladeada por casas singulares, de cores vibrantes e em cujo interior residem santuários que acolhem imagens de santos, fitas, terços e retratos - alguns datados do século passado. As cores vibrantes e as paredes revestidas de fé, por meio das imagens religiosas, surgiram, segundo Paulo Fernandes, "a partir dos ensinamentos do Padre Cícero Romão".

O historiador remete a uma frase do patriarca juazeirense para justificar as cores alegres nas casas de muitos católicos. "Padre Cícero dizia que 'quem tem Deus no coração tem um rosto alegre'. Por isso, os devotos passaram a transpor, em suas casas, essa frase do religioso". Ele lembra que a proximidade com a estátua do Padre Cícero faz com que essa tradição seja potencializada. "Isso existe em vários locais da cidade, mas lá é mais forte, mais presente, e chama mais a atenção por estar aos pés da Estátua", acrescenta Fernandes.

O pároco da Basílica Santuário, padre Cícero José da Silva, lembra que a preservação da tradição em manter um altar na sala das casas, deve-se ao fato de "Juazeiro do Norte ter sido estruturada pelo trabalho pastoral missionário do Padre Cícero Romão Batista". Conforme recorda, o sacerdote, que é considerado Santo pelos romeiros, "sempre ensinou o povo católico a colocar Deus no centro de tudo, daí surgiram diversas tradições bastante peculiares em nossa região".

Nesses "santuários residenciais", entre as muitas imagens, nunca faltam a do Padre Cícero e a do Sagrado Coração de Jesus, a quem todos os dias pela manhã a pernambucana erradicada em Juazeiro do Norte há 20 anos, Floraci Lourenço da Silva, reza um mistério. "Todo dia, seis horas da manhã em ponto, eu sento aqui nesse cantinho e rezo. À tarde, é a vez da minha irmã", conta a aposentada. Na sala de sua casa, são 73 imagens fixadas nas paredes e acondicionadas em cima de uma mesa, a que ela se refere como "altar sagrado". "Cada um tem um significado especial", pontua. Questionada sobre a mais especial, ela, que é analfabeta, responde com firmeza. "Onde há fé, não dá pra escolher entre uma e outro. Cada uma delas é especial; é aqui que renovo minha fé e peço proteção para toda minha família".

Do outro lado da rua, em frente à casa de Dona Floraci, Mãe Dodô, considerada uma "das melhores rezadeiras da cidade", conforme atesta Floraci Lourenço, transformou não somente sua sala, mas a casa quase que completamente. A residência abriga mais de uma centena de imagens, algumas delas - a de Padre Cícero, por exemplo - contam com 1,50 metro de comprimento.

Todos os dias, Mãe Dodô recebe em sua casa pessoas que buscam fortalecimento espiritual. Sua estatura franzina não é compatível com a "fortaleza existente dentro dela", diz a professora Nairla Olinda. A educadora era uma das seis pessoas que, numa tarde de sexta-feira, ouviam, atentas, as orações da rezadeira. "Saio daqui fortalecida", acrescenta. A tinta azul que preenche, além de suas vestes, as paredes de sua casa, "representam esperança"; a cor branca, que dá tom ao altar e aos tecidos que cobrem sua cabeça, "simbolizam a paz", e a diversidade das cores presentes nas imagens remetem às pessoas que ela atende, "pois cada uma é única, especial e portadora de fé". Dodô faz questão de frisar que "sua grande missão é tornar sua casa uma extensão do lar de outras pessoas".