Caça predatória põe em risco reprodução de aves silvestres no interior

Diversas aves, como a avoante, têm no início do ano seu período reprodutor. A caça predatória, que já ocorria em grande escala, pode ser potencializada com o fechamento dos escritórios do Ibama e redução de servidores

Escrito por André Costa , andre.costa@diariodonordeste.com.br
Legenda: Ambientalistas e representantes de organizações ligadas ao meio ambiente temem que a redução de servidores do Ibama, somada ao fechamento de escritório, culmine na elevação da caça predatória de animais silvestres.

O canto da avoante, pomba campestre encontrada em todo o território nacional, está sob risco de não mais ser ouvido em algumas regiões. A caça predatória ameaça a reprodução da ave que ocorre entre o fim de fevereiro e início de abril, época em que, consequentemente, aumenta a incidência da caça. Entre os anos de 2006 e 2018, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou 224 apreensões no Ceará.

Em 2013, foram 101 apreensões e, no ano seguinte, 26. Em 2015, o número foi reduzido a apenas dez. A baixa coincide com o ano em que os escritórios no interior do Estado começaram a ser fechados. Naquele ano, uma portaria da presidência do Ibama determinou o fechamento de várias unidades em todo o País. O escritório de Crato, na região do Cariri, foi o primeiro a ter as portas lacradas definitivamente. Dois anos depois, foi a vez das unidades de Aracati, Sobral e Iguatu encerrarem suas atividades de forma permanente.

Proteção

Este último Município, na região Centro-Sul do Estado, possuía escritório há quase 30 anos. Três analistas e seis funcionários terceirizados mantinham ações de combate ao tráfico de animais silvestres e de proteção da fauna em uma extensa área, abrangendo 55 cidades nas regiões Centro-Sul, Cariri, Inhamuns, Sertão Central, Vale do Jaguaribe e Sertões de Crateús.

As demandas de fiscalização ficaram sob a responsabilidade da superintendência do Ibama, em Fortaleza. O temor de ambientalistas e representantes de organizações ligadas ao meio ambiente, é de que essa redução passe a ser uma constante.

"Antes tínhamos a quem recorrer. Quando queríamos denunciar algum crime ambiental, íamos pessoalmente até o escritório. Hoje, tem que ser por e-mail ou por telefone e, geralmente, na grande maioria dos casos, não há uma solução", lamenta Dausio Alves, integrante do Movimento Faça Parte Iguatu, que luta em defesa do meio ambiente.

Ele avalia ainda que o sentimento de impunidade cresceu e, por conta disso, os crimes "se multiplicarão". "A cada ano se perde inúmeras espécies e há desmatamento desenfreado. Se antes já era difícil fiscalizar, agora está mais ainda. As pessoas acham que podem fazer tudo e que não serão responsabilizadas. Nós, que lutamos em prol do meio ambiente, nos sentimos frustrados. É um grande retrocesso", completou.

Já o superintendente do Ibama no Ceará, Herbert Lobo, minimizou os impactos negativos e explicou que as fiscalizações agora seguem um calendário pré-agendado. "Agimos de maneira mais assertiva e pontual nas áreas que merecem atenção específica", pondera. Conforme o superintendente, a quantidade de operações não declinou após o fechamento dos escritórios interioranos. "Mantém-se mais ou menos igual".

Concomitantemente ao encerramento das atividades das unidades de Crato, Iguatu, Sobral e Aracati, houve redução substancial no quadro de funcionários do órgão. Em 2016, eram 139 servidores ativos no Ceará. No ano seguinte, o número foi reduzido para 115 e, em 2018, apenas 98, mesmo contingente no início deste ano. Um dos principais motivos que ocasiona a carência de pessoal, segundo Herbert Lobo, é a aposentadoria de parte dos funcionários, além de licença, cessão para outros órgãos e também falecimento.

As seleções, que poderiam suprir a carência no quadro de funcionários, não ocorrem há cinco anos. O último processo seletivo foi realizado em 2013, desde então, não houve novas entradas de servidores. Para este ano, não há previsão de autorizações para concurso, conforme o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

Alternativas

Com 76% a menos no quadro de servidores e com o agravante de quatro escritórios fechados, o Ibama buscou soluções efetivas para manter as operações sem que ensejam em prejuízo para a fauna e flora. Uma das alternativas encontradas, segundo Herbert, foi redirecionar a fiscalização para o monitoramento via imagens de satélite e do setor de Inteligência. "Anualmente nos reunimos para traçar as áreas definidas como prioridade. Com o trabalho planejado, é possível cobrir todo o Estado", avalia o superintendente da autarquia. No ano passado o Ibama aplicou, no Ceará, R$ 14.607 milhões em autuações. "Esse valor condiz com todos os tipos de infrações". Os principais crimes registrados foram: contra a fauna, pesca ilegal e desmatamento ilegal.

Danusio Alves reconhece o trabalho dos servidores mas mantém-se crítico quanto à redução nos quantitativos de funcionários e escritórios.

É um prejuízo imensurável. Em um bioma como o nosso, que está em sério e iminente risco de desertificação, não se pode fazer cortes tão drásticos. Quando uma espécie entrar em extinção, não terá dinheiro nenhum que será capaz de trazê-la de volta ao ecossistema".

O temor do ativista já pode ser constatado na prática. Aves que há até bem pouco tempo eram vistas no sertão cearense estão desaparecendo ante a ação predadora do homem. O canário-da-terra é um exemplo. Existia em quantidade nas matas e nas roças do interior. Hoje só é encontrado fora do Brasil, em países como Peru e Bolívia.