15 cidades possuem dívidas com profissionais da saúde, diz Simec

O Sindicato dos Médicos do Ceará aponta que, deste total, dez municípios têm recorrência no atraso salarial aos profissionais da categoria que atendem na rede pública. O problema, segundo especialistas, causa impacto à população

Escrito por André Costa , andre.costa@svm.com.br
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Legenda: Em Juazeiro do Norte, a UPA e o Hospital Maternidade São Lucas tiveram parte dos atendimentos paralisados na terça (15), em protesto pelos atrasos salariais
Foto: Antonio Rodrigues

Cerca de 200 profissionais da saúde em Juazeiro do Norte, na região do Cariri, paralisaram parcialmente as atividades no início desta semana em protesto aos atrasos salariais. A medida - que foi normalizada ontem (16) - afetou parte dos atendimentos no Hospital Maternidade São Lucas e na Unidade de Pronto Atendimento do bairro Limoeiro. No entanto, de acordo com o Sindicato dos Médicos do Ceará (Simec), Juazeiro não é o único município em débito com os profissionais da saúde.

Conforme lista do Sindicato, outras 14 cidades cearenses estão com atraso salarial. Alguns municípios contestam a informação.

Dos 15 municípios na lista do "devedômetro" do Sindicato, dez são reincidentes, isto é, aparecem na relação, que é atualizada mensalmente, durante todo o ano de 2020: Baturité, Caridade, Catunda, Chaval, Limoeiro do Norte, Icó, Mulungu, Maranguape, Pacajús e Juazeiro do Norte (completam a lista: Acarape, Aracati, Aracoiaba, Pires Ferreira e Itapipoca).

A situação mais delicada, ainda segundo o Sindicato, é justamente Juazeiro do Norte, "onde mais de 200 médicos estão com atraso salarial". A cidade caririense também é a única em que o imbróglio ainda não foi judicializado. "Primeiro tentamos negociações e acordos para que as dívidas sejam pagas. Não tendo êxito, entramos com ações judiciais pleiteando o pagamento", detalha o presidente do Simec, Edmar Fernandes.

Divergência

São essas judicializações que têm causado divergência na lista do "devedômetro". Limoeiro do Norte, por exemplo, afirma que "não há débitos nem remunerações em atrasos exigíveis em relação aos médicos que prestam/prestaram serviços nessa atual administração" e acrescenta que paga "rigorosamente em dia todos os médicos desde 1º de janeiro de 2017". Para o Simec, no entanto, essa justificativa não tem mérito.

"Débito é débito, não importando se ele é de um mês atrás, ou de anos anteriores. O 'devedômetro' aponta o município devedor e não menciona gestões. Além disso, quando um novo gestor assume a prefeitura, ele tem que arcar com os bônus e ônus, pagando todas as dívidas em atraso", contra-argumenta Fernandes.

Desta forma, continua o presidente, "a lista inclui todos os municípios que possuam débito com os médicos, independentemente do ano em que a dívida foi contraída".

Para o Procurador Geral de Limoeiro do Norte, Eriano Marcos, essa "exposição" - referindo-se à lista das cidades em débito com os profissionais - é ilegal por constituir "cobrança precipitada, arriscada, vexatória, especialmente porque o Poder Judiciário ainda não decidiu se o Município deve ou não valores aos médicos".

O Município disse que apresentou recurso de apelação para o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará para que "seja reformada, ou não, a sentença dada pela Juíza local, para só então o Município passar à condição de devedor daquele valor". Até lá, Limoeiro do Norte não se reconhece no status de devedor e, por isso, vai buscar "no Poder Judiciário essa exclusão (da lista), assim como a punição, com a consequente responsabilidade da direção desse órgão, além de cobrança de danos morais".

Quem também aparece na lista de reincidentes, mas igualmente nega os débitos, é a cidade de Catunda. O Secretário da Saúde, Rogério Rodrigues de Mendonça, disse não ter qualquer atraso com os profissionais médicos. Ainda segundo o titular da Pasta, "o débito que o Sindicato insiste em colocar é um pagamento do mês de agosto de 2016, de uma gestão anterior a nossa. Não fomos informados oficialmente desse débito pelo médico plantonista e tão pouco foi formalizado na transição da gestão".

Pacajus é outro município que consta na relação de janeiro a novembro deste ano. Contudo, a secretária da Saúde, Marta Muniz de Menezes Barreiro, se justificou dizendo que "na atual gestão está tudo ok", referindo-se ao pagamento que supostamente estaria em dia com os profissionais. "Esse é um débito antigo, há mais de dez anos, que um prefeito não pagou um mês. Não posso responder por uma coisa que não foi na gestão a qual eu estou", complementou. O Simec, contudo, disse que os atrasos em Pacajus não se limitam a um único profissional.

Já a cidade de Aracati aparece na lista dos meses de agosto a novembro. Porém, conforme o secretário da Saúde, Zózimo Luís de Medeiros Silva, "o Município cumpre fidedignamente com suas obrigações legais e contratuais quando do pagamento regular e mensal dos salários dos médicos".

O titular acrescentou que "há um pagamento a ser realizado no valor correspondente a R$ 29.123,37 para a Cooperativa Univida relacionado à prestação de serviços médicos" e protocolou uma solicitação de parecer junto à Secretaria do Estado do Ceará. "Tão logo essa demanda seja respondida pelo Estado, o pagamento será realizado, em virtude do recurso já se encontrar disponível na conta do Município".

A reportagem do Sistema Verdes Mares também tentou contato, por telefone e e-mail, com demais cidades citadas no "devedômetro", no entanto, não houve retorno.

Em relação à paralisação iniciada na terça-feira (15) em Juazeiro do Norte, foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre Ministério Público, Procuradoria Geral do Município e a Associação das Crianças Excepcionais Nova Iguaçu (ACENI), que administra a UPA e o Hospital, e ficou acordado uma data de pagamento dos meses de outubro e novembro, que deverão ser quitados até o fim de dezembro.

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Impactos

O prejuízo do atraso nos pagamentos vai além da quebra contratual. Para Edmar, os "recorrentes débitos acabam afastando os profissionais de determinadas cidades" e isso causa impacto direto à população, como aconteceu em Juazeiro do Norte, com a paralisação dos atendimentos por um dia nesta semana, e, em janeiro deste ano, por dois dias, quando os médicos também interromperam os atendimentos em protesto aos atrasos.

"Os médicos já vêm sofrendo com estes atrasos há vários anos", reforça Lívia Siebra, advogada que representa o grupo de médicos afetados pelo atraso salarial em Juazeiro. Para Edmar, "quando não se proporciona uma estrutura adequada aos médicos, eles acabam migrando para outras cidades, deixando o sistema de saúde mais vulnerável".

A presidente do Conselho das Secretárias Municipais de Saúde do Ceará, Sayonara Moura Cidade, considera os atrasos "injustificados" e concorda que esse cenário "acaba gerando um impacto em toda a rede. O paciente que não encontra o atendimento, acaba indo para outra unidade de saúde e isso gera uma procura maior. Isso congestiona outros hospitais e outras equipes, causando demora no tratamento e atendimento".

Ela orienta que os "gestores revejam essa situação" e adverte que não se pode alegar falta de verba. "Neste último repasse (do Governo Federal), ficou claro que era para estar cumprindo as folhas para não passar por esta situação".

O presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, pontua que uma alternativa para mitigar esses atrasos que rompem os limites de uma gestão para outra, "seria uma boa transição, com transparência. Desta forma, o novo gestor teria ciência das dívidas e poderia se organizar para quitá-las, não deixando que se acumulassem, evitando assim, maiores danos aos profissionais e à população, que acaba sofrendo as consequências".

 

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