STF adia votação da validade de lei que proíbe agrotóxicos aéreos no Ceará
A relatora Cármen Lúcia e o ministro Edson Fachin votaram pela constitucionalidade da lei cearense
O Supremo Tribunal Federal adiou, nessa segunda-feira (16), votação da Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) que pede a reversão da lei 16.820/19 — conhecida como Zé Maria do Tomé — que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará. A ação contra a medida que está em vigor no Estado desde 2019 é movida pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
O assunto começou a ser analisado no plenário na última sexta-feira (12), mas, nesta segunda, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas (mais tempo para analisar a ação) e agora o assunto fica sem data para ser retomado na Corte.
Até o adiamento, dois ministros haviam votado. A relatora, ministra Cármen Lúcia, e o ministro Edson Fachin se posicionaram contrários à ADI — mantendo a constitucionalidade da lei.
O questionamento na Justiça está sendo analisado em plenário eletrônico. Um dos autores do projeto aprovado na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) tem feito mobilização para levar o julgamento para o plenário presencial por entender que o assunto envolve uma pauta "complexa" e de larga repercussão.
"Um julgamento presencial permite maior debate entre os ministros e com a própria sociedade porque há um espaço para debater a complexidade do assunto", justifica o parlamentar.
Com o adiamento da votação, o deputado vê possibilidade de reforçar a campanha contra a medida promovida pela CNA.
Urgente! Gilmar Mendes acaba de pedir vista na ADI que julga a constitucionalidade da lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no CE. Com isso, a luta em defesa da saúde e do meio ambiente ganha tempo para reforçar a campanha. #ChuvaDeVenenoNuncaMais
— Renato Roseno (@renatoroseno) November 16, 2021
Voto da relatora
A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, votou pela constitucionalidade da lei. Entre os argumentos usados na decisão, estão que "não há óbice constitucional a que os Estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos".
Para a relatora, "a regulação nacional limita-se a traçar os parâmetros gerais quanto à matéria, estabelecendo atividades de coordenação e ações integradas".
Ainda de acordo com Cármen, "as manifestações técnicas juntadas aos autos apontam os perigos graves, específicos e cientificamente comprovados de contaminação do ecossistema e de intoxicação de pessoas pela pulverização aérea de agrotóxicos".
Ação
Na ADI, a Confederação argumenta que a lei estadual se classifica como inconstitucional a partir dos trechos da Constituição brasileira que protegem a liberdade econômica, a liberdade de iniciativa e a atividade agrária.
"Ora, a vedação total à pulverização aérea de agroquímicos prejudica sobremaneira os produtores rurais que necessitam de tal meio de aplicação dos defensivos em suas lavouras, para garantir a produtividade de sua terra e garantir a função social de sua propriedade", diz parte do texto.
Ainda de acordo com os argumentos utilizados pela CNA, "os defensivos agrícolas são utilizados como remédio para as plantas, de modo que a sua forma de aplicação, em determinados casos, é essencial para a fruição da lavoura e, consequentemente para que não falte alimentos à população".
"Sendo o Brasil um grande produtor mundial de alimentos, o prejuízo que o agricultor brasileiro verifica com a retirada de uma forma legítima de aplicação de defensivos impacta todo o mundo, não apenas o Brasil", diz a ADI.
CNA
De acordo com o assessor jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Kaufmann, a ADI que tramita no Supremo é uma das pautas prioritárias e um dos temas fundamentais da agricultura brasileira. Ele diz que a pulverização aérea é a mais rápida e que traz menos perdas aos insumos nas lavouras.
O assessor jurídico afirma que há um sistema de controle em relação aos "defensivos agrícolas" liderado pela Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura e que a iniciativa da legislação cearense é baseada em "desinformação".
"Quando há algum tipo de risco, a Anvisa, o Ibama e Ministério da Agricultura fazem considerações e restrições, e muitas vezes ocorre a proibição", explica Kaufmann.
Os dois votos já apresentados, da relatora Cármen Lúcia e do ministro Edson Fachin, segundo o assessor jurídico, já eram esperados. Ele espera, ainda, que uma decisão técnica dos demais membros do STF reverta a eficácia da lei estadual.
Por fim, a Confederação afirma que, caso a decisão seja pela constitucionalidade da lei, o impacto será "devastador" ao País, como o "aumento de preços e redução da produtividade".
Notas técnicas
Entre os estudos levados aos ministros no STF para barrar a ADI, estão o do Grupo de Pesquisa Tramas – Trabalho, Saúde e Ambiente, vinculado ao Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará.
Os documentos revelam pesquisas de mais de 15 anos na região da Chapada do Apodi com o uso do agrotóxico aéreo.
A Tramas afirma que houve a exposição múltipla da população da Chapada do Apodi aos agrotóxicos, envolvendo entre 4 a 30 ingredientes ativos diferentes. "Foi possível identificar o uso de 90 produtos, dos quais 68,5% são classificados como extremamente tóxicos ou muito tóxicos", aponta.
A nota técnica diz, entre outros pontos, que, na região, a população rural recebeu cinco vezes mais benefícios por câncer do que a urbana, destacando-se as regiões de saúde de Limoeiro do Norte, Russas e Icó, territórios com marcada presença do agronegócio.
"Os produtos utilizados na pulverização aérea de agrotóxicos foram encontrados nas análises dos reservatórios de água da região, e, alguns desses ingredientes ativos são considerados altamente tóxicos, potencialmente teratogênicos e desencadeadores de desregulações endócrinas", diz trecho do texto.
Nota técnica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) aponta que "a utilização de agrotóxicos representa um grave problema para a saúde humana e para o ambiente, e sua aplicação por meio de aviões agrava este cenário, pois estima-se que grande parte dos produtos pulverizados sobre as lavouras são perdidos no momento da aplicação".
A instituição também aponta que "o veneno que não atinge seu alvo contamina solos, aquíferos superficiais e subterrâneos, plantações vizinhas, florestas e, muitas vezes, áreas residenciais, causando danos ao ambiente e à saúde de populações expostas".
A lei
A lei Zé Maria do Tomé é resultado de iniciativa dos deputados Renato Roseno (Psol), Elmano Freitas (PT) e Joaquim Noronha (PRP), e foi aprovada em dezembro de 2018 na Assembleia Legislativa do Ceará, sendo sancionada pelo governador Camilo Santana (PT) em janeiro de 2019.
Cerca de 120 entidades ambientais e científicas, além de mandatos parlamentares e movimentos organizados, assinaram um abaixo-assinato enviado ao STF para pressionar a manutenção da lei cearense, que pode servir de modelo para outros estados brasileiros.