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Impactos da votação do orçamento secreto no STF para o governo eleito

O impasse judicial pode gerar problemas para o presidente eleito Lula antes mesmo do governo começar, em janeiro de 2023

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
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Legenda: A relação entre governo eleito e Congresso Nacional pode ser afetada por julgamento
Foto: Câmara dos Deputados

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, na última quarta-feira (7), o julgamento de ações contra as emendas de relator na legislação orçamentária, mais conhecidas como Orçamento Secreto. Ajuizadas por três partidos políticos - PSB, Psol e Cidadania -, a alegação é de que este mecanismo fere princípios constitucionais, como impessoalidade, publicidade e eficiência na destinação dos gastos públicos.

O impasse judicial deve ter repercussões diretas na relação entre o Congresso Nacional e o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mesmo antes da posse do petista. Com a PEC da Transição aguardando análise pela Câmara dos Deputados, o resultado vindo do Judiciário pode dificultar a articulação política do futuro governo. 

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Nos bastidores, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), teria mandado recados à equipe de transição sobre deputados federais insatisfeitos e que ameaçariam, inclusive, paralisar o avanço da proposta, que amplia o teto de gastos em R$ 145 bilhões por dois anos para bancar a continuidade do Bolsa Família em R$ 600, além de permitir o cumprimento de outras promessas de campanha, como o aumento real do salário mínimo.

Na mesma coletiva em que anunciou os primeiros ministros de Estado do novo governo, Lula disse, no entanto, acreditar que a PEC não enfrentará "problema" na tramitação na Câmara dos Deputados. "Eu farei quantas conversas foram necessárias para que a PEC seja aprovada na Câmara dos Deputados, como foi aprovada no Senado", disse.

Cientistas políticas ouvidas pelo Diário do Nordeste apontam que a aprovação pelos senadores é um dos elementos favoráveis para a equipe de transição - já que demonstra o poder de articulação do novo governo. Ao mesmo tempo, lembram que existem mecanismos regimentais para travar a PEC na Câmara dos Deputados, o que deve ser ponto de preocupação. 

Além disso, o próprio tensionamento causado pelo impasse pode ser prejudicial para o início do mandato de Lula, principalmente vindo do Governo Bolsonaro, em que as tensões entre Poderes eram frequentes. 

Força do legislativo

Com pouca transparência a respeito de quem são os parlamentares que indicam a destinação das emendas de relator, o Orçamento Secreto também atribuiu muito peso ao Congresso Nacional sobre o orçamento da União. 

O crescimento da força do legislativo, não apenas nesse assunto como em outras discussões, é ressaltado pela professora substituta da Universidade de Viçosa e doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília, Ana Carolina Vaz. 

A cientista política Carla Michele Quaresma afirma que, exatamente por isso, não é possível descartar "alguma retaliação, principalmente por parte do presidente da Câmara dos Deputados (Arthur Lira)", a depender de como o julgamento na Suprema Corte se encaminhe. 

"Principalmente, porque ele acabou assumindo um protagonismo muito grande no governo Bolsonaro em virtude desse Orçamento Secreto. Então pode acontecer do Arthur Lira criar algum empecilho, algum obstáculo nesse momento de transição, que é um momento muito sensível", ressalta. 

O primeiro efeito poderia ser sentido exatamente na análise da PEC da Transição pelos deputados federais, que sendo uma Proposta de Emenda à Constituição tem um processo mais longo de tramitação dentro da Casa - que pode ser acelerado ao ser aprensado a outra PEC já em tramitação na Câmara. 

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Contudo, essa celeridade depende, em alguma medida, de quem comanda o legislativo. "Quando se tem a Mesa (Diretora) a favor ou contra a PEC, pode se criar uma restrição", afirma Vaz. Ela lembra ainda que existem, no regimento da Casa, "uma série de instrumentos que permitem que se consiga obstruir a sessão", exemplifica.

Ampla articulação

Por outro lado, pondera Vaz, existem "variáveis positivas" que indicam que mesmo com eventuais "chantagens" vindas de lideranças partidárias da Câmara dos Deputados, é possível que o governo eleito alcance a aprovação da PEC, mesmo com a tensão causada pelo julgamento na Suprema Corte. 

A professora afirma que existem "grandes articuladores" em torno da PEC e que a aprovação no Senado - considerada uma Casa com partidos "mais fortes" e que teriam "mais poder de segurar" uma tramitação. "Na Câmara, temos partidos pequenos. Há mais poder de articular", ressalta. 

"É fato que a articulação está funcionando. Ficou evidente na votação no Senado, votação inclusive muito folgada, o que obviamente é resultado de um esforço e de uma capacidade grande demonstrada pelo governo eleito e muito provavelmente essa articulação vai também garantir a aprovação da PEC na Câmara dos Deputados", concorda Quaresma. 

Apesar desta força que, até o momento, a articulação política da equipe de transição têm demonstrado, Vaz aponta que deve existir uma tentativa de pacificação em relação ao julgamento no STF, em um "papel de mediador'', de tentar que o Congresso não seja pressionado. 

Uma decisão dos ministros do Supremo pela inconstitucionalidade do Orçamento Secreto acabaria com o mecanismo, o que poderia aumentar o tensionamento entre Poderes - uma rotina durante alguns períodos do Governo Bolsonaro, mas que pode prejudicar o início de mandato do presidente eleito Lula. "Esse novo gabinete de transição quer pacificar", afirma. 

Qual o futuro do Orçamento Secreto?

Durante a campanha eleitoral, Lula criticou, em diversas ocasiões, as emendas de relator, principalmente o caráter 'secreto' dos recursos - já que não são explícitos os parlamentares que destinam as verbas neste mecanismo. Contudo, uma suspensão total parece mais improvável, mesmo que venha do Judiciário. 

Vaz argumenta que o governo eleito deve optar por um caminho mais "pragmático", visando principalmente "amenizar e deixar bem para todo mundo". Por outro lado, a docente indica que o Supremo com o próprio julgamento das ações tenta demarcar "certo repúdio". "(E) Se não houver qualquer mudança, que mude o Orçamento Secreto como está... Não sei dizer como seria, mas se não vermos qualquer mudança, podemos ver um voto de Rosa Weber (contrário ao mecanismo) caminhar", considera. 

Ela aponta que existe, inclusive, um forte apoio da sociedade civil e de diferente setores, como o econômico, a favor de uma medida mais dura contra o Orçamento secreto, o que pode dar um respaldo para uma decisão mais rígida do STF. 

Carla Michele Quaresma pondera que, mesmo com eventual fim do Orçamento secreto nos moldes que existe hoje, isso não significará o fim de uma "relação extremamente fisiológica entre os Poderes" - que ela relembra que não é exclusividade apenas de um presidente, mas perpassou diferentes gestões. 

"Mesmo com o fim do orçamento secreto, algum mecanismo de cooptação  baseado em relações fisiológicas deva ser mantido para a governabilidade no país. O que precisamos readequar o sistema de governo no Brasil. Encontrar um um sistema de governo ou um arranjo de governo que seja mais adequado para lidar com essa falta de transparência na utilização de recursos públicos e com essa relação fisiológica entre os poderes", projeta. 

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