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Em 2022, PSDB precisa mostrar que ainda é competitivo em disputas nacionais; veja as articulações

Diretório do partido no Ceará anunciou apoio à postulação do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. João Dória é o outro concorrente

Escrito por Flávio Rovere ,
Tasso Jereissati, Eduardo Leite e João Dória
Legenda: O senador cearense abriu mão da pré-candidatura para apoiar Eduardo Leite, que tem adotado uma postura mais de centro

As disputas internas para as eleições presidenciais mais acirradas no PSDB desde a fundação do partido dão o tom da importância que o pleito de 2022 terá para os tucanos. Além de viabilizar uma terceira via que seja competitiva ao embate até o momento polarizado entre Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido), as prévias de novembro colocam em jogo a própria sobrevivência da sigla enquanto protagonista no cenário nacional.

A Eleição 2018 foi a primeira em que o PSDB não chegou nem sequer ao segundo turno, desde 1989. O último pleito simbolizou mais que os pouco expressivos 4,7% de votos obtidos por Geraldo Alckmin. O partido tem hoje o menor número de representantes que já teve em todas as esferas de poder: 3 governadores, 4 senadores, 29 deputados federais e 520 prefeitos.

Cabe agora aos governadores João Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, o difícil desafio de abrandar as turbulências internas e unificar o partido em torno de um novo projeto de poder.

Leite vem com maior aceno ao campo progressista, se colocando mais ao centro da disputa, de fato como uma terceira via no espectro ideológico, que tem Bolsonaro à direita e Lula à esquerda como favoritos. Já Doria traz discurso mais focado no antipetismo, demonstrando pretensões de ser o candidato acolhido pela direita que se arrependeu de eleger Jair Bolsonaro, mantendo agenda econômica semelhante, mas sem a carga de polêmicas e atropelos antidemocráticos que o presidente da República acumula.

4,7%
Foi o percentual de votos alcançado por Geraldo Alckimin, candidato do partido à Presidência em 2018.

Cartas de intenções

As tendências foram apontadas pelos próprios pré-candidatos, nas cartas em que se lançaram às prévias. A de Doria foi publicada no último dia 20, com críticas a uma série de “retrocessos” do atual governo, mas com alvo prioritário no PT:

“Infelizmente, os anos que se seguiram com os governos de Lula e Dilma representaram a captura do Estado pelo maior esquema de corrupção do qual se tem notícia na história do País. Fazer políticas públicas para os mais pobres não dá direito, a quem quer que seja, de roubar o dinheiro público. Os fins não justificam os meios”.
João Dória
Governador de São Paulo

Já Eduardo Leite, que se lançou pré-candidato no dia seguinte, adotou tom mais conciliador:

"Para fazer este País, um presidente tem de ser presidente de todos: dos que pensam e dos que não pensam como você. Estamos precisando de paz, de união, de distensionamento e de coragem. Não desejo ser presidente para brigar com Lula ou Bolsonaro, mas sim para brigar pelos brasileiros contra os enormes problemas que nosso país tem. Eles, os problemas, é que são meus inimigos".
Eduardo Leite
Governador do Rio Grande do Sul

Corrida por apoios

Nas prévias, o PSDB divide seu colégio eleitoral em quatro grupos, cada um equivalendo a 25% da votação. Três deles são formados por detentores de mandatos (prefeitos e vice-prefeitos; vereadores, deputados estaduais e distritais; e governadores, vice-governadores, deputados federais, senadores, presidente e ex-presidentes da Executiva Nacional). O outro grupo é formado por filiados até o dia 31 de maio, estimados em 1,3 milhão, mas com expectativa de comparecimento de 500 mil, aproximadamente.

Além de apoio já declarado dos diretórios do Distrito Federal, Pará, Acre e Tocantins, Doria tem na retaguarda o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O ex-senador amazonense Arthur Virgílio, embora ainda não confirme oficialmente, também deverá apoiar o governador de São Paulo.

Ele tenta avançar agora no Centro-Oeste e, dentro da campanha, a desistência de Arthur Virgílio e sua adesão ao governador são dadas como certas num futuro próximo, o que o amazonense nega em público.

Já Leite conta com o apoio de Rio Grande do Sul, Bahia, Minas Gerais, Alagoas, Amapá, Paraná e Ceará. A adesão do diretório cearense foi confirmada nessa semana pelo senador Tasso Jereissati, que afirmou trazer consigo cerca de 80% das executivas estaduais.

“O governador do Rio Grande do Sul tem todas as qualidades que um homem público tem para nos representar neste momento. Esse cara pensa igual a mim. Temos uma afinidade também de postura ética, de compromisso com a democracia. Por essa razão, estou aqui hoje dizendo que não sou candidato nas prévias, mas isso não quer dizer que eu não estou na luta”.
Tasso Jereissati
Senador pelo Ceará

Apoio importante

Para o cientista político da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleyton Monte, Tasso representa um grande aliado para Eduardo Leite na disputa interna, sobretudo por ter pontes importantes dentro do partido.

“Ele é um dos fundadores do PSDB, já foi presidente e tem um bom trânsito em todas as alas do partido, e isso é muito raro hoje, quando há uma divisão entre os tucanos históricos e os tucanos que a imprensa chama de ‘nova plumagem’, que é aquela ala mais ligada ao governador Doria. Além disso, agrega pensadores intelectuais da fundação do partido e é ligado ao setor produtivo, tem um nome muito reconhecido não apenas no Nordeste”, explica.

De acordo com Monte, mesmo que tenha desistido de tentar a reeleição no próximo ano, o senador acumulou boas credenciais no último mandato.

“O Tasso é reconhecido como uma figura moderada e que, nos últimos anos, tem tido uma atuação bem significativa no Senado Federal, muito mais até que na primeira passagem dele. Se empenhou em reformas importantes, está na discussão da CPI, fez discursos duros e se manteve numa posição bem coerente contra o Bolsonaro”, avalia.

Ciro Gomes

O apoio de Tasso chegou a ser especulado como uma abertura que possibilitaria aliança com o PDT, para que Eduardo Leite saísse como vice do ex-ministro Ciro Gomes. O governador gaúcho, no entanto, nega a possibilidade e afirma que a conjectura é uma tentativa interna de “sabotagem” à sua candidatura. "2022 será o melhor ano do meu mandato no estado. Só renuncio em abril se for pra liderar um projeto", disse.

Cleyton Monte vê como remota a possibilidade de aliança. Para tanto, Tasso teria que trabalhar para amenizar a animosidade de Ciro com nomes influentes do partido, como Fernando Henrique, Doria, José Serra, Aécio Neves e Antônio Anastasia.  

Segundo ele, o que seria plausível somente em um ato “quase de desespero”. “O PSDB vive realmente essa situação muito difícil de não conseguir uma unidade em torno de um candidato, a terceira via também não decolou. Mas o que também está em jogo aí no PSDB é a sobrevivência do partido, que sempre se reivindicou um partido nacional, protagonista. A partir do momento em que o PSDB fosse aceitar ser vice de um outro candidato, ele estaria abrindo mão desse protagonismo. Acho que eles vão insistir até a última chance", projeta.

Doria em vantagem

Apesar de ser um nome que provoca mais atritos que o rival dentro do partido, Doria tem alguns trunfos importantes para bater o rival gaúcho nas prévias, segundo aponta o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. “O fato do Dória ser o pai da vacina e de São Paulo apresentar um crescimento econômico acima da média do Brasil e dos outros estados (projeção de 8% para 2021, o dobro da expectativa do País) o coloca naturalmente como a figura a unificar o PSDB em torno de um projeto presidencial. Agora, o Doria acabou gerando dentro do próprio partido uma insatisfação com o seu estilo, que muitas vezes passou por cima de lideranças estabelecidas, especialmente o Geraldo Alckmin, que foi quem, de fato, apoiou a sua candidatura em 2016”, lembra.

Na avaliação de Prando, o mau desempenho de Alckmin nas urnas em 2018 foi apenas a ponta de um processo de desgaste. “As pessoas querem jogar no colo do Geraldo Alckmin essa derrocada, mas ela vem de antes, quando por exemplo tanto o próprio Alckmin quanto o Serra, em vez de assumirem de fato o legado do Fernando Henrique, o controle da inflação e a estabilidade econômica, esconderam o FHC de suas campanhas, e isso acabou alimentando a narrativa da ‘herança maldita’ que o lulismo direcionou aos anos de governo tucano”, pontua.

Na tentativa de se reconstruir e superar a “crise de identidade”, como chama Prando, o PSDB encara o desafio de escolher entre um nome que reúne mais projeção nacional, mas também maior rejeição interna, e outro que traz novos elementos para o debate. “O Eduardo Leite se coloca em uma posição mais progressista. Ao, por exemplo, assumir que é gay, ele se distancia de um conservadorismo que pode se alinhar ao eleitor arrependido do Bolsonaro. Ele fez um trabalho exemplar de saneamento das contas públicas no seu estado. Apesar disso, ainda é considerado, para os padrões históricos e culturais brasileiros, muito jovem para uma disputa presidencial (tem 36 anos)”, argumenta o cientista político.

As prévias do PSDB estão marcadas para o dia 21 de novembro. Um eventual segundo turno acontece uma semana depois, no dia 28.