Lideranças de motim da PM se movimentam para disputar eleições em Fortaleza

Embora neguem que a paralisação tenha tido motivações políticas, a aproximação do pleito evidencia pretensões eleitorais. Internamente, são contabilizadas cerca de 30 pré-candidaturas de agentes à Câmara Municipal

Escrito por Alessandra Castro ,
Legenda: Paralisação de policiais e bombeiros militares durou 13 dias, entre 18 de fevereiro e 1º de março deste ano
Foto: José Leomar

Após quatro meses do fim da paralisação de uma parcela de policiais militares (PM) no Ceará, começam a ficar mais evidentes as pretensões políticas de lideranças do movimento, que se articulam em busca de ocupar uma cadeira no Legislativo Municipal de Fortaleza. Alguns atores envolvidos nos atos apontam que, até o momento, há cerca de 30 pré-candidaturas de agentes da Segurança Pública sendo colocadas, inclusive de um policial preso. Apesar das críticas em relação aos interesses eleitorais que estariam por trás do que foi apontado como "amotinação em quartéis", eles negam que houve motivação político-partidária e ressaltam que o interesse no pleito visa melhorias à categoria e à sociedade civil.

Mesmo que, em comum, defendam o desejo em concorrer ao pleito, a quantidade de profissionais da Segurança interessados na disputa pela Câmara Municipal de Fortaleza também revela insatisfações internas em torno da fragmentação de pré-candidaturas da categoria. Tal fragmentação é apontada por analistas políticos como um reflexo da fragilidade das lideranças apresentadas como interlocutores dos agentes na paralisação.

Foram 13 dias de motim. Os atos, que iniciaram por insatisfações com proposta de melhoria salarial apresentada pelo Executivo Estadual, em 18 de fevereiro, seguiram com a ocupação de quartéis e só chegaram ao fim em 1º de março. Alguns dos envolvidos ainda respondem a procedimentos administrativo-disciplinares e ações penais militares. Para eles, os processos indicam "perseguição política".

Pré-candidato a vereador de Fortaleza, o agente da reserva da PM e ex-deputado federal Cabo Sabino (Avante), que participou da paralisação e está proibido de se aproximar de um quartel militar até setembro, devido a uma medida cautelar, sustenta que as reivindicações foram legítimas e que as pré-candidaturas expressam o interesse dos agentes em ajudar a categoria. Ele nega interesse político nos atos de fevereiro.

"Eu não preciso organizar paralisação nenhuma. Quando cheguei, a greve já tinha começado, as esposas já estavam lá. Eram pautas que nós já vínhamos discutindo desde 2018 com o governador (Camilo Santana). Hoje, nós não temos nenhum representante da PM na Câmara, e (a direção nacional do Avante) me cobrou esse papel", diz.

Pré-candidaturas

Sobre a quantidade de agentes interessados na disputa, ele diz que já conhece em torno de 30 pré-candidaturas - entre PMs, bombeiros militares e policiais civis. No entanto, o número ainda pode aumentar ou diminuir, já que as postulações só podem ser oficializadas nas convenções partidárias. Para Sabino, deveria haver mais unidade da tropa.

"Essa pulverização prejudica, porque às vezes os votos para eleger 30 podiam eleger cinco, e não elegem. Mas vivemos numa democracia e não podemos proibir ninguém de ser candidato", afirma.

A presidente da Associação das Esposas de Policiais do Ceará (Assepec), Nina Carvalho (Republicanos), uma das lideranças da paralisação na Capital, também demonstra insatisfação com a fragmentação de pré-candidaturas. Para ela, houve uma desorganização política dentro da PM e agora "está cada um por si".

"A gente passou uma fase tentando se organizar, passou um tempo dando certo, mas no meio do andar isso foi perdido. Está meio que cada um por si. Tem gente muito boa (se apresentando como pré-candidato), mas a falta de unidade atrapalha um projeto que é para a família militar", considera.

Nina, inclusive, ainda analisa a possibilidade de concorrer ao pleito. Ela, que já foi conselheira tutelar e candidata a deputada, revela que ainda não lançou pré-candidatura por não ter alianças firmadas. A presidente da Assepec pondera, ainda, que, por ser mulher, tem menos apoio do que homens da tropa menos engajados politicamente.

"As mulheres é quem mais me pedem, dizem que querem uma representante feminina. Mas estou analisando para ver se vale a pena, porque depende muito dos apoios, que a gente sabe que é preciso para ser eleito. E a gente que é mulher tem uma dificuldade enorme de aceitação quando disputa com um homem (da categoria), que tem até menos vivência que a gente. Alguns até querem fazer política denegrindo a imagem do outro, para tirar voto. E isso é ruim".

Outro que tem demonstrado interesse em disputar vaga no Legislativo de Fortaleza neste ano é o soldado Márcio Wescley, da PM, que está afastado da corporação e preso no 15º Batalhão da Polícia Militar, no Eusébio, por ter descumprido medidas impostas em prisão domiciliar.

A pré-candidatura, no entanto, ainda é incerta, já que a formalização irá depender da sua soltura até lá. "Na época, ele não tinha nenhum interesse (político). O interesse era ajudar a categoria. Aí várias pessoas da categoria incentivaram por conta do que ele vem sofrendo", diz a esposa de Wescley, Raquel Santiago.

Processos

Na Justiça, Cabo Sabino responde a duas ações: uma penal militar pelos supostos crimes de incitamento e aliciamento para motim ou revolta, motim, omissão de lealdade militar, publicação ou crítica indevida, e inobservância de lei; e outra na 13ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, por suposta fake news contra o governador. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) chegou a cobrar retratação nas redes sociais, que ele fez ao saber que a informação divulgada não era verdadeira.

Já Wescley responde a uma ação penal militar pela suposta prática de apologia de fato criminoso, por ter usado as redes sociais para conclamar militares a deflagarem movimentos e motim. Inicialmente, foi concedida a prisão preventiva domiciliar com o uso de tornozeleira eletrônica, mas no dia 12 de junho a medida foi revogada pelo descumprimento de medidas impostas. A defesa dele apresentou um habeas corpus em junho e aguarda julgamento pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

Na Controladoria Geral de Disciplina (CGD), os dois respondem a procedimentos administrativo-disciplinares e seguem afastados preventivamente. As informações dos processos foram repassadas pelo TJCE e pela CGD.

Regras

A advogada eleitoral Isabel Mota explica que, do ponto de vista da legislação eleitoral, as condutas vedadas aos militares são as mesmas que as aplicadas aos demais pretensos candidatos. No entanto, por serem oficiais armados de Estado designados a proteger a população, algumas especificidades são atribuídas pela Constituição para resguardar direitos civis e a democracia. Por isso, um policial ou bombeiro militar da ativa não pode exercer atividade partidária, tampouco fazer motim, paralisação ou greve.

Além disso, explica ela, um PM, por exemplo, só pode se filiar a um partido após ser escolhido em convenção como candidato. Depois disso, ele deve pedir afastamento a seu batalhão para disputar o pleito, caso contrário pode ser expulso. Caso não atenda aos critérios, pode ter o registro de candidatura indeferido pela Justiça Eleitoral.

Isabel Mota esclarece que o fato de um agente da Segurança Pública não poder exercer atividade partidária organizada não significa que não possa se expressar politicamente. "O militar pode se posicionar politicamente ou até dizer que quer disputar uma candidatura. Ele pode ser pré-candidato, que é o desejo de ser candidato, sem exercer uma atividade organizada em prol de um partido ou de uma liderança partidária. Isso é liberdade de expressão", pontua.

Após receber o afastamento da corporação para a disputa, o PM, por exemplo, pode exercer as funções de candidato normalmente, obedecendo aos prazos da Justiça Eleitoral. Após o pleito, caso não seja eleito, ele é obrigado a voltar para a ativa.

Lideranças frágeis impulsionam fragmentação

Analistas políticos avaliam que a fragilidade das lideranças do segmento apresentadas impulsiona a fragmentação de pré-candidaturas de militares ao Legislativo. Essa vulnerabilidade, inclusive, ficou mais evidenciada no motim, aponta o cientista político Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Naquela época, quando eles tomaram o quartel do Antônio Bezerra (em Fortaleza), havia políticos ligados a eles que nem estavam sabendo. Depois, alguns tentaram se colocar como interlocutores, faziam acordos com o Governo, aí quando chegavam lá no quartel não acatavam. Ali, a gente já percebe uma desorganização", avalia.

Além disso, o professor universitário salienta que, à época, cada batalhão tinha uma ou duas lideranças para representar os agentes. Agora, muitas delas querem disputar espaço político, mas, para ele, as que buscam se promover com essa pauta disputarão um mesmo eleitorado, que é parte da tropa, já que o motim foi "rechaçado" por uma boa parte da sociedade.

"Nós temos pesquisas que apontam que a maior parte da população não apoiou os motins, inclusive cobrando uma postura mais dura do governador. Utilizar os motins para se promover, de que foi um mártir, só agrada a uma parcela dos militares", argumenta.

O professor de pós-graduação em políticas públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Josênio Parente, acrescenta que fragmentação de nomes também demonstra uma fragilidade dos partidos, que não têm uma estruturação de pautas para discutir com a sociedade e buscam atores para "surfar" no tema do momento.

"Alguns partidos apresentam esses profissionais como se isso fosse resolver o problema da Segurança Pública, quando na realidade é um conjunto de políticas públicas que pode resolver", analisa.

Por conta da fragmentação e da falta de articulação profunda em torno das políticas públicas, o professor afirma que nem os representantes da categoria já eleitos para o Legislativo têm garantias de que serão reeleitos. "Eles vão disputar entre si", diz.

Candidaturas em articulação

Cabo Sabino

Ex-deputado federal e um dos líderes do movimento da categoria, ele se coloca como pré-candidato a vereador de Fortaleza pelo Avante em 2020.

Nina Carvalho

Presidente da Associação das Esposas de Policiais do Ceará, ela avalia lançar-se para a disputa, mas ainda não confirmou pré-candidatura a vereadora por não ter alianças firmadas.

Soldado Wescley

Está preso, mas, segundo a esposa, demonstra interesse em disputar vaga no Legislativo Municipal a partir de incentivos de colegas. Possível candidatura dependerá da sua situação.

Outros nomes

Há ainda outros agentes que se colocam como pré-candidatos e também nomes que, embora não sejam da corporação, estiveram no motim. É o caso de Adriano Bento, que está na lista de pré-candidatos do PSL.