Gerente da Pfizer confirma à CPI que Governo recusou pelo menos cinco ofertas de vacina
As cláusulas do contrato Pfizer, contestadas por apoiadores do governo, teriam sido o principal impeditivo para ser celebrado um acordo
O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, confirmou que o Governo Federal ignorou pelo menos cinco ofertas de doses da vacina feita pela farmacêutica em 2020. Dentre elas, a remessa de 70 milhões de imunizantes.
O CEO prestou depoimento a senadores na CPI da Covid-19 nesta quinta-feira (13).
As cláusulas do contrato Pfizer, contestadas por apoiadores do Governo, teriam sido o principal impeditivo para ser celebrado um acordo entre a empresa e a União para compra de imunizantes.
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O senador Jean Paul Prates (PT-RN), que perguntou sobre as ações do Governo diante do impasse contratual, criticou o Executivo por, segundo ele, não ter feito uma contraproposta à empresa e ter ido à imprensa reclamar das cláusulas propostas pela farmacêutica.
Negociações com o Brasil
Conforme Murillo, em agosto de 2020 foi feita a primeira oferta de vacinas ao governo brasileiro. Na proposta, o laboratório norte-americano sugeriu dois quantitativos disponíveis para o País: 30 milhões e 70 milhões de unidades do imunizante, que seriam entregues de forma parcelada até o fim de 2021, com previsão de chegada ao Brasil de 1,5 milhão de vacinas ainda em dezembro do ano passado.
Ambas propostas foram ignoradas pelo Governo, relatou Murillo.
Já em novembro de 2020 as negociações foram retomadas pela Pfizer, com mais duas propostas que, desta vez, ofertavam somente a opção de 70 milhões de doses e sem chance de entrega no mesmo ano. Mais uma vez o governo brasileiro não fechou o acordo.
"O governo não apresentou nenhuma alternativa. Não negociou as cláusulas. Ele foi pro jornal falar que as cláusulas eram 'leoninas' depois que foi pego sem comprar e sem conversar com a empresa. Que fique claro isso, porque isso é indício, no mínimo, de negligência - se não for de má-fé", declarou o senador Jean Paul Prates.
Neste ano, a Pfizer fez nova oferta ao governo em 15 de fevereiro. Só havia uma proposta na mesa, para a compra de 100 milhões de doses. Mais uma vez, a gestão Bolsonaro não fechou o acordo.
O Ministério da Saúde só firmou acordo com o laboratório em março passado, no qual adquiriu 100 milhões de doses, das quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e os 86 milhões restantes, no terceiro trimestre (julho, agosto e setembro).
Senadores do grupo majoritário da CPI e integrantes da equipe do relator Renan Calheiros (MDB-AL) avaliam que o depoimento foi importante e atesta inação por parte do governo Bolsonaro diante da pandemia.
Relembre o depoimento
Reuniões com o Governo
No depoimento, o gerente-geral da Pfizer confirmou que representantes da empresa mantiveram reuniões com o ex-secretário Fábio Wajngarten (Comunicação). No entanto, não soube confirmar se participaram pessoas de fora do governo, em especial o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República.
"Eu confirmo, mas não posso confirmar que outras pessoas estiveram presentes nessa reunião", disse, após ser questionado pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), se o filho do presidente estava presente.
Renan então afirmou que vai apresentar requerimento para convocar as duas representantes da empresa que participaram do encontro, para esclarecer essa questão.
Em depoimento, Murillo confirmou a conversa telefônica mencionada por Wajngarten e que envolveu o Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Murillo afirmou que telefonou ao ex-secretário ao ter conhecimento de um e-mail de Wajngarten para o CEO global da Pfizer, sobre um ofício da empresa que estava parado havia dois meses no governo. De acordo com ele, o secretário inicialmente se inteirou das tratativas e depois seguiu para o gabinete de Bolsonaro, que recebia Guedes. "O ministro Guedes perguntou o quantitativo ofertado. Ele indicou que o Brasil precisava mais quantidade, e eu respondi que nós vamos procurar oferecer maior quantitativo."
No dia anterior, Wajngarten havia trazido para a CPI a informação do telefonema. Em seu relato, afirmou que o presidente escreveu em um papel a palavra "Anvisa", indicando que seria necessário primeiro a autorização da agência de vigilância sanitária. E Guedes, segundo afirmou, teria dito "vacina é o caminho".
Condições "leoninas"
O gerente-geral da Pfizer também disse que as condições impostas para a venda de vacinas ao governo brasileiro não eram "leoninas", como descreveu o ex-ministro Eduardo Pazuello como justificativa para a demora na compra de doses. "Não estou de acordo com essa categorização de condições eram leoninas."
Murillo afirmou que as condições eram, em linhas gerais, as mesmas oferecidas para outros países, com pequenas variações por causa das peculiaridades de cada localidade.
As condições impostas pela empresa, que exigia imunidade por eventuais efeitos colaterais da vacina, queria garantias de pagamentos no exterior, entre outros pontos, foi apontada pelo governo brasileiro como obstáculo para a aquisição da imunização.
Carlos Bolsonaro
Mais à frente no depoimento, o gerente-geral da Pfizer confirmou a participação do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) em reunião para tratar da compra de vacinas.
Murillo disse que duas representantes do jurídico da empresa mantinham reunião no Palácio do Planalto com o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten e seus auxiliares, para esclarecer pontos relativos à aquisição da vacina e possíveis entraves.
Em determinado momento, após uma hora de reunião, aproximadamente, Wajngarten recebeu um telefonema e deixou a sala de reunião. Ao retornar, estava acompanhado de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, e do assessor internacional da Presidência, Filipe Martins.
Inicialmente, Murillo afirmara que não tinha conhecimento da participação do filho do presidente nas tratativas. No entanto, posteriormente, pediu para fazer um esclarecimento e acrescentou essa informação, que havia recebido de seus assessores.
A declaração reforça tese que está em construção pelo grupo de senadores majoritário da CPI, que avalia existir um "ministério paralelo" ao da Saúde que orienta e define as medidas que serão adotadas no combate à pandemia do coronavírus.
Nesta quinta, os senadores governistas da CPI da Covid recorreram novamente aos argumentos apresentados por Eduardo Pazuello para justificar a demora na assinatura do contrato. Afirmaram que as cláusulas eram impraticáveis e que o Brasil só adotou a legislação ao que a Pfizer exigia neste ano, ou seja, não poderia ter firmado trato no ano passado.
Além disso, os aliados de Bolsonaro também tentaram mostrar que a quantidade de doses que chegaria ao país no início deste ano seria baixa.
Bolsonaro e Renan Calheiros
Enquanto ocorria a sessão, Bolsonaro tentou colocar em prática outra estratégia para se contrapor à CPI.
Em visita a Alagoas, estado natal de Renan, Bolsonaro chamou o relator de vagabundo - como fez no do dia anterior senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) - e afirmou que a comissão comete crime ao investigá-lo.
Renan rebateu o presidente durante a sessão. Ele afirmou que a resposta às ofensas será o aprofundamento das investigações. Também criticou Wajngarten, afirmando que cometeu um "dos maiores desacatos a uma comissão parlamentar de inquérito da história do Congresso Nacional, em particular do Senado".
O relator da comissão afirmou que ficou claro o crime de falso testemunho. Renan concluiu afirmando que a fala do filho mais velho do presidente, que o chamou de "vagabundo", tinha a única missão de ofender e escrachar.
"Eu quero dizer a todos os pregadores que a minha resposta a esses ataques é esse número aqui, de vítimas da pandemia", disse, em referência, à placa com o número 428.256, que substitui a indicação de seu nome na mesa da comissão.
"Haja o que houver, intimidações todos os dias, não haverá problema. A melhor resposta é o aprofundamento da investigação", concluiu.