Deputados preparam debate que pode modificar regras da disputa eleitoral de 2022; entenda

A extinção das coligações proporcionais, vigente na eleição para vereador em 2020, valerá pela primeira vez para os deputados no ano que vem

Escrito por Felipe Azevedo ,
Plenário da Câmara dos Deputados
Legenda: Um grupo de discussão foi criado para formatar proposta de mudança no Código Eleitoral, que precisará passar pelo plenário da Câmara
Foto: Agência Câmara

As eleições gerais de 2022 ocorrerão sob a nova regra eleitoral que acabou com as chamadas coligações proporcionais e modificou o modo como foram eleitos os vereadores no ano passado. Com isso, deputados federais, que participarão do próximo pleito sob as novas condições, iniciam mais uma vez uma discussão sobre reforma política, já visando a disputa no ano que vem.  

Para a eleição majoritária de prefeitos, governadores, senadores e presidente da República, as regras não sofrem modificação. Ou seja, as coligações são permitidas. Para os demais cargos do Legislativo, contudo, há a possibilidade de retorno ao sistema anterior, no qual era permitida a junção de partidos em coligações e, com isso, candidatos que não eram necessariamente os mais votados garantiam vaga nos parlamentos.  

“Se um deputado ganhou eleição numa regra, ele passa a temer uma mudança de regra, esse é o principal problema”, avalia o advogado especialista em Direito Eleitoral e cientista político, Flávio Britto. 

Grupo de discussão 

Com a eleição de Arthur Lira (PP-AL) como presidente da Câmara, a discussão já movimenta os bastidores da política em Brasília. Um grupo de discussão composto por 15 parlamentares – nenhum cearense -, foi criado na Câmara ainda no dia 11 de fevereiro, a fim de propor alterações no Código Eleitoral.  

A futura reforma pretende limitar a ingerência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), evitando a criação de normas sem a previsão do Congresso. Lira já havia pontuado críticas ao Tribunal, ainda na condição de candidato. 

No último sábado (27), em live promovida pelo Grupo Prerrogativas, o presidente da Câmara voltou a defender uma reforma do Código Eleitoral brasileiro. Ele argumentou que é preciso ter um regramento único para julgamento eleitoral no País, uma vez que regras eleitorais regionais gerariam dificuldades e problemas. “Precisamos ter segurança jurídica nas eleições”, afirmou.

Deputado Arthur Lira
Legenda: “Precisamos ter segurança jurídica nas eleições”, defendeu Arthur Lira em "live" promovida pelo Grupo Prerrogativas no último sábado (27)
Foto: Reprodução/Agência Câmara

Em questão no debate, também estão o voto distrital (ou o “distritão”), distrital misto - novas modalidades para escolha de parlamentes. A discussão ainda prevê o possível fim da votação proporcional. A equipe tem 90 dias, prorrogáveis por mais 90, para elaborar estudos e apresentar uma proposta. 

Um ato de criação foi publicado no "Diário da Câmara dos Deputados", e diz que o colegiado é "destinado a avaliar e propor estratégias normativas com vistas ao aperfeiçoamento e sistematização da legislação eleitoral e processual eleitoral brasileira". 

Cautela na bancada cearense

Deputados federais cearenses avaliam que é preciso um amplo debate sobre o assunto. “Muitos deputados falam sobre o modelo do distritão, e outros querem voltar para o sistema anterior, que é das coligações. O distritão misto teria que ser mais discutido”, diz o deputado Eduardo Bismark (PDT), que é suplente na Mesa Diretora da Câmara. 

“A grande coisa é que tudo isso está no pano de fundo para poder decidir sobre como é que vai ficar a votação. O que estão querendo mudar? Alguns deputados estão assustados com o resultado das eleições municipais porque vereadores não conseguiram ser eleitos”, salienta ainda o parlamentar. 

Especialistas observam que o fim das coligações deixou de fora vereadores com longa experiência no Parlamento em 2020, e reforçam a pretensão de deputados a não se submeterem à disputa sem coligações proporcionais. Propostas neste sentido devem ser avaliadas nas comissões temáticas da Câmara. 

Para entender: como é o sistema atualmente? O que pode mudar?  

Como é hoje? 

Proporcional - As vagas são distribuídas com base em um cálculo que considera os votos dados aos candidatos - até mesmo aos não eleitos. Há apuração também dos votos na legenda. Ocupam os cargos os mais votados dentro de cada partido. Até o último pleito geral, eram consideradas as coligações proporcionais, extintas na última reforma eleitoral.

Possíveis mudanças 

Distrital (ou “distritão”) - No caso dos deputados federais, seriam eleitos, de maneira simples, os mais votados em cada estado, levando em conta a quantas vagas cada tem direito. Para os deputados estaduais e vereadores, é feita uma divisão por região. 

Distrital misto - Metade das cadeiras seria ocupada pelo mais votado em cada distrito – sendo estado ou cidade. Outra metade eleita no sistema proporcional: uma votação em lista fechada de candidatos, feita pelos próprios partidos - eleitores votam em uma lista de candidatos pré-definida, não em candidatos individuais, como ocorre hoje. 

Representatividade 

No atual sistema, é possível que candidatos com pouca votação - mas em um partido grande, consigam vaga frente aos concorrentes mais votados. A avaliação de especialistas é que, em um primeiro momento, o “distritão” seria de mais fácil entendimento para os eleitores.  

Para Flávio Britto, especialista em Direito Eleitoral,  “é justo que o eleitor tenha facilidade de entendimento”. O advogado diz ainda que é plausível que seja mais fácil identificar quais candidatos foram eleitos diretamente com os votos computados nas urnas. 

"O atual sistema fortalece o partido e as bandeiras partidárias. No sistema dos mais votados, como no distritão, ele faz aparentemente uma eleição mais justa para os deputados, mas não necessariamente a modalidade representa as bandeiras partidárias”, opina o deputado Eduardo Bismarck.  

O enfraquecimento da representatividade partidária é, de acordo com especialistas, um dos grandes entraves da discussão no Legislativo.

Para a socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Paula Vieira, hoje os deputados são uma “representação geral do Estado, e não apenas de pequenos distritos. Existem partidos pequenos que ganham mais com votos em concentração populacional e pelas pautas ideológicas”, destaca. 

Prazo para aprovação de uma reforma

Ainda antes de ser eleito presidente da Câmara, Arthur Lira havia sinalizado que pautaria uma reforma. “A gente não pode a cada eleição ter um modelo diferente de se fazer eleição. Tem coligação, não tem coligação, [...] é distritão não é distritão, é distrital misto”, disse em entrevista.  

Para que entrem em vigor já próximo pleito, as mudanças precisam ser aprovadas até outubro deste ano. 

Abre-se ainda uma possibilidade de atender à reivindicação de diversos partidos para alterar a cláusula de barreira, que ameaça diversas legendas na eleição de 2022. Sobre isso, Eduardo Bismarck avalia que “parece não haver interesse dos parlamentares em enrijecer as regras.” 

A cláusula de desempenho, aprovada em 2017, estabelece critérios para que partidos tenham acesso ao tempo de televisão e ao fundo partidário - o dinheiro público que é repassado às legendas. 

Plenário da Câmara dos Deputados
Legenda: Fim das coligações proporcionais e cláusula de barreira foram aprovados em setembro de 2017. Na Câmara, texto foi relatado pela deputada Shéridan (PSDB-RR)
Foto: Agência Câmara

Pauta travada 

Por que o assunto divide tantos parlamentares? Para Paula Vieira, “a maioria da votação dos deputados federais não é apenas em uma região do Estado. As grandes regiões acabam maximizando as chances de eleições desses deputados”.  

Ainda segundo a análise da especialista, “a outra justificativa é ideológica: existem partidos e deputados que não se concentram apenas nos territórios”.  

Assim, esses parlamentares mantêm mandatos baseados em um eleitorado mais pragmático - pautas como religião e defesa dos direitos das mulheres, por exemplo. “Isso é inerente dentro da cultura eleitoral brasileira”, completa.  

Sobre a possibilidade de um regime em que partidos apresentariam lista fechadas de candidatos, a pesquisadora avalia que “tende-se a eleger pessoas que já têm um caminho político, e que são escolhidos pelos diretórios. Os candidatos mais espontâneos, que nascem com uma grande força de opinião pública conjuntural, teriam mais dificuldades dentro da lista”, pontua.  

Nova discussão sobre mudanças

O deputado federal Danilo Forte (PSDB) foi favorável ao distritão ainda em 2015 - quando o modelo não foi aprovado -, mas hoje avalia ser “difícil, porque os grandes partidos não têm interesse nisso, agora eles estão começando a perceber a capacidade de se fortalecerem".

Ele considera que o modelo de voto proporcional tem mais adesão entre os partidos. "Acho que é difícil de viabilizar o distritão, apesar de ser mais representativo, acaba com o instituto partidário”, pontua.  

"Em tese, acho positiva a ideia do (modelo) distrital misto, porque seria a representação por regiões e a outra dessa forma como é hoje. Mas é preciso fazer uma análise mais apurada sobre o impacto dessas formas”, pondera, por sua vez, o deputado José Airton Cirilo (PT).  

“Acho que há uma quantidade exagerada de partidos sem representatividade; na verdade acaba se proliferando muitas candidaturas sem expressão. No momento, defendo o modelo atual", acrescenta o petista.  

Mesmo com a criação de um grupo de trabalho para tratar do novo Código Eleitoral na Câmara, o deputado Eduardo Bismarck acredita que deputados “não farão a reforma, e não é porque não quererem: dificilmente vão mexer numa coisa mais abrupta. Não se consegue chegar no consenso, nem uma maioria simples necessária”, diz. 

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