Deputados fazem rodízio de licenças para cumprir acordos com aliados

O segundo semestre legislativo do ano mal começou, mas parlamentares já abrem mão do exercício do mandato por, pelo menos, quatro meses. O troca-troca de cadeiras é resultado de compromissos políticos, alguns firmados desde a eleição

Escrito por Letícia Lima ,
Legenda: Para que suplentes sejam convocados, os afastamentos dos titulares dos cargos devem valer por, pelo menos, 120 dias
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

Mal terminou o primeiro semestre de mandato e deputados estaduais já estão se licenciando das atividades na Assembleia Legislativa para tratar de "interesse particular". Já no início deste semestre, pelo menos, quatro parlamentares decidiram se afastar temporariamente dos trabalhos - com licenças não remuneradas - e ceder o lugar aos suplentes. Na prática, porém, muitas vezes o troca-troca de cadeiras, que acontece à revelia do eleitor, ocorre apenas para atender interesses de aliados e cumprir acordos políticos.

Como mostrado pelo Diário do Nordeste em reportagem publicada no último domingo (28), um dos compromissos firmados na base de apoio do governador Camilo Santana (PT) - formada por 23 partidos - é que deputados eleitos na coligação formada por PP, PDT, PL, DEM e PRP no ano passado façam um "rodízio" para dar vez ao segundo suplente, Manoel Duca (PDT), que não conseguiu a reeleição.

Essa é uma estratégia do grupo governista para acomodar os aliados que não foram reeleitos em 2018. Lucílvio Girão (PP), primeiro suplente da coligação, foi o primeiro a assumir uma cadeira na Assembleia, ainda no início deste ano, no lugar do deputado Zezinho Albuquerque (PDT), que se licenciou do mandato para comandar a Secretaria das Cidades.

Duquinha, segundo suplente da coligação, assumiu pouco depois uma vaga de deputado, no lugar de Fernando Hugo (PP), que pediu licença médica de 150 dias. O afastamento do pepista para tratamento de saúde caiu como uma luva na base governista. Antes mesmo de Fernando Hugo reassumir o mandato na última quinta-feira (1º), quando a Casa Legislativa retomou as atividades em plenário após o recesso parlamentar, deputados alinhados ao Palácio da Abolição já haviam acertado quem tiraria a licença seguinte para a manutenção de Manoel Duca na Assembleia.

Negociação

Desta vez, o escolhido foi o deputado Bruno Pedrosa (PP). Ele diz que não houve orientação do Governo do Estado para se afastar do mandato. "É importante frisar que o nosso trabalho não se baseia aqui na Assembleia, 75% é fora. Vou buscar obras de interesse da população, buscar recuperação das estradas", pondera. No entanto, o parlamentar admite que, "algumas vezes", é preciso tomar "medidas" em prol do grupo político.

"Há, de fato, sempre um acordo entre a coligação para que os primeiros suplentes possam assumir, até porque a participação deles foi importante para eleger os demais deputados. Nós fazemos parte de um projeto que tem dado muitos frutos ao Estado. Quem faz parte desse projeto tem a plena consciência de que, algumas vezes, nós temos que tomar medidas para que o projeto seja cada vez mais consolidado".

Compromissos

Assim como Bruno Pedrosa, o deputado Leonardo Araújo (MDB) também vai se licenciar por 120 dias neste segundo semestre. O pedido de afastamento foi protocolado na Assembleia na última sexta-feira (2). No lugar do parlamentar emedebista, assume o primeiro suplente da coligação composta por MDB, PHS, Avante, Solidariedade, PSD, PSC, Podemos e PRB, Davi do Raimundão (MDB).

Ele é filho do ex-prefeito de Juazeiro do Norte, Raimundo Antônio de Macêdo, conhecido como Raimundão. A troca, segundo os próprios correligionários, é fruto de negociações com o ex-senador Eunício Oliveira, presidente do MDB no Ceará.

Questionado se o afastamento não desagrada aos seus eleitores, Leonardo Araújo disse que não. Ele argumenta que a licença servirá para que possa "cuidar" dos municípios onde é votado, principalmente, neste ano, que antecede as próximas eleições municipais. "Vou estar me ausentando da Assembleia Legislativa para fazer um trabalho mais próximo aos meus municípios, buscando melhorar o empenho e os investimentos federais e estaduais para o fim desse ano e ano que vem", justifica.

Oxigênio

Quem também resolveu pedir licença do mandato pelo mesmo período de 120 dias, para "cumprir o acordo partidário", é o deputado Bruno Gonçalves (Patriota). O primeiro suplente do partido, "Gordim Araújo", vai assumir a cadeira do titular no Legislativo. Bruno diz que a mudança é um "acordo de elegância".

"A pessoa vota em um deputado, mas você não se elege sozinho, você se elege com o voto de outros deputados, então é interessante que, no mandato de quatro anos, a gente disponibilize, pelo menos, quatro ou oito meses para os que ajudaram a lhe eleger. É um acordo de elegância".

Suplente, Toni Brito (Pros), por sua vez, está no exercício do mandato há um mês, no lugar do deputado Soldado Noélio (Pros). Ele defende ter "legitimidade" para assumir a cargo. "Eu represento a Segurança Pública. Hoje, sou uma voz da Polícia Civil e da sociedade. Acho muito digno do parlamentar que tem a titularidade do mandato e abre para que o suplente assuma. Não é um acordo que existe às escuras", diz ele, escrivão da Polícia Civil.

Para o presidente da Assembleia, José Sarto (PDT), a quantidade de deputados licenciados, neste ano, é "bem menor" que a média histórica da Assembleia. Eles faz questão de enfatizar que os parlamentares que tiram licença para "interesses particulares" não têm direito a salário.

Regras

"Se (um parlamentar) resolve tirar licença para interesse particular, o interesse é dele de dizer (o motivo). Mas, na licença para tratamento de interesse particular, o deputado sai (dos trabalhos da Casa) sem a remuneração e sem o uso da verba de desempenho parlamentar", frisa.

A licença para tratar de "interesse particular" pode ser solicitada por qualquer parlamentar. O requerimento é avaliado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, pelo plenário. Em geral, as licenças são aprovadas de forma simbólica, e comunicadas à presidência da Assembleia antes. Já os afastamentos para tratamento médico devem ser aprovados antes pela Comissão de Saúde.

Os deputados podem tirar licença, ainda, para desempenhar missão diplomática ou cultural, participar de cursos técnicos ou profissionais e para investidura em cargos no Estado. Os suplentes são convocados quando as licenças são de 120 dias ou mais. Se o tempo de afastamento for menor, os deputados titulares podem reassumir o mandato a qualquer momento.

Quem serão os suplentes na Assembleia?

Gordim Araújo
O suplente Elvilo Araújo, conhecido como “Gordim Araújo”, nasceu em Itapipoca e é comerciante. Ele teve 22.304 votos em 2018.

Davi do Raimundão 
David Ney Gonçalves, é filho do ex-prefeito de Juazeiro do Norte, Raimundão. O suplente somou 26.484 votos nas eleições do ano passado. 

Toni Brito 
Já em exercício, Francisco Antônio Brito é escrivão da Polícia Civil e especialista em Segurança Pública pela UFC. Ele obteve 12.458 votos. 

Lucílvio Girão 
Médico e representante de Maranguape, ele foi eleito deputado estadual quatro vezes, mas, com 42.955 votos, ficou apenas na suplência no último pleito.

Manoel Duca
Representante de Acaraú e servidor público, foi eleito deputado oito vezes, mas, assim como Lucílvio Girão, é suplente. Ele teve 42.437 votos. 

Como funciona o sistema de eleições proporcionais

Para se chegar ao resultado final da eleição para deputado estadual, por exemplo, aplicam-se os chamados quocientes eleitoral (QE) e partidário (QP). De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o quociente eleitoral é definido pela soma do número de votos válidos, dividida pelo número de cadeiras em disputa. 

Apenas partidos isolados e coligações que atingem o quociente eleitoral têm direito a alguma vaga. Ainda que indiretamente, portanto, suplentes contribuem para a eleição dos parlamentares titulares.

A partir daí, analisa-se o quociente partidário, que é o resultado do número de votos válidos obtidos, pelo partido isolado ou pela coligação, dividido pelo quociente eleitoral. O saldo da conta corresponde ao número de cadeiras a serem ocupadas. Em alguns casos, há, depois, um outro cálculo para a distribuiçãoda sobra de vagas.