Deputados dizem que não votarão reajuste enquanto houver motim

Com maioria de aliados do senador Cid Gomes, os plenários da Assembleia Legislativa e da Câmara Municipal tiveram sequência de discursos que trataram da crise e cobraram saída para ausência de diálogo nos últimos dias

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(Atualizado às 07:56, em 21 de Fevereiro de 2020)

O agravamento da crise na Segurança Pública no Ceará, com o episódio em que o senador licenciado Cid Gomes (PDT) foi baleado ao tentar intervir em motim dentro de um quartel em Sobral, alterou os ânimos na Assembleia Legislativa do Ceará, onde Cid tem maioria de aliados. Ontem, deputados defenderam não votar a proposta de reajuste no salário de policiais e bombeiros militares, em tramitação na Casa, até que a situação seja normalizada.

O líder no PDT na Assembleia, Guilherme Landim, defendeu que o governador Camilo Santana (PT) recolha a proposta e só reenvie o texto ao Legislativo quando a corporação cessar o motim, dizendo que se recusa a votar a “proposta debaixo de bala”. 


“Eu não voto nada nessa Casa enquanto a segurança da população não estiver assegurada. Não votaremos nem esse nem outro projeto pressionados por ninguém”, disse também o deputado Marcos Sobreira (PDT).

A proposta de reajuste começou a tramitar na última terça-feira (18) e o líder do Governo na Assembleia, Júlio César Filho (Cidadania), já havia exposto a previsão de que ela seja votada em plenário até o início de março.

Entre os discursos, foram recorrentes as críticas ao não cumprimento, por parte de policiais e bombeiros, do acordo entre líderes da categoria e o Governo do Estado; e o questionamento: “vamos dialogar com quem?”.

"A proposta protocolada na Assembleia não é a proposta inicial, ela foi negociada e acordada por esses representantes. O Governo vai dialogar com quem se esses foram desautorizados pela própria tropa? Primeiro têm que se organizar e acabar com esses atos terroristas para que algum diálogo possa ser aberto”, disse Júlio César Filho.

Legenda: Júlio César Filho e Soldado Noélio conversam durante sessão
Foto: Foto: José Leomar

O deputado Tin Gomes (PDT) propôs que Soldado Noelio (Pros) e Delegado Cavalcante (PSL), ambos ligados ao movimento dos policiais, identificassem nomes que possam dialogar com a Polícia Militar para abrir negociação. Além disso, disse para eles aconselharem a corporação a “dar um passo atrás” e desistir da paralisação.

O deputado Renato Roseno (Psol) tenta articular uma mediação junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Ceará, à Defensoria Pública e a representantes da Igreja. “O diálogo está bloqueado. É preciso um gesto concreto agora para desbloquear”, disse.

O deputado Salmito Filho (PDT) defendeu um acordo suprapartidário, liderado pelo Poder Legislativo, para retomar a paz no Estado. “Peço a união suprapartidária dos 46 deputados desta Casa para pedir oficialmente que todos os militares voltem às suas funções, garantindo a segurança do povo, para que as negociações sejam reabertas”, frisou o parlamentar.

O deputado Delegado Cavalcante, por sua vez, criticou o que chamou de tentativa de “marginalizar a Polícia”. “Se não querem mais diálogo com as associações (representantes da categoria), se elas perderam a credibilidade da tropa, vão para a Igreja, tem que ter um diálogo pra consertar isso, eles (a tropa) querem diálogo, eles não está lá confortáveis”, afirmou.

O deputado Soldado Noélio (Pros), um dos representantes da categoria, negou ter perdido a representatividade junto à tropa e pontuou que as paralisações no Ceará começaram como um movimento natural dos policiais. 

“Houve sim negociação, porém a categoria não aceitou os termos de acordo. O que está difícil de o Governo entender? (...) Não se encontra solução fazendo quebra de braço, que é o que o Governo está fazendo com a categoria”, afirmou. Ele pediu que o Poder Executivo encaminhe um representante “para ir lá e perguntar à categoria o que ela quer”.

Cid Gomes

O presidente da Assembleia Legislativa, José Sarto (PDT), abriu a sessão plenária repercutindo o agravamento da crise. Para o presidente, o senador Cid Gomes “foi vítima de um ato covarde”. Ele criticou ainda a paralisação dos policiais: “a população está observando quem está colocando seus interesses acima dos da população cearense”.

Histórico opositor do Governo Cid Gomes, Heitor Férrer pontuou que “em hipótese nenhuma defende greve de Polícia” e condenou os disparos, mas afirmou que “o tiro está suavizando o crime de Cid”. “O que o senador fez foi um ato tresloucado e criminoso”, considerou. 

CPI

A presidência da Assembleia anunciou ontem que já protocolou na Procuradoria da Casa o pedido de criação de uma CPI para investigar a arrecadação milionária das associações de policiais e bombeiros. Até o momento, 31 deputados assinaram o pedido. Não há prazo para ser anunciada a análise da Procuradoria. 

Ontem, o vice-presidente da Associação dos Praças do Estado do Ceará (Aspra-CE), sargento Wenderson Borges, esteve na Assembleia para dialogar com alguns deputados. Ele foi também oficializar a entrega da prestação de contas da associação e ressaltou o trabalho de “bem-estar social” voltado à categoria.

“Nós não temos preocupação nenhuma em relação a isso. O problema é que as associações estão sendo atacadas por todos, por parte da imprensa, da Assembleia, do Ministério Público, do Governo, do Judiciário e da tropa”, argumentou. Borges pontuou que as associações têm sido criticadas pela ausência nos movimentos da categoria. “Nenhum líder da categoria legitimado pelas associações ou mesmo com mandato eletivo impulsionou o movimento. Não temos culpa”, disse. 

Crise na segurança domina discussões na Câmara

A sessão de ontem da Câmara Municipal de Fortaleza também foi dominada pela crise na Segurança Pública. Vereadores subiram à tribuna em sequência para comentar a paralisação de alguns grupos de policiais militares e o episódio ocorrido em Sobral, na quarta-feira (19), que terminou com o senador licenciado Cid Gomes (PDT) baleado.

O vereador Sargento Reginauro (Sem Partido), que é ex-presidente da Associação dos Profissionais da Segurança (APS), cobrou punição a Cid por utilizar uma retroescavadeira para, segundo ele, tentar entrar no Batalhão de Sobral, criticando o que chamou de “fazer justiça com as próprias mãos”. Contudo, o vereador ressaltou que o responsável pelos disparos deve ser punido pelo ato.

Outros parlamentares tiveram falas contrárias à de Reginauro. Dr. Porto (PRTB) criticou a postura 

“corporativista” do parlamentar, além de defender Cid Gomes. “O ex-governador estava ali para mostrar que está a favor da população”, disse.

“Há uma triste tentativa de justificar o injustificável por parte do Sargento Reginauro”, contrapôs o líder do Governo na Casa, Ésio Feitosa (PDT). Vereadores apontaram intenções eleitoreiras por trás da movimentação de alguns grupos de policiais.

“Os homens que deveriam estar proporcionando segurança, estão ameaçando. (...) E eu não vejo outro motivo a não ser motivo eleitoreiro”, afirmou o presidente da Câmara, Antônio Henrique (PDT).

A vereadora Larissa Gaspar (PT) criticou intenções “eleitoreiras” na mobilização e disse ser “inadmissível esse processo de ‘milicianização’ da Polícia, essa instrumentalização de um poder que é delegado pelo Estado, para que esses profissionais façam a defesa da vida, e, ao contrário disso, eles estejam literalmente tocando o terror”.

Vereadores querem acompanhar CPI

O vereador Renan Colares (PDT) sugeriu ainda que a Câmara Municipal de Fortaleza acompanhe a tramitação de uma proposta de CPI que quer investigar a arrecadação milionária das associações de policiais e bombeiros na Assembleia Legislativa. O parlamentar pediu que, caso a CPI seja instalada, um vereador da Mesa Diretora do Legislativo Municipal acompanhe os trabalhos.

Deputados questionam interesses em atos

Alguns deputados questionaram se a mobilização de policiais militares, que fere a Constituição Federal, não estaria sendo movida por “interesses eleitoreiros”. A ideia foi defendida por Guilherme Landim, que acredita que as mobilizações foram “arquitetadas” para as vésperas do Carnaval com a intenção de “criar o caos”. Soldado Noélio defendeu os atos da categoria: “esse movimento começou naturalmente pela própria categoria”.