“As pessoas confundem gestão pública com a forma de fazer gestão privada”, diz presidente da Aprece
Júnior Castro ressalta crise econômica nos municípios, preocupação com a volta às aulas, altos preços de insumos na saúde e busca por vacinas
A pandemia da Covid-19 agravou a crise financeira dos municípios que têm reforçado a mobilização pela volta do Auxílio Emergencial e por recursos para a saúde. Como novas gestão iniciando, após as eleições de 2020, o novo presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece) e prefeito de Chorozinho, Júnior Castro (PDT), ressalta, em entrevista exclusiva ao Sistema Verdes Mares a preocupação com a volta às aulas, os custos dos insumos na saúde e a distribuição de vacinas.
Confira a entrevista:
O senhor foi eleito para um mandato de dois anos na Aprece, quais são as principais demandas dos municípios hoje?
Temos essa situação da pandemia que hoje é o foco principal. Uma das questões é o retorno das aulas presenciais. Há uma discussão de como se perdeu na pandemia... tivemos queda na aprendizagem. O governador Camilo Santana tem uma preocupação muito grande em relação a essa retomada das aulas. Nos municípios deve ocorrer de forma híbrida, como o Estado tá fazendo. Mas o que temos feito é pactuar individualmente. Cada escola está tendo sua autonomia, de ouvir os professores na sua unidade escolar…
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Em relação à saúde, muitos municípios do interior estão tendo dificuldade, até pela troca de gestão, de manter o pagamento de salário de servidores da Saúde…
Quando há uma troca de gestão, principalmente quando se dá entre situação e oposição, tem um retardado por conta do prazo para recebimento do balanço da gestão anterior. A gestão anterior tem até o fim do mês de janeiro pra entregar esse balanço e o gestor que está entrando só vai ter a informação real e legal com o balanço em mãos.
Por exemplo, o gestor anterior não pagou a folha de pagamento do mês de dezembro. Sei que não foi paga, mas não sei de forma legal porque o balanço ainda não foi entregue. Só o balanço me dá condição de saber. Isso não se dá só em relação à folha de pagamento, mas a fornecedores, assessorias e tudo mais.
É por meio do balanço que eu vou ter um raio-x da gestão sobre endividamento. Por isso que a gente vê, principalmente em janeiro, essa insegurança em relação a pagamentos, porque pode existir até a boa-fé do gestor de pagar, mas ele ainda não tem a legalidade.
As pessoas acabam confundindo a gestão pública com a forma de fazer gestão privada. No público, tem uma burocracia diferente e você responde. Temos que prestar contas aos órgãos de controle. Às vezes você é multado por um detalhe besta, quando agiu na melhor das intenções, prestando, inclusive, o serviço de qualidade, mas pelo que você pode ser penalizado.
Muito se fala sobre a situação precária das finanças dos municípios. Qual a realidade depois de quase um ano da pandemia?
A pandemia só agravou. Não só no Ceará, mas em todos os municípios do Brasil. Principalmente os pequenos e médios, que vivem de arrecadação de repasses federais e estaduais. Ao longo dos anos, a criação de novos programas e mudanças em transferências estaduais e federais foram gerando impacto na arrecadação porque os municípios foram ficando responsáveis pela execução daqueles programas.
Vou dar um exemplo: programa Saúde da Família. Quando ele foi criado, o financiamento do Governo Federal cobria toda a equipe do programa. Só que ele nunca teve reajuste. Até hoje, é o mesmo valor desde a criação.
O que há 20 anos cobria toda equipe, hoje mal consegue cobrir o pagamento do médico, que está lá e é obrigatório. A diferença é custeada pelo município.
E isso é uma luta que a gente tem há muitos anos e que acaba impactando diretamente nas finanças do município. A cada ano o salário aumenta, existem previsões legais de aumento de subsídio dos funcionários, tipo professores, médicos, enfermeiros, pisos (salariais) que são implementados. Mas não existe financiamento. E o que acontece? A obrigação se dá para os municípios.
Ao longo dos anos, isso foi achatando ainda mais a condição de financiamento dos municípios. Tem municípios hoje que não têm condição de fazer nem infraestrutura, vive de pagar folha, se não houver convênio a nível estadual e federal, ele não tem condição.
Por outro lado, a maioria das prefeituras cearenses mal recolhem impostos municipais. Como é que o senhor avalia essa situação?
A Lei de Responsabilidade Fiscal nos dá a obrigação de fazer essa cobrança, e o Tribunal de Contas fez isso, mostrando exatamente essa condição de arrecadação. A gente está muito aquém da nossa condição, mas há limitações também nas condições da população.
Vou dar um exemplo: meu município (Chorozinho) é pequeno e pobre. Lá, a gente faz cobrança de impostos municipais (IPTU, alvará, ISS). Mesmo implantando isso, chega uma hora que a gestão nota que está no limite. Desde 2017 que a gente tem estagnação de arrecadação (em Chorozinho). Isso quer dizer que os municípios pequenos sofrem muito, porque, por mais que eles atuem, os valores são pequenos para as necessidades existentes. Com a pandemia, piorou muito. O sistema de saúde como um todo já vem em situação difícil.
O que mudou em relação à pandemia?
Aumentou a quantidade de contratações, a compra de insumos... No início da pandemia, a máscara que todo mundo usa era R$ 7 uma caixa com 50 máscaras. Na crise, comprei do meu bolso, não tive coragem de fazer legalmente porque eu ia ser preso. Custou R$ 240 uma caixa. Quem tinha botou o preço que queria e você foi obrigado a comprar. Por exemplo, tiveram operações aqui sobre a compra de respiradores.
Os respiradores tinham um preço x, mas quando todo mundo foi atrás, quem tinha elevou o preço. O teste rápido, quando surgiu a gente comprava um de R$ 175. Depois, foi que caiu pra R$ 30. Isso tudo foi inesperado, não teve como se preparar. Essa pandemia gerou até uma ansiedade.
Alguns colegas prefeitos estão tentando encontrar diretamente nos laboratórios as vacinas. A gente sabe que isso não vai ser possível.
Existe um Plano Nacional (de vacinação), (comprar individualmente) não é possível. Não estou dizendo que eles fazem isso para se promover. Mas a ansiedade de tentar conseguir alguma forma de melhorar é tanta que eles vão (em busca dos laboratórios).
A distribuição de doses da vacina está dentro do que os municípios esperavam?
A gente tem sempre um diálogo muito bom com a Sesa, com o conselho dos secretários municipais e sempre está tendo essa conversa sobre o quantitativo. Por exemplo, está sendo estudada a possibilidade de Fortaleza receber um percentual maior.
Está sendo feito um estudo técnico para que a gente possa levar o conhecimento aos prefeitos e eles não achem que seja algo pessoal, que esteja querendo favorecer determinado município. Como são poucas vacinas, se a gente não tiver um amparo técnico, vai acabar havendo algum tipo de favorecimento.
Outro impacto da pandemia é a crise econômica. Alguns municípios estão tomando medidas individuais. A Aprece orienta isso de alguma forma?
Ainda está muito individual, até porque nós estamos no início de gestão para vários prefeitos. Ainda estão se debruçando em cima das informações. É muito temerário você ir propor algo dessa natureza sem ter a condição real. Porque é algo que você não pode contar, porque gera expectativa na população.
Se eu estou dizendo que vou fazer um programa em que vou lhe dar R$ 200, as pessoas já vão fazer fila, já vão comprar fiado.
Os prefeitos defendem a volta do auxílio emergencial?
Todos, isso aí é unânime, porque isso reflete diretamente na economia dos municípios. A gente teve uma queda de arrecadação e também tivemos queda de postos de trabalho. O auxílio emergencial serviu pra suprir. Melhorou muito em grande parte dos municípios.
O auxílio superou até o que já existia em termos de economia. Mas como a gente está nessas probabilidades de segunda onda, o receio é de que possa haver mais restrições e isso diretamente vai comprometer a forma de arrecadação.
Depois de a Assembleia renovar o decreto de calamidade para o Estado, os municípios farão o mesmo?
Isso vai ser feito de forma exatamente individual. Nem todos os municípios estão registrando a volta dos casos. E todos os decretos têm que ter fundamentação, tem que ter respaldo. Não posso mandar um decreto sem eu ter a sustentabilidade do que estou argumentando.
Pode ser que nas próximas semanas apareçam uns decretos municipais, então?
Com certeza. Tem que ter um amparo legal. Não é porque o estado decretou que os municípios também têm que fazer. No ano passado, naquela emergência, os municípios foram pegos de surpresa. Então muitos se anteciparam e decretaram pra se resguardar, até porque pelo decreto você consegue diminuir um pouco da burocracia que tem.
Agora, de forma diferente, a gente já vem fazendo esse trabalho de combate ao coronavírus. Existem municípios que já estão estabilizados, já conseguiram comprar os insumos, já conseguiram fazer essas estruturas pra poder receber a população e aí talvez nem tenha necessidade de renovar.