Calendário Oficial de Fortaleza tem mais datas comemorativas do que dias no ano; faça quiz

Vereadores propõem celebrações em acenos a apoiadores, mas, muitas vezes, datas pouco guardam as memórias da Cidade

Escrito por Alessandra Castro ,
Legenda: Para virar lei, toda data no Calendário Oficial precisa ser aprovada no plenário da Câmara
Foto: José Leomar

Você sabia que além dos feriados religiosos, como dia de São José (19 de março), São Pedro (29 de junho) e Nossa Senhora de Assunção (15 de agosto), Fortaleza tem várias outras datas comemorativas no Calendário de Eventos da Cidade? Ao todo, são 572 normas que instituem dias, semanas ou meses temáticos para homenagear categorias, religiões, culturas, torcidas, músicas, personalidades e outros segmentos - fazendo com que o Calendário Oficial da Capital tenha mais datas alusivas do que dias no ano. 

Apesar de boa parte das datas não ter previsão de ações por parte do poder público ou feriados, muitos dias comemorativos seguem sem ser conhecidos por uma parcela da população da Capital. Não há um calendário da Cidade mostrando, de fato, todas as 572 datas - seja no formato físico ou virtual -, o que dificulta o acesso às informações.

Do total, somente no dia 10 de dezembro do ano passado, quatro foram sancionadas. Para além das datas mais conhecidas, como a Data Magna de Fortaleza, quando é comemorado o aniversário da Cidade em 13 de abril, e feriados religiosos estabelecidos em todo o País, a capital cearense também tem celebrações curiosas. 

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Uma delas é a ‘Semana Cultural do Bode Ioiô’, celebrada anualmente na semana do aniversário de Fortaleza (13 de abril) com o objetivo apresentar um acervo literal e cultura sobre a história do Bode Ioiô - um famoso bode que viveu na Cidade no início do século XX e chegou a ser eleito vereador como forma de protesto.

A medida foi apresentada pelo ex-vereador Alípio Rodrigues em dezembro de 2009 e sancionada em fevereiro de 2010 pelo então prefeito em exercício Tin Gomes. 

Bode Ioiô
Legenda: ‘Semana Cultural do Bode Ioiô’ é comemorada anualmente em abril
Foto: Roberta Souza

Outra data presente no Calendário Oficial é o ‘Dia da Noite Gospel’, comemorado em 2 de outubro, que existe desde 2010, quando a lei foi sancionada pela ex-prefeita Luizianne Lins (PT) atendendo a uma proposta do ex-vereador Irmão Léo.

Na legislação que estabelece a comemoração, há a previsão de atividades para promoção da cultura, como palestras, apresentações teatrais e artísticas, debates, show com cantores ou bandas gospel, a serem realizadas pela Prefeitura. 

Além dessas menções, há também dias para homenagear torcedores de times de futebol, como o ‘Dia do Torcedor do Ceará’, celebrado em 2 de junho, e o ‘Dia da Nação Tricolor’ e o 'Dia do Torcedor do Fortaleza’, em 18 de outubro. As medidas estão em vigor desde 2011, 2013 e 2008, respectivamente. 

As datas no Calendário Oficial da Capital podem ser propostas por vereadores e pelo prefeito. Cada medida precisa ser aprovada pelos parlamentares para, depois, ir a sanção chefe do Executivo Municipal e, então, entrar em vigor após publicação no Diário Oficial do Município. 

Há casos, entretanto, em que as datas, mesmo aprovadas, não foram sancionadas. Quando isso ocorre, o parlamentar pode recorrer ao presidente da Câmara Municipal, que pode promulgar a celebração. Nestas situações, ela passa a valer a partir da publicação no Diário Oficial.

Acenos políticos 

Para o professor Francisco José Pinheiro, chefe do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Calendário da Cidade foi criado com o intuito de ser um instrumento utilizado para guardar memórias importantes da Capital.

Todavia, o historiador avalia que a inclusão de datas tem sido desgastada com o tempo, sendo aplicada muitas vezes apenas com viés político, para acenos a bases de vereadores. 

“Das 500 e tanta datas, talvez tenham dez que viraram momentos de reflexão sobre a Cidade, quando esse deveria ser o propósito da fixação do dia no Calendário. Porém, muitos (dias) não têm. Estão ali só para constar”, avalia, ao acrescentar que, em certas situações, o papel do Legislativo acaba banalizado. 

A socióloga Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da UFC, por sua vez, destaca que é intrínseco à função do vereador fazer sinalizações aos seus grupos de apoio.

Por isso, muitos parlamentares acabam utilizando o instrumento com esse fim, às vezes até para tentarem se consolidar como representantes de segmentos ou categorias. 

“O Calendário é mobilizador de um posicionamento político, de uma ideia, de apoios. É mais voltado para isso: quem vai falar em nome de uma categoria, em defesa de um evento histórico, de uma causa. São sinalizações. O legal é ver quem propôs a data. Essas dos torcedores do Fortaleza e do Ceará, por exemplo, provavelmente os vereadores que propuseram eram torcedores”, salienta. 

Atendendo a demandas 

Autor da proposta que institui o Dia do Avaliador Junino no Calendário da Capital, o vereador Márcio Martins (Pros) acredita que muitas das datas buscam chamar a atenção do poder público para temas que vêm sendo negligenciados ou que precisam de maior atenção.

A matéria foi aprovada no ano passado, mas ainda não foi sancionada pelo prefeito José Sarto (PDT). Diante disso, Martins diz que articula com o atual presidente do Legislativo Municipal, vereador Antônio Henrique (PDT), a promulgação da data.

Imagem: arquivo do Diário do Nordeste
Legenda: Dia do Avaliador Junino aguarda sanção para ser incluído no Calendário Oficial
Foto: Helene Santos

“Eu mesmo apresentei algumas datas que para algumas pessoas são estranhas, alheias, como é o caso do Dia do Avaliador Junino. Muita gente não sabia do que se tratava, mas existe uma cadeia de profissionais que estuda, que pesquisa e se dedica ao São João, que é uma das maiores manifestações culturais do País. Então, acredito que com essa data possa ter formalização da atividade, políticas públicas para os profissionais. Eu tenho essa preocupação”, sustenta. 

Para o também vereador Paulo Martins (PDT), as datas geralmente representam os segmentos e temas que os legisladores defendem. Assim como outros colegas, ele não conhece a maioria das datas do Calendário Oficial, mas não encara isso como um problema. “Se tem ajudado as pessoas, então é relevante para a sociedade”, justifica. 

O ex-vereador Ésio Feitosa (PSB), autor da lei que criou o Dia do Coach em Fortaleza, faz coro ao argumento de que é papel do parlamentar instituir datas para atender a demandas de grupos ou setores, que às vezes só querem ter uma maior visibilidade dentro do seu próprio nicho.

“O Dia do Coach foi uma demanda que chegou a mim através de um grupo considerável de pessoas que se identificam com a atividade. E eu considerei que era importante. Nossa Cidade é plural, imensa, com vários grupos e personalidades que merecem um reconhecimento”, afirma. 

O ex-vereador Dr. Porto (PDT), autor da lei que criou o Dia do Damista na Capital, concorda com Ésio. Para o ex-parlamentar, a data comemorativa é uma forma de dar mais visibilidade a um esporte que ainda tem pouco destaque no Estado.

“O Dia do Damista foi requerido pela Associação dos Damistas do Ceará. Existe faculdade de damas na União Soviética, lá é levado muito a sério. É um jogo em que, assim como o xadrez, você desenvolve a concentração, imaginação, estratégia. A gente tem que estimular esse tipo de esporte, que é intelectual”, ressaltou. 

Histórico 

O Calendário Oficial de Fortaleza traz datas comemorativas estabelecidas desde meados do século XX até a atualidade. A inclusão mais recente foi sancionada pelo prefeito José Sarto em 13 de janeiro deste ano.

A lei institui o Dia Municipal da Boa Ação, que passa a ser comemorado anualmente em 11 de agosto. A celebração foi proposta pelo vereador Jorge Pinheiro (PSDB) em 2019 para promover e incentivar a empatia, compaixão e ação para os que sofrem ou pedem ajuda.

Antes dela, em 28 de dezembro de 2020, foi incluída no Calendário a ‘Semana Municipal de Prevenção e Redução de Desastres’, que ocorrerá no início do mês de outubro e tem como objetivo promover ações educativas para conscientizar as pessoas sobre os cuidados com o município. A medida foi proposta pelo ex-vereador Evaldo Lima (PCdoB) e sancionada pelo ex-prefeito Roberto Cláudio (PDT). 

O primeiro ato no Calendário Oficial ocorreu na década de 1940, já que durante o período do Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, as câmaras municipais foram extintas e só voltaram a funcionar em 1945.

Em 1949, o então vereador Edival de Melo Távora propôs a fixação de feriados católicos na cidade, tendo em vista a influência do catolicismo nos hábitos e cultura da população. A medida foi promulgada pela Casa Legislativa e é válida até hoje.

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