“Seu” Chico e sua sucata
Cada bairro de Fortaleza, se atentarmos bem, possui algum ponto que com ele se identifica, pela sua história, pela vivência dos seus habitantes. No Jacarecanga, por exemplo, a Sucata Chico Alves era referência havia 55 anos. Comercializava materiais usados de toda natureza: peças para automóveis, caixas d’água, aparelhos sanitários, telhas de amianto, materiais hidráulicos e elétricos, até pisos antigos para residências, cujas peças não são mais encontradas nos depósitos de material de construção.
O incêndio, iniciado no final da noite da véspera de Natal, atravessou toda a madrugada e manhã do dia 25, propagando-se rapidamente com a força dos ventos, atingindo inclusive várias residências vizinhas. O desespero dos moradores foi comovente, ao passo que os bombeiros trabalharam com afinco para debelar, depois de alguns dias, os últimos focos que teimavam em arder. No dia 25, passando ali por acaso, fui surpreendido pela situação, que até então ignorava: a paisagem era de terra arrasada.
A maior parte do prédio da sucata, uma estrutura de três andares, fora transformada num amontoado de cinzas, de destroços, como se uma bomba tivesse ali caído e causado tamanha destruição. Nas casas vizinhas, bem como nas árvores dos arredores, muita devastação. Pessoas se achavam fora de suas casas e não podiam retornar, enquanto não fossem liberadas pelos soldados do fogo. Era possível ver-se também os poucos móveis que os proprietários das residências chegaram a colocar na avenida José Jatahy, ali ao lado, para livrá-los do incêndio. Quatro pessoas ficaram feridas. Felizmente, todas se salvaram.
Posso imaginar o momento difícil que agora vive o sr. Francisco Alves de Oliveira, o Chico Alves, paraibano de Catolé do Rocha, que fundou aquele estabelecimento em 1970 e foi surpreendido pelo triste acontecimento. Aos 84 anos, o local era sua razão de viver. E, afinal de contas, a Sucata Chico Alves era conhecida não apenas nos arredores do Jacarecanga, mas por toda a capital cearense. Uma vez, há muitos anos, este que vos escreve, caro(a) leitor(a), recorreu aos serviços da velha sucata.
Precisando recuperar um antigo piso da casa onde morava, que fora quebrado para o conserto de uma instalação hidráulica, foi lá que encontrei as peças antigas de cerâmica exatamente iguais às danificadas, propiciando assim a plena recuperação do piso. E, assim como eu, muitas outras pessoas foram atendidas por “seu” Chico ao longo de todo este tempo. Para ele, o trabalho de uma vida dedicada a ajudar tanta gente virou pó. A tristeza que o abate me comoveu. Que Deus o conforte e fortaleça! A ele, minha solidariedade.
Gilson Barbosa é jornalista