Ano Novo, Velhas Conversas
No dia 31 de dezembro, o relógio não marca apenas a passagem do tempo. Ele denuncia. Denuncia que muita promessa nasce morta, que muito abraço é apenas coreografia social e que beijo, ah, beijo… há os que já vêm com data de traição embutida. É o réveillon da hipocrisia cordial, essa instituição nacional que não precisa de CNPJ.
À meia-noite, todo mundo vira especialista em si mesmo. O sujeito que passou o ano inteiro sendo bruto, agressivo, dono da razão e do grito fácil, agora jura — com a mesma boca que xingou — que vai mudar. Promete ser outro homem, mais calmo, mais humano. Mas curiosamente essa conversão só acontece diante do espelho ou da plateia. Em casa, na intimidade da fraqueza feminina e dos filhos indefesos, o velho personagem segue em cartaz, com sessões diárias e violência sem intervalo.
Há também os profissionais do adiamento. Esses são artistas refinados. Dizem que o ano não começa agora. Começa depois do Carnaval — que em 2026 será entre 16 e 18 de fevereiro, anotem. Ou melhor: depois da Quaresma, porque ninguém muda nada em tempo de sacrifício. Aí vem a Páscoa, que cai em 5 de abril, e a coisa fica delicada. Talvez seja melhor esperar o Dia das Mães. Mãe inspira mudança. Mas logo depois tem São João, e ninguém larga o milho cozido por causa de promessa. O ano vai escorrendo pelo calendário como cerveja quente no copo de plástico.
No Dia dos Namorados, juras inflamadas. Casamentos prometidos com a convicção de quem sabe que não vai cumprir. Alianças que nunca chegam, vidas que nunca se encontram. É o amor parcelado em doze vezes sem intenção de pagamento.
Enquanto isso, engordamos. Prometemos caminhar. Caminhamos só até a geladeira. Prometemos dieta, academia, espiritualidade, bondade, paciência, menos tela e mais gente. Tudo muito bonito, tudo muito verbal. Porque promessa, no Brasil, não é compromisso: é retórica.
E assim vamos empurrando a vida com a barriga — que cresce — e com a consciência — que encolhe. De virada em virada, repetindo o mesmo discurso, como reprise mal editada de nós mesmos. No fundo, sabemos: não é o ano que muda. Somos nós que fingimos.
Mas não sejamos radicais. Sempre existe esperança. Se não der em 2025, a gente tenta em 2026. E, se falhar de novo, deixamos para 2027. Afinal, promessa não tem prazo de validade. Só memória curta.
Feliz Ano Novo. Ou pelo menos… mais um.
Gregório José é jornalista