90 anos da Defensoria Cearense
A Constituição Federal de 1934 determinou expressamente que União e Estados criassem órgãos especiais de assistência judiciária, com isenção de emolumentos, custas, taxas e selos. Em 10 de maio de 1935, o Ceará editou o Decreto nº 1.560 instituindo o serviço público de garantia de acesso à Justiça a quem não podia pagar advogado nem as despesas do processo: era o marco de criação da atual Defensoria Pública.
Decreto ousado e sem precedentes, traçou um órgão “distinto do Ministério Público”, com atuação “sem dependência” da magistratura, retirando atribuições da Procuradoria do Estado. O Ceará fez uma escolha inédita: tirou a assistência do terreno da caridade, da dependência pro bono e de obrigações corporativas não remuneradas; evitou arranjos que poderia gerar colisão com a defesa dos necessitados, não deixando nas mãos do órgão acusador (Ministério Público) nem da advocacia do Estado (Procuradoria); oficializou o modelo com profissionais remunerados (salaried staff), chefia específica com Procurador Superior – inclusive com exercício e assento na Corte Estadual– e membros atuando na capital e interior.
O Estatuto Primevo da Defensoria Pública do Ceará já assegurava várias medidas vanguardistas só reconhecidas muitas décadas depois: poder de requisição de certidões e informações; estímulo à conciliação; legitimidade para medidas urgentes como habeas corpus e mandado de segurança; reconhecimento expresso de vulnerabilidades para além da pobreza estrita, ao tratar de curadorias e da defesa de revéis, técnica histórica de proteção de quem, por ausência ou fragilidade, ficava sem defesa no processo.
A inovadora normativa cearense previa não apenas garantias funcionais, como férias nas mesmas condições da magistratura ou equivalências remuneratórias com promotores, mas também fixava deveres e controles, como a exigência de titulação em direito, previsão de concurso, vedação de advogar em causas do ofício e necessidade de accountability.
Não se tire o brilho e o mérito da celebração dos 70 anos da Defensoria do Rio de Janeiro, com marco inaugural fixado em 1954 com a criação dos cargos de defensor público, chefia institucional do Procurador-Geral de Justiça e, depois, ligada à Secretaria de Justiça, sendo, até 1987, denominada Assistência Judiciária. Mas, no Ceará, duas décadas antes, já apontava o essencial: independência na atuação, órgão e chefia própria, atribuição exclusiva aos necessitados e interiorização.
O desafio atual, superados 2 milhões de atuações só no ano de 2025, é dar seguimento ao pioneirismo com autonomia, orçamento, tecnologia e atuação que democratize mais e mais o acesso à Justiça em todo o Ceará. Por isso, falar em “90 anos da Defensoria no Ceará” é reconhecer uma história ininterrupta de assistência jurídica pública desde 1935.
Jorge Bheron Rocha é defensor público