Quem não conhece Anne Frank? A garota judia ficou mundialmente famosa depois de conquistar leitores de todas as idades com o seu diário, escrito entre 1942 e 1944, quando a perseguição antissemita na Europa ocupada chegava ao clímax.
Publicado em 1947, “O diário de Anne Frank” é o retrato comovente de uma família em busca de salvação. Durante dois anos, Anne, os pais e a irmã viveram no anexo secreto de um prédio comercial no centro de Amsterdam. Aos Frank se juntaram os van Pels, o filho do casal e o dentista Fritz Pfeffer – todos eles transformados em perfeitos personagens sob a pena espirituosa, e igualmente impiedosa, da jovem diarista.
A escrita do diário não se reduzia a mais uma dentre as várias atividades de que Anne se ocupava para contornar as longas horas de ócio no dia a dia do anexo. Se não estava estudando francês, fazendo ginástica ou ouvindo rádio, ela escrevia cartas e mais cartas para Kitty, a interlocutora e amiga fictícia com quem compartilhava sua vida íntima e, mais do que isso, seus exercícios de estilo – Anne ambicionava a carreira de escritora.
No livro “Anne Frank: a história do Diário que comoveu o mundo”, a romancista e crítica literária norte-americana Francine Prose chama a atenção para o trabalho autoral e criativo de Anne na composição do “Diário”. “Qualquer pessoa que algum dia tenha tentado escrever de maneira autobiográfica saberá como é difícil fazê-lo sem parecer afetado, forçado e falso”, diz a autora. E complementa: “Somente um escritor natural poderia soar não como se estivesse escrevendo, e sim ‘pensando’ na página.”
É pena a garota não poder ter acompanhado o sucesso de seu diário. Deportada para o campo de Bergen-Belsen, na Alemanha, junto com a mãe e a irmã, Anne viveu seus últimos dias longe de Kitty e de seu futuro promissor na literatura.
Hoje, impressiona a sobrevida do “Diário”, prova incontestável de uma vocação literária, uma força que projetou filmes, documentários, peças e uma extensa bibliografia. Relendo-o nos últimos dias, me dei conta de sua importância formativa, quando, mais de uma década atrás, conheci Anne Frank, uma dessas amigas que temos para sempre.
Sávio Alencar
Editor e pesquisador de literatura