Monitoramento do PIX: o que mudou e como isso afeta você?
As recentes notícias sobre a “tributação do PIX” têm causado desconforto ou medo em parcela da população, mas será que há motivos para tanto? As informações que têm circulado em mídias sociais demonstram claros equívocos.
As inconsistências foram tantas que, na tarde de ontem, a imprensa noticiou decisão do Governo Federal de revogar a norma que regulamentava a matéria desde o final do ano de 2024, qual seja, a Instrução Normativa 2219/2024. É importante fazer alguns esclarecimentos como forma de contribuir com o debate e esclarecer o que de fato impacta a vida da população, com ou sem as recentes alterações.
Novidades ultrapassadas e ideias que não correspondem aos fatos
Diferentemente do que vinha sendo noticiado e discutido, esse assunto é velho e não há novidade alguma! As informações bancárias de todos os contribuintes já eram monitoradas mensalmente pela Receita Federal desde 2008, quando foi instituída a DIMOF (Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira), criada pela IN 811/2008 e alterada nos anos seguintes.
Naquela época – e considerando as peculiaridades daquele momento histórico –, as informações eram prestadas apenas pelos bancos, cooperativas de crédito e associações de poupança e empréstimo. Tais entidades estavam obrigadas a informar à Receita Federal o montante de movimentações financeiras de cada contribuinte, nos valores de R$ 5.000,00 para as Pessoas Físicas e R$ 10.000,00 para as Pessoas Jurídicas. Note-se que os contribuintes que movimentavam contas bancárias já eram monitorados e podiam ser plenamente fiscalizados.
Alguns menos avisados têm alegado “quebra de sigilo bancário”, mas esse assunto também é velho e ultrapassado, pois a Lei Complementar 105/2001 (ainda mais antiga) já autorizava o Poder Executivo a examinar registros de instituições financeiras, desde que fosse instaurado – como continua sendo – procedimento fiscal onde o exame dessas informações seja relevante.
Sobre esse ponto, o STF decidiu em 2016 que a citada lei “não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária”, conforme tese definida pelo tribunal na análise do Tema 225.
De onde surgiu o alarde do PIX?
Depois de 2008, o mundo mudou. Fez-se necessário, ao longo do tempo, atualizar a legislação, para obrigar outras instituições financeiras a prestarem informações ao Fisco sobre movimentações. Veja a linha do tempo nos anos seguintes:
- Em 2008, houve a primeira regulamentação, vinculando os bancos (IN 811/2008).
- Em 2010, as operações com câmbio também passaram a ser monitoradas (IN 1092/2010), com informações idênticas às prestadas pelos bancos.
- Em 2015, criou-se a “e-FINANCEIRA” (IN 1571/2015), declaração que passou alcançar outras instituições importantes, como empresas de previdência complementar e que operavam fundos de aposentadoria, operações de consórcios e de seguros. Naquela época, os limites eram de R$ 2.000,00 (pessoas físicas) e R$ 6.000,00 (pessoas jurídicas) e todos os contribuintes já eram igualmente monitorados com o cruzamento de dados, inclusive nos anos seguintes.
- Em 2024, através das mudanças trazidas pela questionada IN 2219/2024, foram regulamentadas empresas mais modernas, como as instituições de pagamento que gerenciam contas em moeda eletrônica (bancos virtuais), as que credenciam a aceitação de instrumento de pagamento e os participantes do arranjo de pagamento (intermediadoras, lojas virtuais, dentre outros). Além disso, os valores anteriores – que estavam em valores bem menores – foram atualizados, de forma que passaram a ser informadas as movimentações globais superiores a R$ 5.000,00 (pessoas físicas) e R$ 15.000,00 (pessoas jurídicas).
E onde está o erro? Em lugar nenhum, pois o monitoramento sempre existiu e fora regulamentado desde 2008, sem nenhum tipo de alarde.
Em relação ao PIX, ele sequer foi citado na recente regulamentação. Trata-se de movimentação bancária comum, decorrente de recebimento de pagamentos, que gera crédito ao recebedor dos recursos. Tanto quanto os demais créditos, o PIX é monitorado desde sua criação, ocorrida em 2020. Tudo isso já vinha sendo informado ao Fisco, aliás, até em valores menores (R$ 2.000,00 para as físicas e R$ 6.000,00 para jurídicas).
E o que muda na prática?
Para o contribuinte, não muda nada! Apenas algumas outras instituições financeiras passariam a informar esses dados adicionalmente aos bancos, mas a movimentação bancária de cada um sempre foi plenamente auditável pelo Fisco. O procedimento existe desde 2001, quando foi regulamentada a possibilidade da administração tributária solicitar os dados bancários diretamente aos próprios contribuintes e, em caso de negativa, requisitar aos bancos e instituições financeiras toda a movimentação consolidada.
Assim, as notícias sobre a “tributação do PIX” são equivocadas e sem fundamento fático ou teórico. Se as medidas implementadas recentemente (em 2024) não tivessem ocorrido, as pessoas físicas continuariam tendo suas transações mensais com PIX informadas em montante bem menor (R$ 2.000,00 no modelo anterior), idem quanto ao cruzamento de dados das pessoas jurídicas (R$ 6.000,00 anteriormente).
Com a revogação da última regulamentação, certamente o Fisco poderá manter as regras existentes há mais tempo. Ao revogar o atual texto da IN 2219/2024, poderá republicar o mesmo conteúdo da norma anterior, datada de 2015 (IN 1571/2015). Com regulamentação idêntica ao que já existia, as pessoas físicas continuariam monitoradas – do mesmo jeito que já eram – em movimentações bancárias superiores a R$ 2.000,00 e as pessoas jurídicas em montantes maiores que R$ 6.000,00.
Nada muda! Os efeitos são até piores para quem critica a medida atual, pois o cruzamento de dados alcançaria movimentações em valores bem menores ao que fora tratado no último ano. O assunto ainda irá evoluir, contudo, ideias que não correspondem aos fatos podem representar o avesso do que a crítica pretendeu combater.
Quanto aos eventuais temores e desconfortos manifestados pelos que desejam parar de operar com PIX ou deixar de ter contas bancárias, faz parte de suas escolhas, conscientes ou não. Questões fiscais dependem de organização e método, enfim, de opções e caminhos. O fenômeno tributário existe e vai continuar sendo fiscalizado, independentemente do que se pretenda esconder. Simular algo que não existe tem suas normais repercussões e, no mundo moderno, tentar evitar o cruzamento de dados vai exigir do interessado o esforço não recomendável de operar de forma invisível.
Por isso mesmo, conhecer a necessidade do Direito Tributário é mais importante que fechar os olhos à realidade. Do pequeno ao grande contribuinte, os recentes fatos não mudam em nada a potencial fiscalização pelos agentes tributários. Planejar é melhor!