Sargento Hermínio deixa passado industrial e vira polo de serviços, com história viva de Chico Alves
A Avenida Sargento Hermínio, antes conhecida por abrigar indústrias de aço e confecção, passa por uma transformação no perfil de seus moradores e nos tipos de comércio. Atualmente, a via concentra-se no desenvolvimento do setor de serviços.
A avenida, com cerca de 5 km de extensão, é visivelmente dividida em dois trechos: o duplicado, que fica entre as avenidas José Jatahy e Governador Parsifal Barroso, com aproximadamente 2,5 km; e o restante, de pista simples e trânsito intenso, que se estende até a Rua José Acioly.
Amplamente discutida, a segunda fase das obras de reforma e duplicação da avenida foi entregue no ano passado, após 20 anos de espera. Durante esse período, somado ao processo de fechamento de comércios na pandemia, muitos pequenos estabelecimentos encerraram as atividades.
Porém, quem permaneceu se diz satisfeito com o resultado da requalificação local. Esse é o caso de Emílio Cavalcante, gerente da Autoshopping JM. Por estar localizada na parte duplicada recentemente, ele acredita que a loja foi impactada positivamente pelo aumento do fluxo de transeuntes e potenciais clientes.
Ele lembra que o comércio está instalado no local há 29 anos e que, "desde sempre", se discutia a duplicação. "Muito se falava. Perdemos a calçada estendida, onde podíamos colocar mais carros em exposição, e ficamos um tempo com um buraco aqui na frente, sem acesso", recorda.
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Emílio comenta que, durante a obra, o comércio teve uma queda de cerca de 60% nas vendas, e que outros segmentos foram ainda mais afetados. Para ele, por conta disso, muitos empreendimentos acabaram fechando. Contudo, quem se manteve e conseguiu preservar os pontos de parada para os clientes está vendo o fluxo retornar.
"O ponto forte da Sargento Hermínio, se comparadas a outras avenidas da região, são os estacionamentos para os clientes".
Ele usa como exemplo a avenida Bezerra de Menezes, onde, na sua opinião, "a duplicação da via destruiu ela comercialmente".
"Não existe mais nada na Bezerra, por causa do fluxo de carros que é muito rápido e não tem estacionamento. Então, a Sargento Hermínio ganhou muito nesse sentido e pode ter ainda mais comércios, principalmente para as classes C, D e E (com menor poder aquisitivo)", compara.
Para o gerente comercial, a via é atrativa e competitiva em relação aos preços de aluguéis, mas outros negócios de serviços, por exemplo, ainda não identificaram esse potencial.
"A avenida tem um fluxo bom de carros, de pessoas. É conhecida, corta boa parte da zona norte da cidade e acaba sendo alternativa para outras vias grandes, então, é um atrativo essa parte", reforça.
Este conteúdo integra uma série de reportagens sobre as transformações econômicas das principais avenidas de Fortaleza. Antes da Sargento Hermínio, foram publicadas reportagens sobre as Avenidas Augusto dos Anjos, Barão de Studart, Bezerra de Menezes, Godofredo Maciel, Gomes de Matos e Monsenhor Tabosa.
Sucata do Chico Alves: um marco na Avenida Sargento Hermínio
Chico Alves, natural de Catolé do Rocha, na Paraíba, trabalha há 55 dos seus 84 anos de vida no mesmo ponto comercial da Avenida Sargento Hermínio. Sua loja, reconhecida por muitos, foi erguida em um terreno alagadiço que precisou ser aterrado, na esquina com a Avenida José Jatahy.
“Muitas pessoas conhecem aqui, na Sargento Hermínio, por causa da minha sucata, e não o contrário. Me entende? O que é conhecido aqui é a Sucata do Chico Alves. Aqui somos um ponto de referência”, destaca.
Foi em 1970 que ele saiu de Mossoró (RN) e veio tentar a vida em Fortaleza. Desde então, sempre que tem uma oportunidade, expande sua área, adquirindo outros terrenos nas proximidades. Com sua relevância e variedade de produtos, chegou a ter 153 funcionários trabalhando na logística e no atendimento aos clientes. Porém, atualmente, "não tem nem 20 (colaboradores)".
Saudoso de um tempo em que as sucatas movimentavam mais a economia, Chico pondera que "toda a vida a venda foi de pingadinho".
"Mas, antes, muita gente precisava das coisas, das peças. Agora, vendo só umas besteirinhas. Hoje mesmo, já são quatro da tarde, e esse menino ali não vendeu nenhum tostão", exemplificou, apontando para um funcionário da loja.
Sobre a Sargento Hermínio, Chico Alves considera que é inegável a melhoria da infraestrutura pela qual a avenida passou, mesmo tendo demorado tanto tempo. Além da sucata, na avenida e nos arredores, ele também possui outros imóveis, como casas de aluguel.
Na sua carteira de negócios, também possui locadora de veículos e loja de material de construção, entre outros. "Aqui, todo mundo sabe que ficou melhor", relata.
Transformações começaram na década de 1980
Para Christian Avesque, consultor de empresas e professor da Faculdade CDL Fortaleza, a região que abrange os bairros Monte Castelo, Jacarecanga e Antônio Bezerra, juntamente com as proximidades das avenidas Mister Hull e Sargento Hermínio, começou a ter um comércio mais forte nas décadas de 1970 e 1980.
Isso ocorreu quando as indústrias, principalmente de aço e alumínio, começaram a perder importância naquela área. "Então, ficaram vários espaços vazios, não tinha mais aquele movimento forte dessas operações, e esses bairros começaram a ser explorados pela indústria da construção civil para moradia", analisa.
Nesse mesmo período, explica, houve uma forte expansão de moradias voltadas para a classe média baixa. "Quando se tem uma expansão de novos residenciais, apartamentos, condomínios, automaticamente se puxa comércio e serviço para a região", observa.
Como exemplo dessa remodelação urbanística do local, ele cita a construção do shopping RioMar Kennedy, inaugurado em 2016.
"O investimento foi muito importante porque trouxe uma dinâmica nova para aquele entorno. Ele traz a parte do serviço, traz a parte de entretenimento, traz a parte de compras. E realmente quando você passa do meio da Sargento Hermínio indo para o Centro da Cidade, principalmente Jacarecanga, aquela área, você começa a ver uma qualificação maior e um nível de renda maior e o RioMar, nesse ponto, foi importantíssimo".
A área, que para o especialista se tornou fortemente residencial, tem não só no RioMar Kennedy, como também na proximidade com o North Shopping, um cinturão de serviços em um raio de menos de dois quilômetros. "E isso altera a configuração do que era a nossa antiga Sargento Hermínio para o que estamos vendo agora".
Avenida vive mudança de perfil com expansão de serviços e residências
O especialista em comércio, Christian Avesque, revela que a manutenção da sucata do Chico Alves, no início da Avenida Sargento Hermínio, é "um ponto fora da curva" para o que parece ser uma "nova" avenida. "Não vejo mais espaço para esse tipo de comércio por ali", diz.
"Cada vez mais, a Sargento Hermínio vai ter como foco clínicas médicas, odontológicas, food parks e restaurantes, por exemplo. Ela vai ser muito mais uma avenida de serviços prestados àqueles moradores dos bairros que se tornaram mais residenciais", lista.
Sobre a duplicação da via, Avesque ainda reforça que, no período da obra, aqueles comércios de pouco valor agregado, os mais populares, não conseguiram aguentar e fecharam.
"Mas, quando a obra terminou, abriu-se espaço para o que vem ocorrendo, não só na Sargento Hermínio, como em toda Fortaleza, que é a chegada dos strip malls, dos centros comerciais, já que os investidores viram como uma grande oportunidade aquela localização por essa expansão residencial e aumento de renda na área", pondera.
Ele ainda reforça que, para o setor de serviços e comércio de necessidade, os próximos anos ainda serão muito promissores para quem empreender naquela região, por conta de um novo "boom" imobiliário, principalmente no bairro Jacarecanga.
"Ainda há espaço para essa área ter uma expansão muito grande de novos residenciais, de novos empreendimentos, e vejo como uma grande oportunidade para que comerciantes possam se instalar vendendo serviço e a parte de conveniência", projeta.
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Shopping foi projetado com planos de expansão devido ao potencial da região
Cerca de dois anos depois de entregar o Shopping RioMar Fortaleza, no bairro Papicu, o Grupo JCPM investiu R$ 500 milhões na construção do Shopping RioMar Kennedy e outros R$ 30 milhões nas obras de mobilidade do entorno, incluindo a duplicação de um quarteirão da Avenida Sargento Hermínio.
O local, segundo a empresa, foi escolhido pelo potencial de desenvolvimento da região e pela oportunidade de terreno. "Até porque um shopping demanda grandes áreas e nem sempre é fácil conciliar mercado com terreno. No caso do RioMar Kennedy, os dois pontos eram favoráveis", diz a empresa.
Sobre a avaliação da localização no contexto atual da cidade, o Grupo JCPM diz, por meio da assessoria de comunicação, que continua entendendo que a região da Sargento Hermínio "é uma região em clara expansão dentro de Fortaleza".
Já prevendo esse tempo de expansão ampliado, o empreendimento foi construído já contemplando sua expansão, com mais 17 mil metros quadrados de área de loja prontos para comercialização.
"Tudo foi construído ao mesmo tempo, apenas a abertura para locação e circulação que fizemos em duas fases. Assim que entendermos que o mercado está demandando novas áreas, faremos a abertura, permitindo que o shopping tenha o mesmo padrão construtivo, oferecendo mais lojas, sem a necessidade de novas obras."
Já sobre a movimentação do local, o grupo afirma não divulgar dados de circulação diária. "Mas podemos dizer que o fluxo do empreendimento tem tido um crescimento de dois dígitos anualmente. Está dentro do que planejamos para o empreendimento", reforça, em nota.
Fim da Avenida deve receber novo atacarejo, shopping e academia
Andando em direção aos trilhos do trem e à Rua José Acioly, na parte de pista simples da avenida, não tem quem não note os pavilhões vazios da antiga fábrica do Grupo Guararapes — controladora das lojas Riachuelo.
O local, que teve o anúncio do encerramento total das atividades em janeiro de 2023, está com uma parte passando por remodelação para abrigar um shopping. A área foi desmembrada, e o pavilhão 1 (onde ficava a portaria principal e os prédios administrativos) continua de propriedade do Grupo Guararapes.
Já os pavilhões 2 e 3 possuem homens e máquinas trabalhando para receber uma unidade do atacarejo Mix Mateus, marca que deve ser uma das âncoras do local. Além disso, também foi confirmada a bandeira de eletrodomésticos do Grupo Mateus, a Eletro Mateus, e uma academia, que não teve a sua marca divulgada.
A sua chegada é a esperança de mais movimento para pequenos serviços que eram instalados nos arredores da antiga empresa de confecção, como a borracharia onde trabalha Cristiano Henrique, 38 anos. Trabalhando no local há quatro anos, ele lembra como era bom o movimento dos colaboradores quando a Guararapes funcionava no local.
"Era muita gente, principalmente nos horários de pico. Não tinha só a gente aqui não, tinha lugar de lanche e outros vendedores que ficavam todos aqui na porta. Era muita venda, porque era muita gente", lembra.
Moradora próxima aos trilhos reclama de abandono na região
Moradora da primeira casa da avenida há mais de 65 anos, Idelci Mesquita, 76 anos, lembra que foi residir no local com sua família ainda criança. Quando a reportagem a encontrou, ela estava sentada em um banco, em uma pracinha feita na margem dos trilhos do trem, "vendo o movimento e pegando uma brisa".
Questionada sobre como é morar na Sargento Hermínio, Idelci foi rápida na resposta: "Não é essa bondade toda não, mas eu tô aqui." A idosa lembra que aquele lado da avenida é "muito diferente daquele que tem a pista larga, o shopping e o mercado" (referindo-se ao trecho do Shopping RioMar Kennedy e Assaí).
"Aqui é tudo meio esquecido. Esse ano mesmo passei dois dias dentro da água no inverno. Encheu tudo aqui. Para limpar os bueiros, a gente se junta e paga. Ninguém vem fazer um serviço, não tem uma farmácia, um frigorífico perto, aqui não tem nada perto. Não parece nem Sargento Hermínio", desabafa.
A chegada do novo mall é uma esperança para Idelci, que espera também que chegue mais segurança na região.
"Há 40 anos, era uma maravilha. Você andava à noite. Cansamos de ir em quadrilha aqui do outro lado e chegar às duas horas da manhã, sem problemas. Agora, depois das 22 horas, não há perigo de ter alguém na rua. Peço a Deus que tudo corra bem e que aqui melhore. A gente tem que acreditar que vai melhorar", lamenta a dona de casa.
Obra de duplicação demorou 20 anos
Muito do que se falou da avenida Sargento Hermínio nos últimos 22 anos anos tem relação com a duplicação de um trecho. O projeto de requalificação foi iniciado em 2003, dentro do Programa de Transporte Urbano de Fortaleza (Transfor), na gestão do ex-prefeito Juraci Magalhães.
Desde então, até 2012 foram entregues apenas 500 metros dos 2,5 quilômetros previstos no projeto original, que correspondem ao trecho entre as avenidas José Jatahy e Padre Anchieta.
Já na gestão do ex-prefeito Roberto Cláudio, entre 2013 e 2020, outros 500 metros foram entregues, utilizando o modelo de parceria público-privada (PPP). Foi no governo do ex-prefeito José Sarto, entre 2021 e 2024, que o maior trecho, com 1,5 km de extensão, foi entregue.
Só então os 2,5 km foram entregues para a população, com pista duplicada, sendo duas faixas de tráfego por sentido, canteiro central, ciclovia e nova pavimentação. As obras também foram responsáveis pela construção de novas calçadas e pelo paisagismo da Avenida, que recebeu plantio de novas árvores.
A via também recebeu sinalização horizontal e vertical, com readequação da velocidade para 50 km/h, além de quatro novos semáforos (todos com estágio para pedestres), a fim de permitir maior segurança viária.
Os serviços executados na via tinham como objetivo ajudar a desafogar o tráfego diário de cerca de 29,7 mil veículos, além de oferecer mais uma alternativa de rota às avenidas Bezerra de Menezes, Francisco Sá e José Jatahy, beneficiando os moradores dos bairros Álvaro Weyne, Monte Castelo e Presidente Kennedy.
Polo de lazer está sendo requalificado
Neste mês de agosto, a Prefeitura de Fortaleza prevê a entrega da revitalização do Polo de Lazer da Sargento Hermínio. Entre as obras realizadas estão a reforma da Areninha e a construção de um novo vestiário no local.
Para incentivar ainda mais a prática de atividades físicas e a convivência entre os frequentadores, será instalada uma academia ao ar livre, bem como novos equipamentos no cachorródromo, promovendo o bem-estar dos animais de estimação.
A pista de bicicross será reformada, recebendo novas rampas e adequações necessárias para melhor desempenho dos praticantes. A pista de skatepark será pintada, assim como a pista de cooper, garantindo um ambiente mais atrativo e seguro para os usuários.
O projeto inclui ainda a reforma de uma quadra poliesportiva, de duas quadras de vôlei de areia e de meia quadra de basquete, além da execução de serviços de pintura no anfiteatro.
A regularização dos canteiros também está prevista, contribuindo para o paisagismo do espaço. Por fim, o chafariz do local também receberá serviços de pintura, completando a série de melhorias planejadas para o polo.