Túmulo do abolicionista Dragão do Mar é localizado no Cemitério São João Batista, em Fortaleza

Jazigo foi identificado em julho deste ano, após 106 anos da morte do jangadeiro. Conforme historiador cearense, endereço exato não era conhecido

Escrito por Redação , metro@svm.com.br
jazigo dragão do mar
Legenda: Túmulo do Dragão do Mar está localizado no Cemitério São João Batista, no Centro da Capital
Foto: Camila Lima

Segundo plano, lado Sul, rua 22. O endereço, no Cemitério São João Batista, Centro de Fortaleza, guarda a memória de Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar. Porém, o jazigo exato de um dos líderes que lutou pelo fim da escravidão no Ceará foi localizado apenas no dia 24 de julho último, 106 anos após a sua morte. A descoberta integra uma pesquisa de doutorado sobre a abolição da escravidão no Estado, datada em 1884.

O historiador cearense e doutorando na Universidade da Florida, nos Estados Unidos, Licínio Nunes de Miranda afirma que a informação sobre o local onde ocorreu o sepultamento se perdeu com o tempo, apesar da insistência de estudiosos. Os registros do cemitério até indicavam que Dragão do Mar havia sido enterrado ali, mas não direcionavam para o túmulo preciso.

"Nem mesmo a administração do cemitério sabia informar. Alguns pesquisadores e interessados procuraram o jazigo ao longo dos anos, mas ninguém o encontrou", pontua, complementando que o desconhecimento pode ter sido causado pelo nome de nascimento escrito na lápide. "Acredito que a localização era desconhecida porque o interesse sempre foi pelo mito Dragão do Mar, e não pelo homem Francisco José do Nascimento".

Licínio fazia um trabalho de campo para o doutorado em busca de personalidades cearenses que fizeram parte do movimento abolicionista quando chegou à sepultura de Dragão do Mar. "Me deparei com um jazigo envelhecido e gasto pelo tempo, com uma placa antiga que informava que ele descansava ali", lembra. No mesmo local em que repousa, há identificação ainda de Luís Gonzaga Brígido, parente de Ernesta Brígido do Nascimento, segunda esposa do jangadeiro, também mencionada em uma das placas.

Luta

Mais conhecido como Dragão do Mar, Francisco José do Nascimento era de origem humilde e conseguiu elevar o padrão de vida às custas do trabalho. À época do abolicionismo, possuía renda anual que o colocava no mesmo nível dos coronéis, então figuras de poder na sociedade, depois de ser nomeado alferes, tenente e, em seguida, major da Guarda Nacional.

No Porto de Fortaleza, onde trabalhava como prático-mor, sendo responsável pelo embarque e desembarque de pessoas e mercadorias, ganhou a admiração dos colegas de jornada. Isso porque foi neste cargo que ele impediu o comércio de escravos ao trancar o Porto, em 1881, ato que é considerado "a primeira vitória do movimento contra a escravidão". Três anos mais tarde, oficialmente, o Ceará se tornava a primeira província a abolir a escravidão no País, em 25 de março de 1884.

"Nascimento soube sair do anonimato para se tornar um modelo de cidadão, atuando em benefício da sociedade como um todo. Ele e seus companheiros nunca agiram com ódio, mesquinhez ou extremismo. Não havia antagonismo por causa de cor de pele ou classe social. Sempre enxergaram o fim da escravidão como uma forma de inclusão e união do povo brasileiro, e não de divisão e desunião", reforça o doutorando.

Ainda nas palavras de Licínio, mais que a descoberta de um jazigo, o momento pede reflexão sobre a perpetuação da identidade do povo cearense a partir de figuras que ajudaram a revolucionar o curso da história local e nacional, como fez Dragão do Mar, morto em 5 de março de 1914.

"Eu espero que a descoberta do jazigo do Dragão do Mar leve as pessoas em geral a valorizarem os homens e mulheres que tanto fizeram por nosso Ceará. Que entendam que existiram pessoas que podem servir de referencial, de modelo de conduta e valores para os cearenses de hoje e de amanhã", pondera, chamando a atenção para a necessidade de preservação do patrimônio histórico. "O arquivo público carece de recursos, e os documentos históricos precisam ser restaurados, digitalizados e disponibilizados na internet para o grande público. Não há nação sem senso de responsabilidade quanto ao que as gerações anteriores construíram", enfatiza o pesquisador.

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