Tradição das lapinhas se mantém na Capital

Cada vez mais raras, as lapinhas ainda podem ser visitadas em algumas residências de bairros de Fortaleza

Escrito por Vanessa Madeira - Repórter ,
Legenda: O hábito de montar lapinhas em família, de forma totalmente artesanal, no período natalino, ainda resiste em alguns bairros da Capital
Foto: Foto: Thiago Gadelha

Na medida em que o Natal se aproxima, dona Raimunda da Costa começa os preparativos. Com cuidado, desembrulha peça a peça, e, aos poucos, vai construindo, ao lado dos filhos, todo o cenário no qual se passa a história do nascimento de Jesus. Em sua casa, a tradição das lapinhas, quase perdida, se mantém há 69 anos e já virou grande atração no bairro do Mucuripe, onde mora com a família.

"Quando eu tinha só cinco anos de idade, uma senhora na rua da casa dos meus pais fazia lapinhas lindas e eu sempre pensava: 'Quando crescer, vou montar uma igual na minha casa'. Assim que me casei, quando completei 20 anos, comecei minha própria tradição", lembra.

O presépio, montado sobre uma mesa de mais de 2 metros de largura na garagem de casa, retrata toda a narrativa natalina, desde a perseguição do rei Herodes aos recém-nascidos, e a busca de Maria por um lugar para dar à luz, até a visita dos reis magos após a chegada de Jesus. O trabalho requer tempo e paciência. Para isso, dona Raimunda conta com a ajuda dos filhos. "Dá muito trabalho. Tem que trazer a areia, montar as casinhas, os personagens, colocar a fiação, a iluminação. Mas fica lindo no final", garante ela.

Depois de pronta a lapinha, a família abre as portas de casa para visitação. Além da própria comunidade, moradores de outros bairros da cidade vão ao local para conhecer o famoso presépio de dona Raimunda. O auge da atração acontece no dia 25, quando ela e os filhos promovem uma tarde de festa na rua em que vivem, reunindo adultos e crianças para comemorar o Natal. Na ocasião, os pequenos recebem de presente brinquedos doados por voluntários.

Aos 91 anos, dona Raimunda espera que os filhos, netos e bisnetos mantenham o costume cultivado há quase sete décadas: "Isso aqui é minha vida. Toda família adora, então acredito que a tradição vai continuar".

No bairro Jacarecanga, as lapinhas também se perpetuam pelo esforço da família Freire. O costume foi iniciado pela matriarca, que aprendeu o trabalho artesanal ainda criança. A tradição acabou repassada à irmã mais velha de dona Enoi Freire, mas, após sua morte, nos anos 1960, os demais parentes por pouco não abandonaram a prática. "No ano em que minha tia morreu, minha mãe não quis fazer. Mas, numa noite, ela teve um sonho quem minha tia pedia para ela não deixar morrer a tradição. Ela resolveu dar continuidade e, desde então, nunca mais parou", conta Ione, filha de dona Enoi.

Com 88 anos, dona Enoi deixou a cargo dos filhos a montagem do presépio, já famoso nas ruas da Jacarecanga. A construção começa em novembro e leva cerca de um mês para ser concluída. O trabalho, realizado de forma inteiramente artesanal, uma das exigências da família. "Disso a gente não abre mão. Foi assim que minha mãe aprendeu e assim que ela nos ensinou. Faz parte da tradição", diz Ione.

Outro hábito é colocar o menino Jesus na manjedoura apenas na meia-noite do dia 24, quando todos chegam da missa de Natal. "Para nós, a importância de continuar essa tradição é homenagear Jesus. Na nossa família, o Natal só tem sentido quando paramos para refletir sobre a presença do menino Jesus e a mensagem que ele trouxe de paz, perdão e amor", conclui.

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