Terminais e ônibus registram superlotação e aglomeração; usuários relatam medo e indignação
O Diário do Nordeste esteve em terminais de integração e ônibus e registrou superlotação e aglomerações. Uma reunião nesta terça-feira (26) entre o governo estadual e empresários do setor de transporte coletivo do Ceará discutiu medidas de coibição às superlotações. As definições não foram divulgadas
Uma fiscalização do uso de máscaras e da aferição de temperatura deveria ter sido uma estratégia vistas nos terminais desde a divulgação do último decreto estadual. Contudo, o Diário do Nordeste esteve, na sexta (22), segunda-feira (25) e terça-feira (26) em terminais de integração e no interior de ônibus de Fortaleza, e constatou que as ações ainda estavam, gradualmente, sendo iniciadas.
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Após meses de críticas a rotina de ônibus lotados em Fortaleza, uma reunião aconteceu nesta terça-feira (26) entre o governo estadual e empresários do setor de transporte coletivo do Ceará que discutiu medidas de coibição às superlotações. O Sindiônibus optou por não se pronunciar sobre o encontro, aguardando o pronunciamento do Estado, que, até a publicação desta matéria, não enviou nenhum detalhamento sobre o encontro e suas definições.
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Aglomeração forçada
Enquanto o poder público se reúne às portas fechadas, a população enfrenta ônibus lotados. Na tarde da sexta-feira (22), mesmo dia em que o governo do Estado publicou um novo decreto que determina a intensificação da fiscalização de ônibus municipais e intermunicipais, uma passageira, sentada, perguntou a um colega que estava pé dentro de um ônibus que faz a linha Siqueira-Papicu/Via 13 de Maio.
“Onde é que nós estamos?”
A impossibilidade de enxergar ao redor é uma realidade constante nas viagens de ônibus, em decorrência da superlotação registrada nos coletivos de Fortaleza.
Nos terminais de Integração de Fortaleza, a cada cinco minutos os passageiros ouvem a frase "evitar aglomerações nas plataformas ou dentro dos ônibus ajuda a combater o coronavírus", ecoada nas caixas de som dispostas no local.
Ao redor, a realidade é discrepante: além das intensas filas, há verdadeiras lutas para o embarque nos ônibus, principalmente em horários de pico, como no início da manhã e no fim da tarde.
A Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) confirmou que 85% da frota está circulando na cidade. Atualmente, cerca de 530 mil passageiros se deslocavam por dia usando ônibus na Capital, um número 41% menor que o registrado em janeiro de 2020, antes da pandemia de Covid-19 (905 mil passageiros).
Sobre a superlotação, a Etufor assegurou que “a organização das filas nos terminais continua sendo realizada diariamente, com orientações à população”. A empresa disse ainda que a programação de frota é calculada de acordo com a demanda de passageiros, a partir do monitoramento diário nos terminais e estações do Centro Operacional Integrado (COI) para oferecer o melhor serviço à população de Fortaleza.
Medidas básicas
Para o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bruno Bertoncini, essa medida era básica, mesmo antes da pandemia de Covid-19.
"Mesmo com a demanda um pouco menor, é preciso garantir condições para que as pessoas transportadas possam manter um adequado espaçamento entre si”, destaca.
"É uma fiscalização de ‘faz de contas’. Entramos em algumas linhas que ainda tem gente sem máscara. Cada um de nós tem que fazer sua parte, mas o poder público também precisa ver isso", adianta a professora Ivaniza dos Santos, 38.
No terminal do Siqueira, nas linhas que tradicionalmente recebem mais usuários, como as que interligam ele com o do Papicu ou o da Parangaba, as filas eram constantemente alimentadas.
Na segunda, no terminal do Siqueira, aparentemente, mais ônibus estavam à disposição da população. A lotação nas filas, no entanto, não diminuía. "E só está um pouco melhor porque vocês estão aqui”, relata um passageiro que não quis se identificar. “Pego essa linha há mais de 10 anos, e nada nunca mudou”, complementa.
Na terça-feira (27), a situação era diferente: agentes da Etufor andavam pelo mesmo terminal e, vez por outra, orientavam passageiros sem máscara a colocar o material. Profissionais do Sindiônibus e da Autarquia Municipal de Trânsito de Fortaleza (AMC) também estavam no local, o que deixou a situação um pouco melhor para os usuários:
Já no terminal da Parangaba, fiscais fixos da unidade se organizavam entre as plataformas, orientando os passageiros. Um grupo de sete profissionais da Socicam, empresa administradora dos terminais da cidade, esteve por lá semana passada. Eles passam alguns dias reforçando a fiscalização de um lugar, em caso de problema maiores em determinadas linhas.
Conscientização de passageiros e empresários
O professor Bruno Bertoncini delimita que a população vai se conscientizar mais quando entender que pode esperar, e que o transporte está passando regularmente:
“Talvez a criação até mesmo de rotas especiais, com menos paradas, e linhas mais expressas entre terminais, e para o centro, com rapidez e fluidez. As pessoas, sabendo que têm condições, podem aguardar um pouquinho o próximo ônibus antes de entrar”, Bruno Bertoncini
Para Maria Eulidene, 47, que trabalha num restaurante na Avenida Osório de Paiva, o problema seria facilmente resolvido “com mais ônibus”. “Fora que ainda vemos muitos passando sem álcool em gel sendo disponibilizado. Tenho medo de acontecer aqui como foi em Manaus”, denuncia.
Bruno Bertoncini complementa que o setor empresarial também tem um importante papel na contenção do coronavírus em terminais e ônibus. “É essencial uma conversa para buscar dinamizar horários de abertura de funcionamento de atividades dos funcionários, a fim de evitar a ocorrência desses picos e balancear essa demanda no transporte público. Se todo mundo tem que entrar no serviço ou na escola às 8h, a partir das 6h o sistema vai ficar carregado”, pontua.
Ações na Justiça
Em julho de 2020, o Ministério Público do Ceará (MPCE) recomendou à Prefeitura de Fortaleza que providenciasse o retorno integral da frota, que havia chegado a 70% do total em junho. O Município respondeu que uma "Ordem de Serviço" já havia sido expedida ao Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus) para a garantia da oferta integral, quando fosse possível. O Sindiônibus informou, à época, que este retorno estava dependendo do "equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão pelo Município de Fortaleza", ou seja, reajuste de tarifa.
Em setembro, o MPCE, por meio da 137ª Promotoria de Justiça de Fortaleza ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Etufor e o Município de Fortaleza. Em dezembro, o Juízo da 10ª Vara da Fazenda Pública decidiu favoravelmente à ACP. No entanto, ainda em dezembro, o presidente do TJCE, Washington Araújo, suspendeu a decisão da 10ª Vara que determinava a integridade da frota em horários de pico, a pedido do Município de Fortaleza.