Sobreviventes são retirados com vida e encaminhados a hospitais
Dores, apreensão e nervosismo. Da hora da ocorrência até o salvamento, uma mistura de sentimentos dominou quem foi vítima e quem aguardava o resgate de familiares. No local e nos hospitais, o clima misturava angústia e esperança
Às 10h28 de terça-feira (15), a vida de dezenas de famílias foi revirada, em Fortaleza. Estar no local de uma tragédia ou próximo a ele. Ser vítima ou saber que algum parente estava na área da ocorrência. Desde então, o Corpo de Bombeiros atua para resgatar os soterrados pelo Edifício Andrea. Nos hospitais, buscas, nervosismos e esperança. No local, silêncio, suspiros de quem sobreviveu e lágrimas. A cada resgate, não só vítimas renasceram, mas os parentes, que insistiam em ficar ao redor dos escombros e respiravam mais forte a cada informação.
Dos sobreviventes que seguiram para o Instituto Dr. José Frota (IJF), no Centro, uma coincidência marcou o dia da tragédia: geladeiras evitaram que a diarista Cleide Maria da Cruz Carvalho, 60 anos, e o funcionário de uma boutique, no bairro Dionísio Torres, Gilson Moreira Gomes, 53 anos, ambos vítimas do desabamento, fossem afetados mais drasticamente pelos escombros.
No caso de Cleide, ela foi a segunda vítima a ser levada ao IJF antes do meio-dia. Segundo o filho de Cleide, Leandro Carvalho, a mãe é diarista e há mais de 20 anos trabalha no Edifício Andrea. Era um dia rotineiro para a diarista que estava em um apartamento no primeiro andar na companhia da dona da residência.
Segundo Leandro, a mãe, que durante todo o tempo esteve consciente, contou que na queda, uma geladeira despencou e lhe protegeu. O eletrodoméstico serviu de barreira contra os escombros e atingiu o pé direito da diarista. "Ela ficou com uma fratura no pé direito. Se salvou devido à geladeira que amorteceu a pancada. Ela conseguiu colocar pano na perna porque 'tava' sangrando muito e se arrastou até os bombeiros", contou o filho emocionado. Leandro, aliviado, disse ainda que a mãe sempre temia a condição do prédio, pois, segundo ele "a situação no local é precária há muitos anos".
Outra vida cuja geladeira também serviu de escudo foi a de Gilson Moreira Gomes. O morador da Barra do Ceará e funcionário de uma boutique na Rua Oswaldo Cruz foi a um mercado localizado vizinho ao prédio. "Ele 'tava' fazendo as compras no mercantil de frutas para o almoço quando aconteceu", relata a irmã da vítima, Josélia Gomes.
Escombros
Gilson ficou preso durante 5 horas nos escombros. "Quando ele notou que tinha alguma coisa errada e ligou para o filho que trabalha mais próximo. Ligou dizendo que tinha uma fruteira em cima dele, mas não era. Era uma geladeira. Essa geladeira estava escorada em uma parede e os bombeiros tiveram que pensar bastante para poder tirar e não comprometer", relata. Gilson chegou ao IJF as 15h40.
Durante horas, vítimas e parentes aguardaram apreensivos o resgate dos escombros. No local da tragédia que mudou a vida de dezenas de famílias, cada salvamento foi celebrado por familiares e desconhecidos. Nos hospitais o clima de tensão se misturava ao de esperança
Segundo a superintendente do Hospital, Riane Azevedo, quatro pessoas deram entrada na unidade oriundas do local do acidente, sendo três delas vítimas da ocorrência e uma quarta pessoa, um socorrista voluntário da Cruz Vermelha que se machucou durante o resgate. A primeira vítima atendida foi a idosa Maria Antônia Peixoto, 72 anos. Ela, diz Riane, tinha o estado mais grave com traumatismo cranioencefálico e torácico. "Ela requer os maiores cuidados. Os outros dois estão conscientes e orientados, tiveram fraturas nos membros inferiores", explica. A família da idosa que estava no 6º andar não quis se pronunciar. A ideia era que ela fosse transferida para um hospital particular.
"Ele 'tá' respirando bem, vendo a luz do sol", dizia o comerciante Paulo Rômulo por volta de 13h20, horas antes de o filho, Davi Sampaio, de 22 anos, ser retirado dos escombros do Edifício Andrea. Àquela altura, a poeira no rosto e nos pés do homem não era suficiente para impedi-lo de andar pelos arredores do local.
A esperança de ver Davi irradiava mais do que a blusa vermelha do time do coração que 'Paulão' levava no peito. Bastava ouvir falar no filho que os olhos marejavam. O receio de os ferimentos dele serem mais sérios ainda estava ali, rondando seu pensamento, mas a certeza de que a selfie e a ligação que recebeu, enquanto o estudante ainda estava nos escombros, ainda revoava sua memória. "Quando ele ligou, pensei que fosse até um trote, nem 'tava' acreditando. Ele disse: 'papai, 'tô' debaixo da estrutura do prédio, ele veio abaixo'. Eu não acreditei. Quando olhei no celular, era ele", narra.
Ao saberem que ele estava sendo resgatado, pai e mãe - que se concentravam em um prédio nas proximidades - correram em direção à casa de apoio montada pelo Corpo de Bombeiros, ao lado do prédio, na Rua Tibúrcio Cavalcante. Às 15h, Davi Sampaio foi a oitava pessoa resgatada com vida e sem muitas escoriações. O estudante de arquitetura morava com a família no primeiro andar do Edifício Andrea.
No local, palmas. Pelo trabalho de quem salvava e pelo dom da vida ali reiterado. "Pra mim foi uma bênção, foi Deus que me deu esse presente. Meu filho nasceu hoje novamente. Nasceu há 22 anos e hoje nasceu de novo", respirou o pai, após a confirmação de que o filho teria sido levado ao Hospital Otoclínica, sem risco algum. "Ele tá bem, 'tá' no hospital, sendo assistido, não sentiu nada, não quebrou nada. Tiraram ele intacto, com vida, só perdi minhas coisas materiais, mas isso aí não vale nada, não. Vão-se os anéis e ficam os dedos. O ruim é quando vai o anel com dedo e tudo, né?" Para Paulo Rômulo, o que houve foi negligência da empresa que fazia os reparos. "Eles rasparam os pilares, quebraram os rebocos, tiraram o concreto e deixaram só os ferros - e de um lado só".
Voluntariado para lidar com o luto
Desde as 14h de ontem, um grupo de psicólogos e estudantes de Psicologia se reuniu no entorno dos escombros do Edifício Andrea. Mais de 200 voluntários passaram dia e noite ajudando moradores e familiares de vítimas que ainda não haviam sido encontradas pelo Corpo de Bombeiros durante o trabalho de salvamento.
Segundo o vice-presidente do Comitê de Crise criado pelos profissionais, Renê Dinelli, várias instituições se mobilizaram para fazer um plano emergencial. Os turnos são de 3h em 3h para que os psicólogos possam atender da melhor forma e descansar da mesma forma.
"As nossas frentes de trabalho são as acolhidas com as famílias, as equipes que estão trabalhando, que também têm um esgotamento muito grande", explica. A cada duas horas, as equipes da Defesa Civil vão até o prédio que recebeu familiares e moradores (no cruzamento das ruas Tibúrcio Cavalcante e Walter Bezerra de Sá) para darem novas informações sobre o trabalho de salvamento.
Para a psicóloga Priscila Diniz, que atuou durante a noite de ontem, "o ar é de angústia, de desespero, de tristeza, de luto pela perda, pela perda dos objetos, da identificação com o lugar, pela perda da sua casa, do seu espaço, isso tudo tem um significado muito forte".
Conforme Renê Dinelli, está planejado ainda um trabalho posterior à tragédia: "na próxima semana, as equipes vão estar por toda a Fortaleza, atendendo sobreviventes e enlutados para fazer um trabalho de pósvenção". Além dos serviços psicossociais, equipes arrecadam alimentos não perecíveis, vestuário, itens de higiene pessoal, toalhas e lençóis, usados por familiares e profissionais do resgate. Os interessados em ajudar podem enviar os mantimentos para o local da ação ou se informar pelo site fortalezasolidaria.org.br.
Vítimas resgatadas e identificadas
1.Cleide Maria Carvalho, 60
2.Gilson Gomes,53
3.Antônia Peixoto Coelho,72
4.Davi Sampaio, 22
5.Fernando Marques, 20
Resgatadas ainda sem identificação
Quatro pessoas
Não resgatadas ainda sem identificação
Nove pessoas