Sem orçamento, Governo Federal deixa de pagar 2.700 bolsas de formação de professores no Ceará
Estudantes dos cursos superiores de licenciatura estão desde setembro sem receber a bolsa de R$ 400. Liberação depende de lei que não é votada
Por falta de orçamento, não há garantias de que o Governo Federal honre o pagamento de mais de 60 mil bolsistas de dois programas que são referência na formação de professores. No Ceará, 2.736 bolsistas não recebem pagamento há dois meses e muitos estão passando por dificuldades. Os números são do Ministério da Educação (MEC).
“Estamos tentando nos mobilizar para conseguir uma resposta, pra saber como vai ficar o programa. Tem bolsista que está precisando desse pagamento para sobrevivência", explica a estudante cearense Lilian Melo.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) está com déficit de R$ 124 milhões para quitar as bolsas de formação docente até o fim do ano.
“Temos muita urgência”, enfatizou a presidente da Capes, Cláudia Toledo, em audiência na Comissão de Educação da Câmara na última segunda-feira (18). A instituição depende que o Congresso aprove esse crédito suplementar, que ainda está na fase de relatoria.
Os principais atrasos se dão no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e o programa de Residência Pedagógica, cada um com 1.368 bolsistas, conforme os editais do MEC. Ambos atuam diretamente com estudantes universitários em cursos de licenciatura ou mesmo professores na ativa que não passaram por formação no magistério.
Veja também
Na prática, os programas qualificam os futuros professores que irão para as salas de aula no Brasil, sobretudo na Educação Básica pública. Os editais foram publicados em 2020 com validade de 18 meses, até março de 2022. As bolsas têm valores de R$ 400, para estudantes de cursos de licenciatura, R$ 765 para professores da Educação Básica e R$ 1.400 para coordenadores dos cursos de formação.
Pagamento depende de lei que não é votada
Quando o pagamento de setembro não foi realizado em outubro, e após sucessivos atrasos, a apreensão dos bolsistas ficou maior após uma nota enviada pela Capes no dia 7 de outubro:
Os recursos necessários já foram liberados pelo Governo Federal, restando, entretanto, a necessidade de aprovação do Projeto de Lei 17/2021, que já está em trâmite na Comissão Mista de Orçamento do Congresso Nacional. A previsão é de que os pagamentos sejam regularizados na próxima semana”
Duas semanas depois, nada ainda. E só depois que coordenadores bolsistas, reunidos em um Fórum, decidiram ir atrás, descobriram que não só o Projeto de Lei não foi submetido para votação como nem mesmo saiu das mãos do relator, a quem cabe encaminhar para a presidência da comissão que só depois marca uma data para votação.
“Colapso” na educação
“Tentaremos falar com mais parlamentares para mediar alguma aceleração nesse processo, em função do que representa o corte de bolsas. Muitos dependem delas para se alimentar, manter a internet para as atividades remotas e continuar os estudos sem ter que largar para trabalhar, explica o professor Nilson Cardoso, presidente do Fórum Nacional de Coordenadores Institucionais do Pibid e Residência Pedagógica (Forpibid-rp).
E acrescenta: "Essa é uma bolsa de formação de professores, uma área que a cada dia a gente vê menos interessados, pois não é prioridade governamental. A gente pode entrar num colapso no futuro”.
Cardoso está em Brasília, onde teve reunião nesta quarta-feira com o senador Roberto Rocha, relator na comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO).
“Enquanto isso, estamos a ver navios. Não recebemos nada ainda e ficamos sem previsão. Não há garantia nem de que se quando for pago será o volume todo. Estamos nas mãos de uma lei que ainda precisa ser aprovada e ainda está com o relator”, reclama a professora Jaqueline Rabelo, coordenadora do Pibid na Universidade Estadual do Ceará (Uece) - o programa atua no Ceará em oito universidades.
Em seu portal, o Ministério da Educação (MEC) explica que “a intenção do programa é unir as secretarias estaduais e municipais de educação e as universidades públicas, a favor da melhoria do ensino nas escolas públicas em que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) esteja abaixo da média nacional”.
“Falta articulação do Governo”
“Esses programas são um modelo muito exitoso de parcerias, tomando a experiência do professor da educação básica como elemento formativo. Nos preocupa se o programa não tiver continuidade porque ele é uma excelente iniciativa dentro dos cursos de formação de professores. Tem trazido esses estudantes com maior identidade com a docência, sobretudo com a escola pública”, lamenta Nilson Cardoso.
"O que tem acontecido de fato é uma falta de articulação política do Governo Federal. Então estamos aqui em Brasília fazendo um trabalho de articulação que deveria ser do Governo, que tem muito mais força e poder de mobilização", emenda.
A reportagem solicitou esclarecimentos ao Ministério da Educação e ainda aguarda uma resposta, que será postada neste espaço tão logo ela ocorra.