Quem são os homens que desapareceram durante viagem de lancha entre Rio de Janeiro e Fortaleza
Cinco pessoas estavam na embarcação, que saiu do Rio de Janeiro, no sudeste do país, para a capital cearense na segunda-feira passada (25). A Marinha do Brasil permanece em busca do grupo
A Marinha do Brasil permanece à procura dos cinco homens que, embarcados na lancha “O Maestro”, desapareceram na última sexta-feira (29), durante viagem do Rio de Janeiro para Fortaleza. A operação para localizar os ocupantes dispõe de uma embarcação da Marinha, duas aeronaves cedidas pela Força Aérea Brasileira (FAB), além de embarcações civis e aeronaves que trafegam naquela área. A equipe concentra a investigação nas proximidades do Farol de São Tomé, no norte do Rio, e trabalha com a possibilidade de naufrágio.
Os tripulantes, experientes na área náutica, pretendiam voltar para Fortaleza ainda neste fim de semana. De acordo com familiares ouvidos pelo Sistema Verdes Mares, eles estudaram a rota durante dias antes de se lançarem ao mar, assegurando mantimentos, coletes de proteção e sinalizadores.
Para garantir o conforto e a segurança, se dividiram entre funções: Guilherme Ambrósio, como comandante; Cláudio de Souza, operador de máquinas; Wilson dos Santos, pescador; e Ricardo Kirts e Domingos de Souza, donos do equipamento.
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Segundo familiares, os ocupantes deixaram de enviar atualizações na sexta após comunicarem uma agitação no mar. A família aguarda retorno das buscas e relembra como foram os últimos contatos com o grupo. Em entrevista, familiares deram detalhes sobre quem era cada um dos embarcados.
Acostumado com o mar, Domingos toma os cuidados necessários antes das viagens
Cearense e aventureiro experiente, Domingos de Souza estava se preparando para investir no turismo da Capital. A vontade motivou a compra do equipamento do vendedor paraense. “Ele trabalhava com venda de carro e com venda de consórcio, mas estava com essa visão de começar a fazer viagem turística aqui em Fortaleza. Para aluguel de lancha”, explica Lilian Ribeiro, filha mais velha do vendedor.
Pai de três filhos — Lilian, de 27, Larissa, com 8 anos, e Sávio, com 25 —, acostumou os filhos com o mar. “Meu pai me ensinou a nadar, eu e meu irmão. Quando a gente era criança, ele sempre ia para o mar, era uma coisa corriqueira. Saíamos todo fim de semana, nunca ficávamos em Fortaleza: era um tempo em Cascavel, outro em Guaramiranga. Agora, todo dia ele nadava na Beira-Mar, e chamava a gente para fazer a volta no espigão”, recorda.
A paixão pelo mar acontecia de diversas formas: Domingos pratica pesca e também veleja, “mas nunca para distância tão grande como o Rio de Janeiro”, ressalta Lilian. Mesmo com toda familiaridade com o marítimo, o pai sempre manteve a cautela quando o assunto era embarcações e a segurança da família.
“Quando ele levou a gente para pescar, nunca levou para o mar. Ele sempre me disse que ele conseguia se virar, mas que não conseguia dar conta da gente também”. A atenção também valia para trajetos pouco conhecidos pelo vendedor. “Sempre teve contato com pescador, sempre levava quem soubesse mais do que ele”, diz.
Agora, a família, em isolamento social por conta da Covid-19, aguarda pelo retorno da Marinha do Brasil. “Ninguém tá conseguindo dormir. Como a gente vai conseguir dormir se você não sabe se a pessoa está passando fome, passando sede?”, confessa a arquiteta.
Ricardo José Kirts, dono da embarcação, faz aniversário no sábado
Ricardo Kirts, que faz aniversário de 53 anos no sábado (6), é conhecedor de embarcações, de acordo com a esposa, Talita Cruz Silva. “Era um esporte para ele. Tinha outra lancha aqui em Fortaleza. O problema é que ele queria essa porque era maior, tinha quarto, ele ama isso aí”, explica a companheira.
Experiente com a venda das embarcações, Ricardo é criterioso para compra dos equipamentos. A triagem era acompanhada da família. “Para ele fazer essa viagem foi cinco anos estudando cada embarcação que ele ia comprar. Eu estive com ele no Rio cinco vezes para saber qual a melhor lancha”, relembra Talita.
Gaúcho e pai de cinco filhos — a maioria deles, ainda no Rio Grande do Sul — o tripulante mantinha cautela na hora de pensar em trajetos longos. “Eu fiz o check-list com ele no Rio”, conta a esposa. “Não tinham cinco coletes, tinham 12 coletes. Tinha uma mala de sinalizador, tinha extintor, tinha tudo”. As atualizações sobre as buscas são repassadas pela família em um grupo de mensagens, administrado pela Marinha do Brasil.
Wilson dos Santos é pescador há 40 anos
Na família de Wilson Santos, 57, dos cinco filhos, dois entraram no ofício da pesca como o pai. “Ele levou meus irmãos cedo. Sempre sustentou a gente com a pesca. ", diz Glécia Marcolino, 26, filha caçula do pescador. Com quatro décadas de pescaria, Wilson é conhecido no litoral do Trairi por conta da venda de pescado. Na rotina, conheceu Domingos de Souza, de quem é mais próximo, e já havia embarcado outras vezes com o colega para translado de embarcações.
“O Domingos é padrinho do meu irmão, Renato”, explica Glécia, que relembra os preparativos da viagem. “Já trouxeram as embarcações de Belém. Eles convidaram ele para pegar essa embarcação. Foram de avião e na volta, vinham de embarcação”.
Experiente, o pescador sempre mantinha contato com a família diariamente com atualizações sobre o local de viagem. “Ele já passou mais de um mês no mar. Sempre ligava para dizer onde estava. Na última vez, disse que estava saindo para Fortaleza. Mandou beijos para os quatros netos”, recorda a filha. A cautela de Wilson se estendia à medicação necessária para controlar asma e hipertensão. “Ele é asmático e toma remédio para pressão. Sempre levava bombinhas e medicamentos, mas não era de passar mal”, adiciona.
Amante do futebol e “apegado” à família, Wilson participava da rota fluminense pela primeira vez. "Mas já tem muito costume nisso. Começou a pescar com oito anos de idade. Agora, na rota do Rio, já era a primeira vez. Tinham outros por lá que já estava acostumados com a rota", conta.
Guilherme, comandante, tem experiência com a rota Rio-Fortaleza
Com mais de 20 anos trabalhando com embarcações, Guilherme Ambrósio só saía para o mar com tudo “100% garantido”. “A profissão dele é uma profissão arriscada, mas ele sempre trabalhou com cuidado”, garante Cláudia Moura, cabeleireira e esposa do comandante. A expectativa, conta a companheira, era de viagem tranquila, com duração máxima de seis dias. “Super planejada, organizada. Ele trabalha há bastante tempo, sempre trabalhou com cuidado”, ressalta.
Não é a primeira vez que Ambrósio seguia viagem para o litoral fluminense, apesar de problemas com a rota serem novidade. “Ele já tinha viajado de Fortaleza para o Rio de barco, são muitos anos de profissão. Saiu de Fortaleza mas entregou no Rio de Janeiro”. Guilherme tem quatro filhos. O caçula, contudo, ainda não entende a situação do pai. “Ele não sabe o que está acontecendo. Me pergunta onde está o pai e eu digo que está trabalhando”, lamenta Cláudia. Por isso, a família esteve na sede da Capitania dos Portos, em Fortaleza, requisitando atualizações junto à Marinha do Brasil.
“A gente veio conversar, pedir retorno, mas até agora nada. A gente falou com ele na sexta-feira através de mensagens, dizendo que ia parar porque estava com muito vento e a viagem estava agitada. Eles iam parar porque no outro dia iriam continuar a viagem”, relembra.
Mecânico automotivo, Cláudio de Souza Vieira participou de viagem longa pela primeira vez
José Cláudio de Souza Vieira, 52, é conhecido na marina pelo conserto de lanchas. A oficina do Vieirinha, conta a esposa, Eurides Silva Vieira, já é um lugar familiar para quem trabalha com embarcações. “Por onde ele passa ele deixa marca”, certifica a companheira. Juntos há 24 anos, o casal tem uma filha e uma neta. A pequena sente a falta do avô. “Chora dia e noite pelo ‘vôzinho’. O que ela mais pede é o ‘vôzinho’ dela”, confessa Eurides.
Apesar de mecânico na área automotiva, Cláudio também atua na área náutica. Foi pelo conhecimento com lanchas que recebeu o convite de Ricardo, dono original da embarcação, para compor a equipe do trajeto Rio-Fortaleza. “A função dele era operar a máquina. Ele tem costume com a área automotiva, mas essa foi a primeira experiência como viagem”. Receosa, Eurides ainda conversou com o marido sobre a viagem. “Mulher tem sexto sentido. Confesso que fiquei muito apreensiva, não concordei, mas é o trabalho dele. Ele partiu para essa viagem no dia 25 de janeiro, o último contato foi no dia 29. Não tivemos mais contato dele".