Projeto de terapia celular do Hemoce propõe tratamento mais barato contra cânceres hematológicos

Lançando mão de técnica inovadora, tratamento é voltado para casos em que o câncer não responde à quimioterapia ou ao transplante de medula óssea

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Hemoce
Legenda: Células sanguíneas são analisadas no Hemoce com o aparelho citômetro
Foto: H

Um projeto de terapia celular inovador no Brasil vem sendo desenvolvido, há mais de três anos, no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce). O objetivo é disponibilizar uma alternativa eficaz e mais barata de tratamento contra cânceres hematológicos como linfomas, mielomas múltiplos e leucemias. O tratamento, conhecido como terapia celular Car-T Cell (acrônimo em inglês para receptor de antígeno quimérico), é direcionado a pacientes - adultos ou crianças - com câncer refratário. Ou seja, que não respondem à quimioterapia ou ao transplante de medula óssea.

Embora, na prática, siga procedimentos semelhantes ao de um transplante de medula óssea convencional, o tratamento tem suas particularidades. Na terapia celular Car-T Cell, as células de defesa do próprio paciente são extraídas, reprogramadas em laboratório e reinfundidas para combaterem o tumor. "É como se você instruísse uma célula para que ela destrua as células malignas", resume o coordenador do Centro de Processamento Celular do Hemoce e chefe do setor de hematologia e transplante do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), Fernando Barroso.

Mais barata

Segundo ele, o tratamento tende a ser mais barato porque vai adotar o chamado Car-T Cell manufaturado. Ao contrário dos Car-T Cells convencionais, que podem "atingir cifras milionárias", esse método de terapia celular é automatizado. Na prática, isso torna o tratamento mais rápido e, por consequência, menos oneroso. "A técnica (do Car-T Cell manufaturado) evita que o indivíduo precise dessa terapêutica (convencional) tão cara e o uso de medicamentos caríssimos que podem, na verdade, não resolver o problema", explica o especialista, ressaltando que apenas parte do processo será automatizada.

"A primeira parte, a infusão das células e o pós-infusão ainda 'bebem água' no processo de medula óssea", afirma Fernando Barroso.

Do SUS para o SUS

Embora ainda pouco difundida no Brasil, a terapia celular Car-T Cell já é bem estabelecida na Europa e nos Estados Unidos. O Ceará pode se tornar pioneiro no uso da técnica no Norte e Nordeste do País. A ideia, conforme Barroso, é que a terapia celular seja iniciada e se mantenha no Sistema Único de Saúde (SUS), como uma opção mais economicamente viável. "Esse projeto é muito grande e não tem no SUS de jeito nenhum. É uma técnica que estamos montando para atender pacientes do SUS. O tratamento vai começar e terminar lá".

Diretora geral do Hemoce, Luciana Carlos conta que o Centro já vem trabalhando para oferecer, em um futuro breve, o tratamento no sistema público de saúde do Ceará. Antes disso, vários critérios - não especificados por ela - ainda devem ser observados. "Quando você faz um procedimento de uma forma mais padronizada, isso pode vir a ter um impacto, com a redução de custos de uma forma geral. Principalmente, para o sistema de saúde", justifica Luciana.

O projeto é desenvolvido pelo Hemoce e conta com o apoio da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) e parceria do HUWC. As duas unidades de saúde vão, inicialmente, ser os pontos de partida de operacionalização do projeto. O Hemoce vai continuar atuando como o centro coletador e de preparação das células, enquanto que o HUWC realizará a infusão das mesmas, durante o transplante.

Estruturação

O projeto de Car-T Cells do Hemoce ainda segue em fase de estruturação. A expectativa é que os equipamentos necessários ao desenvolvimento da pesquisa, que são importados, cheguem ao Ceará até o fim de 2021. Devido à pandemia de Covid-19, houve atraso na entrega. Só a partir disso, poderá ser iniciada a tão aguardada etapa operacional.

Por abordar uma técnica muito nova e por ainda estar em andamento, a pesquisa não tem definidos onde, quais ou quantos pacientes poderão ser submetidos ao novo tratamento. Mesmo após a finalização dos estudos, há protocolos a seguir, ressalta Luciana.

"Esse tratamento é quase como se fosse individualizado, pois vai depender do tipo de tumor e da situação clínica do paciente. Por isso, ainda vamos desenvolver protocolos de utilização", afirma a diretora do Hemoce.

Logo, as pessoas não serão simplesmente escolhidas para serem submetidas ao tratamento. Mas identificadas como pacientes que, mediante o quadro clínico, poderão ser, de fato, beneficiadas com a terapia celular.

Leucemia: Ceará tem 3ª maior estimativa de novos casos no Nordeste

O Ceará é o terceiro Estado do Nordeste em quantitativo anual estimado de novos casos de leucemias projetados pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca). Para cada ano do triênio 2020/2022, são estimados 470 novos casos de leucemia no Estado, sendo 270 em homens e 200 em mulheres. Em todo o triênio, portanto, o total de casos chega a 1.410. O Ceará fica atrás apenas da Bahia, com 540 casos anuais estimados; e de Pernambuco, 480. Enquanto Sergipe tem o menor número: 100 casos.

No Brasil, a projeção é de 10.810 novos casos para cada ano do triênio. No contexto nacional, o Ceará é o nono em projeção de novos casos de leucemias. São Paulo lidera a lista de maior incidência, somando 2.300 casos estimados a cada ano do triênio. O que resulta em 191 casos por mês. Em Fortaleza, são estimados, para cada ano, 140 novos casos de leucemias, sendo 60 em homens e 80 em mulheres. Os dados do Inca refletem apenas estimativas de novos casos e não casos efetivamente diagnosticados.

Dados de mortalidade divulgados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), apontam que o Ceará registrou, em 2019, 315 mortes por leucemias, sendo 152 homens e 163 mulheres. A leucemia é um tipo de câncer no sangue que afeta os glóbulos brancos, geralmente, de origem desconhecida. Tem como principal característica o acúmulo de células doentes na medula óssea, que substituem as células sanguíneas normais. Segundo o Inca, há mais de

12 tipos de leucemia. Os quatro tipos primários são leucemia mieloide aguda (LMA), leucemia mieloide crônica (LMC), leucemia linfocítica aguda (LLA) e leucemia linfocítica crônica (CLL). O tratamento varia de caso para caso.