Prédios públicos fechados são alvos de deterioração e vandalismo em Fortaleza

Edificações históricas - como o Palácio da Justiça do Ceará, a antiga Escola Jesus, Maria e José e o Cemja, todos no Centro - estão sem utilização há anos; gestões municipal e estadual articulam, mas não concretizam novos usos

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: Antiga Escola Jesus, Maria e José, no Centro de Fortaleza, condenada pela Defesa Civil, abrigou dezenas de famílias em 2017. Hoje está desocupada e sem uso definido
Foto: Fotos: Kid Júnior

Futuro museu, futura Casa da Fotografia, futuro hospital - são expectativas não cumpridas que habitam o nosso patrimônio. Pelo menos três prédios públicos históricos de Fortaleza estão inativos, deteriorados e sem definição concreta de próximo uso. Os antigos Palácio da Justiça, Escola Jesus, Maria e José, e Centro de Especialidades Médicas José de Alencar (Cemja), todos no Centro, ainda guardam traços arquitetônicos originais - mas abrigam estruturas dia a dia mais comprometidas.

O número 1.200 da Rua Barão do Rio Branco, por exemplo, foi endereço da primeira sede do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) até 1986, mas hoje reflete negligência. Com fachada e história imponentes, o Palácio da Justiça se tornou repositório para entulho e lixo, visíveis por meio das grades enferrujadas e dos espaços deixados pelas portas e janelas saqueadas. A ambulante Cláudia de Souza, 43, testemunha os furtos há, pelo menos, seis anos, tempo em que vende lanches na calçada da edificação.

"Quando souberam que no prédio não funcionava mais nada, passaram um 'pente fino'. Roubaram portas, janelas, pisos, madeiras e até fiações", relata Cláudia, afirmando, porém, que ações de segurança cessaram os crimes.

A promessa, segundo texto publicado pelo TJCE em 2009, era que o espaço seria reformado e transformado no Museu do Judiciário do Ceará, abrigando acervo de itens do jurista Clóvis Beviláqua. A obra, que custaria R$ 4 milhões, deveria ter sido entregue em 2010, mas nunca aconteceu.

R$4mi
Para museu do poder judiciário. Em 2010, Fortaleza deveria ter recebido um novo equipamento cultural: Museu do Poder Judiciário, no antigo Palácio da Justiça. Nunca saiu do papel

Em nota, o TJCE informou que, no último dia 7, assinou termo de cessão de uso do imóvel à Secretaria da Fazenda (Sefaz). Após reforma, o espaço será ocupado por servidores da Célula de Gestão Fiscal dos Setores Econômicos. Outros órgãos públicos já funcionaram no local, como o Juizado da Infância e da Juventude, Juizado Móvel e perícia do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).

Conforme a Secretaria de Obras e Patrimônio (SOP), as obras no Palácio "já tiveram início e se concentram na parte de restauração e preservação, pela estação ser tombada. As áreas não tombadas também já passam por intervenções. O levantamento de restauro termina no mês que vem". Sobre a segurança no local, o Governo estadual garante que o policiamento é constante e o monitoramento é feito 24 horas seguidas.

Indefinição

Outro imóvel de grandes proporções que pode voltar a abrigar serviços públicos é a antiga sede do Cemja, localizada na Praça José de Alencar, que era de gestão municipal, mas deve ser transferida à União. De acordo com a Superintendência do Patrimônio da União (SPU), a transferência do imóvel "está em andamento desde o fim de julho deste ano", e ele está disponível para ser alienado. Apesar disso, aponta a SPU, "existe interesse manifestado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) de utilizar o patrimônio como um hospital para tratamento de traumas".

A Instituição, porém, afirmou à reportagem que, "no momento, não há nada formalmente estabelecido quanto à cessão do antigo Cemja". Diante do impasse, o local - que já chegou a ser considerado a maior policlínica de Fortaleza - segue sem confirmação de novo uso, abandonado, tomado por animais mortos, resíduos sólidos e até manequins de vendedores ambulantes.

Legenda: Primeira sede do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), em 1986, é usada atualmente como repositório de entulho e lixo

Indefinição também é o que, junto a tapumes, cerca o prédio tombado da antiga Escola Jesus, Maria e José, no Centro. O local, mesmo condenado pela Defesa Civil, chegou a servir de teto para dezenas de famílias, em uma ocupação iniciada em 2017. Após insistentes pedidos de novos lares e de uma ação de reintegração de posse, homens, mulheres e crianças foram retirados do prédio em 30 de abril.

117 anos 
Construída em 1902, a Escola Jesus, Maria e José foi um dos primeiros prédios erguidos para atender demandas escolares na Capital

Depois da desocupação, informa em nota a Secretaria da Cultura de Fortaleza (Secultfor), foram feitas "ações emergenciais de reparos no edifício, previstas na instrução de tombamento e, atualmente, o prédio passa por reforma da fachada e troca de cobertura". A obra "é acompanhada por técnicos da Coordenadoria de Patrimônio Histórico-Cultural". O futuro do espaço revitalizado, contudo, "ainda está em elaboração, a partir da análise de propostas apresentadas à Pasta". Em 2006, a promessa era de uma Casa da Fotografia no local.

Se os três gigantes públicos históricos carecem de repaginação urgente para ter um novo destino, um prédio já construído e parcialmente equipado continua sem funcionar, quebrando a promessa do Governo do Estado de ativá-lo ainda no segundo semestre de 2018: a Escola de Hotelaria e Gastronomia da Estação das Artes, na Avenida Leste Oeste, no bairro Moura Brasil.

Fiscalização

O equipamento foi entregue ao poder público em julho do ano passado, com cinco torres e oito andares destinados a salas de aulas, laboratórios, biblioteca, refeitório e áreas de convivência. Embora a estrutura pareça pronta por fora, um prestador de serviços informou ao Diário do Nordeste que algumas reformas ainda são necessárias, mas não deu prazo para retomada. Em nota, a Casa Civil explica apenas que "a estrutura encontra-se em fase de conclusão e o planejamento de início das atividades está em andamento".

Para Romeu Duarte, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), o abandono reflete um desrespeito à história da Capital.

"Ao inutilizar esses prédios, não se perde só o edifício, mas memória, parte da cultura, exemplares estéticos e arquitetônicos importantes. Isso ocorre, muitas vezes, por ausência de tomada de providências para novos usos".

Burocracias envolvendo bens públicos, segundo o arquiteto, representam, além do desperdício de recursos, riscos aos atores urbanos. "Casa velha é oficina do diabo. Um edifício abandonado, sem destinação, se deteriora muito mais rápido. Ele se acaba. O órgão público, se não tem projetos ou programas de ocupação, poderia ceder o prédio ao uso da sociedade civil, para que pudesse ser recuperado. A mesma tragédia que aconteceu (no Edifício Andrea) pode acontecer num edifício tombado, se não houver fiscalização", conclui.

 

 

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