Onde estão os heróis? 'Trens da alegria' seguem impedidos de circular há quase 3 anos em Fortaleza
Após longa discussão sobre a segurança dos veículos para funcionários e clientes, empresários cobram celeridade no processo de regularização estabelecido por lei municipal.
Desde janeiro de 2019, “trens da alegria” que operam em Fortaleza estão com as atividades paralisadas após ação cautelar do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), que pede maior segurança a passageiros e funcionários. Nesse período, o serviço foi discutido e autorizado por lei municipal, mas a categoria reclama que ainda não foi chamada para receber regularização oficial do poder público.
A Lei 11.059 foi sancionada em 22 de dezembro de 2020, pelo então prefeito Roberto Cláudio, e dispõe sobre o passo-a-passo da regularização. Passados dez meses da publicação, os proprietários alegam que não receberam orientação da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor), designada para as inspeções.
"Até o momento, nenhuma vistoria e autorização foi dada às empresas do segmento”, relata a Associação das Empresas de Transporte Recreativos de Passageiros do Ceará (Assetrece), que agrega 12 associados, mas estima cerca de 25 trenzinhos na Capital e impacto direto a aproximadamente 300 famílias.
bairros eram atendidos por trens da alegria em Fortaleza, até a paralisação, segundo a Assetrece. O ponto mais famoso era a Avenida Beira-Mar.
O vice-presidente da entidade, Jorge Luiz Teixeira, lembra que a última reunião com a Etufor ocorreu em maio deste ano, mas, desde então, nada mudou. Na ocasião, os empresários chegaram a oferecer um trem para servir como “modelo” para os parâmetros para as vistorias.
Por nota, a Prefeitura de Fortaleza informou que as autorizações para a oferta do serviço do Transporte Recreativo de Passageiros (TRP) devem ser solicitadas pelos interessados ao setor de protocolo da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor). “Até o mês de outubro, foram feitos três pedidos, que estão em processo de análise dos documentos. Após a aprovação, seguem para vistoria dos veículos”, destacou. O Ministério Público deve concender entrevista amanhã (8) sobre o assunto.
Segurança dos passageiros
Em 2019, o MPCE alegou “notória” falta de regulamentação, fiscalização e segurança, tanto para os passageiros, que passeiam sem cintos de segurança, quanto para os animadores (sendo alguns adolescentes), que ficam em pé e pendurados ao lado de fora dos veículos.
Dois casos ganharam mais repercussão na cidade. Primeiro, um animador vestido de homem-aranha perdeu o equilíbrio e caiu de um trenzinho, no Monte Castelo, em fevereiro de 2016. Já em janeiro de 2019, um bloco de outro veículo capotou na Av. Engenheiro Santana Júnior, no Cocó, deixando pessoas feridas.
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A ação cautelar estabeleceu pena de multa diária de R$10 mil em caso de descumprimento. Jorge Teixeira explica que a categoria não contestou a necessidade de melhorias e minimização de riscos, mas considerou a medida exagerada diante de casos pontuais.
Em fevereiro daquele ano, o tema ganhou repercussão nacional após animadores dos trenzinhos comparecerem fantasiados de super-heróis a uma audiência pública na Câmara Municipal de Fortaleza, para discutirem a regulamentação do serviço.
Após uma série de debates, o projeto de lei depois sancionado foi aprovado pela Câmara, em outubro de 2020.
O que diz a lei?
A lei municipal que dispõe sobre o Transporte Recreativo de Passageiros (TRP) estabeleceu que os veículos devem atender às normas estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e às resoluções do Conselho Nacional de Trânsito. Além disso:
- Nenhum prestador do serviço pode exercer as atividades sem concessão prévia, que tem vigência de um ano;
- O veículo deve trafegar em serviço na velocidade máxima de 30km/h;
- Os veículos só podem transportar crianças de até 12 anos se estiverem acompanhadas por um responsável legal;
- Músicas e animações sonoras devem observar classificação etária, “com o devido decoro;
- Personagens ou animadores são obrigados a usar crachá com foto durante o exercício de suas atividades e a apresentar atestado de antecedentes criminais;
- Animadores ficam proibidos de subir ou se dependurar em muros, fachadas de imóveis, pontes ou viadutos, grades, monumentos públicos, ou realizar qualquer tipo de apresentação que coloque em risco a saúde ou integridade física própria ou de terceiros, bem como de subir ou descer dos veículos em movimento;
- Todo e qualquer dano e/ou acidente, pessoal e/ou patrimonial causado pelos auxiliares são de responsabilidade do autorizatário.
As infrações à lei estão sujeitas a multa de R$1,5 mil (que pode ser dobrada se houver reincidência dentro de 12 meses), além de retenção ou apreensão do veículo.
Dificuldades financeiras
Com a paralisação das atividades há 33 meses, tanto pelo pedido do MPCE como pela pandemia, Jorge Luiz Teixeira explica que funcionários foram demitidos, empresas faliram e os veículos - orçados em mais de R$100 mil - estão se deteriorando sem uso. Ele, por exemplo, está trabalhando como motorista de aplicativo.
Conforme estimativas da Assetrece, os trenzinhos da alegria operam no Ceará há 38 anos; hoje, estão presentes em 39 cidades cearenses, com capacidade de transportar quase 700 mil passageiros por ano e de gerar 2,5 mil empregos diretos e indiretos.
Os donos dos trenzinhos também lamentam que, às vésperas da Semana da Criança, nenhuma autorização tenha sido concedida, já que o período era a esperança de que houvesse um faturamento melhor. “Não sabemos o que dizer aos clientes que entram em contato com a gente”, conta o representante.
Protesto
Na tarde desta quinta-feira (7), um grupo de empresários do ramo se reuniu na Praça dos Estressados, no Meireles, que era um dos principais pontos de concentração dos trenzinhos, para protestar contra a morosidade do processo. Funcionários, vestidos como os personagens das apresentações, levaram cartazes para exigir o retorno às atividades.
Sob a máscara do Homem-Aranha, Lucas Alves, de 22 anos, interage com os pequenos nas janelas de prédios da Avenida Beira Mar mesmo durante a manifestação. “O trabalho no trenzinho era praticamente a minha vida, é o que eu sei fazer: trazer alegria para as crianças e para o público. Em seguida veio a pandemia, não tinha o que fazer e vivo de bicos, mas não suprem a necessidade”, relata.
O jovem deu início ao trabalho como animador há três anos e usava a renda para manter a casa onde mora sozinho. “Depois da paralisação eu não soube o que fazer, porque foi meu primeiro emprego, então tirou o meu chão. Na semana eu trabalhava duas vezes e nos dois dias do fim de semana”, lembra Lucas Alves.
Da mesma forma, a animadora Mirela Nunes, de 26 anos, entrou no mercado de trabalho com as apresentações. “A renda é pouca, mas já ajuda muito dentro de casa, porque dá para pagar água e luz. Desde que eu parei de trabalhar, as coisas ficaram mais difíceis em casa. Meu marido também ficou desempregado por um tempo”.
A falta dos animadores também é percebida pelos clientes, como a dona de casa Elisa Andrade, de 60 anos, que tinha na rotina os passeios com a filha. “Esse período sem o trenzinho está sendo muito ruim para mim, sempre ia com minha filha, era bom ficar fora de casa e esperar porque o pessoal é muito divertido”, destaca.
AUTORIZAÇÃO PARA OS TRENZINHOS:
Existem duas possibilidades para autorização: os trenzinhos permanentes, que devem ter horário e rota pré-determinados, e os de operação específica, como para eventos. Esse último tipo deve ter autorização requerida com, no mínimo, cinco dias. “A Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) deve validar, em conjunto com a Etufor, a rota estabelecida, bem como disciplinar os locais de embarque e desembarque dos Transportes Recreativos de Passageiros”, explica a Prefeitura.
Quanto às vistorias dos veículos, os órgãos municipais exigem parâmetros de segurança previstos na Resolução do Contran No. 813/2020 e da Lei No. 11059/2020. Os requisitos são:
- Constar no Certificado de Registro de Veículo (CRV) e no Certificado de Licenciamento Anual (CLA);
- Ter descrição de carroceria transporte recreativo;
- Possuir tacógrafo;
- Possuir bancos na quantidade suficiente para todos os passageiros com encosto e cinto de segurança, carroceria com material adequado, cobertura fixa ou móvel, com proteção lateral rígida, fixa ou rebatível, e resistência estrutural compatível que evite o esmagamento e a projeção de pessoas em caso de acidente com o veículo;
- Ter degraus para acesso, com apoio para as mãos, bem como cabine e carroceria com ventilação;
- Garantir a comunicação entre motorista e passageiros, entre outros.