“Não adianta só ser eficaz, a hidroxicloroquina tem que ser segura”, diz médico cearense

Médico cearense estuda o uso do remédio em pessoas com Covid-19 e diz que não há efeitos comprovados. Ele reforça a necessidade de seguir investigando

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Foto: Foto: Gerard Julien/AFP

Substâncias como a cloroquina e a hidroxicloroquina são usadas no Brasil para doenças como malária, lúpus e artrite reumatoide. No atual cenário, embora esteja sendo adotada em hospitais para casos de Covid-19, inclusive no Ceará, não há comprovação científica sólida nem sobre a eficácia, nem sobre a segurança do uso para essa nova finalidade.

Diante de um problema complexo, cientistas ressaltam que não há respostas fáceis, tampouco, soluções mágicas. Por isso, para tentar comprovar ou descartar os efeitos da medicação, estudiosos seguem investigando o uso de substâncias já existentes no combate à Covid-19.

No Brasil, uma das pesquisas é feita, desde março, por médicos do Projeto Coalizão Covid Brasil, que reúne profissionais de grandes redes de hospitais, sobretudo, do Sudeste. Dentre os cientistas, está o cearense Remo Holanda de Mendonça Furtado, cardiologista e professor da Universidade de São Paulo (USP) . Ele integra o estudo da Coalização e investiga a eficácia e a segurança do uso de hidroxicloroquina associada à azitromicina em pacientes hospitalizados com coronavírus.

Legenda: O cearense Remo Holanda de Mendonça Furtado é professor da USP e médico do Hospital Albert Einstein

Em entrevista ao Sistema Verdes Mares, Remo explica que os resultados da pesquisa com cerca de 1 mil pacientes em 15 estados do Brasil deverão sair apenas nos próximos meses. Os casos de pessoas internadas no Ceará, tratadas com as substâncias, também foram analisados. O médico ressalta que a hidroxicloroquina e a azitromicina são usadas de forma experimental e a segurança dos pacientes deve preceder qualquer resultado.

Em que consiste a pesquisa que você participa?

O (Hospital Israelita Albert) Einstein faz parte de um grupo que chamamos de Coalizão Covid Brasil, e esse grupo envolve o Hospital do Coração (HCor), o Hospital Sírio-Libanês, a Beneficência Portuguesa de São Paulo, Oswaldo Cruz, o Hospital Moinhos de Vento, o BCRI e a Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva. Temos pesquisa com cloroquina, com corticoide, com vários tratamentos possíveis. E o que nós desenvolvemos primeiro foi a pesquisa da hidroxicloroquina também avaliando a azitromicina. Do início da pesquisa até incluir todos os participantes - nós incluímos cerca de 1 mil pacientes - foram dois meses. Eu trabalho com pesquisa desde 2009, e isso é algo que nunca vi acontecer. Mostra que a comunidade científica está completamente engajada. A pesquisa já terminou de incluir os participantes, mas os resultados a gente ainda vai esperar umas semanas, porque precisamos aguardar a evolução dos quadros clínicos dessas pessoas.

O que a pesquisa tenta responder?

Nesses estudos, o foco é avaliar a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicina (no tratamento da Covid-19). As perguntas foram as seguintes: será que utilizar esses dois medicamentos nos pacientes acelera a recuperação? Será que a taxa de intubação vai ser menor em quem toma o remédio? Será que morrem menos? Esse é o lado da eficácia. E do outro, tem a segurança. Por mais que a hidroxicloroquina tenha um perfil de efeitos colaterais conhecidos, nesta população específica, nunca foi avaliada. A gente precisa ter certeza que os efeitos colaterais dela não serão exacerbados numa condição clínica que ela nunca foi usada.

A pesquisa é com pacientes internados? É no Albert Einstein?

Ela é coordenada por esse grupo amplo, mas ela não acontece só nesses hospitais. Nós tivemos mais de 50 hospitais colocando pacientes na pesquisa. Isso, no Brasil inteiro. Todas as regiões do País foram contempladas, (de forma) que eu diria que é algo de caráter nacional. Essa pesquisa da cloroquina se dividiu em duas. Todas com pacientes hospitalizados. Uma delas incluiu participantes internados na enfermaria e a outra, em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

Tem participação de algum hospital do Ceará ou pesquisador/a?

Sim. Tivemos participantes do Ceará. Tivemos representantes de todas as macrorregiões brasileiras: Norte, Nordeste, Sul, Centro e Sudeste. Foi uma representatividade muito interessante. Tivemos 15 estados participantes. Eu diria que é muito.

Você pode dizer qual o hospital do Ceará?

Nesse momento, o dado é confidencial. Mas ele irá constar quando a pesquisa for publicada.

Qual método é utilizado?

Essa pesquisa tem o desenho mais sofisticado e mais confiável que existe, que é o chamado estudo clínico randomizado. Significa que os grupos que você compara são idênticos. Você não escolhe o paciente que vai tomar o remédio ou não. Você sorteia. E como você sorteia, não tem nenhum outro fator que determina as características do paciente, a não ser o acaso. Os dois grupos, quem toma o remédio e quem não toma, são completamente comparáveis. E comparamos a evolução clínica de quem toma e quem não toma. Nós comparamos dados hospitalares, se o paciente morreu ou não, se foi de alta ou não, se ele precisou de terapias de oxigênio, se estava entubado, se foi extubado.

Os pacientes usam a hidroxicloroquina junto com outros remédios?

Na pesquisa, o objeto é analisar a hidroxicloroquina e sua associação com azitromicina. Então, temos três possibilidades. Ou o paciente não está tomando nenhum dos dois, ou ele só está tomando a hidroxicloroquina ou ele toma a combinação de hidroxicloroquina com azitromicina. Os demais medicamentos, como antibiótico, remédio para dor, ficam a critério do médico que cuida dos pacientes - que também é o médico pesquisador que acompanha o paciente naquele hospital.

A pesquisa é somente com pacientes graves?

Eu diria que é moderada à grave. Se algum médico optou por deixá-lo hospitalizado, a gente já entende que a condição do paciente não é leve. Ela é, no mínimo, moderada. E os que estão na UTI estão na condição grave.

Os pacientes têm ciência? Eles são voluntários?

Esse também é um outro padrão internacional extremamente rigoroso que é exigido. Todo participante, antes de ele participar da pesquisa, é apresentado um documento chamada Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ele só participa se quiser, e ele tem que saber os potenciais benefícios e os potenciais riscos. Uma vez lido, ele assina dizendo que concorda. Se tiver em condição crítica, entubado, quem assina é um familiar do paciente.

Por que existe a hipótese de que essa medicação é uma possibilidade de tratamento?

A hidroxicloroquina é muito conhecida na medicina. É usada na malária, lúpus e artrite reumatoide. Quando surgiu a Covid-19, testes em laboratórios sugeriram que a cloroquina inibia a capacidade do vírus entrar na célula e se replicar. Além disso, a cloroquina é disponível, barata e é usada por via oral. É fácil de tomar. As evidências em laboratório foram animadoras. Mas uma coisa é inibir o vírus dentro do laboratório. Outra, totalmente diferente, é se esse efeito vai se confirmar em seres humanos. Então, para isso é que fazemos os estudos.

Entidades médicas mostram preocupação quanto à falta de evidências seguras do uso da cloroquina. Como você percebe a pesquisa diante da cautela das entidades?

O nosso trabalho é extremamente importante porque buscamos uma resposta para uma realidade que é mundial. Não adianta apenas avaliar se o medicamento é eficaz ou não. Porque eficácia é definir se ele consegue funcionar e melhorar os nossos pacientes. O outro lado da moeda é segurança. A hidroxicloroquina tem potenciais efeitos colaterais e a gente precisa avaliar também se esses efeitos podem atrapalhar o nosso paciente para que ele não corra o risco de morrer da cura. Então, esse posicionamento das entidades médicas é de cautela diante dessas questões.

A cloroquina é utilizada em alguns hospitais nos tratamento da Covid-19. Por que os médicos a utilizam se ela não tem esse finalidade ainda legitimada?

Eu acho que o motivo não é embasado em nenhuma evidência científica sólida. Se pegarmos os documento de sociedades médicas, praticamente todos eles deixam claro que não recomendam o medicamento por não existir evidência. Entretanto, em uma situação como a que estamos vivendo, se você tem uma doença com potencial alto de letalidade como a Covid-19 e você não tem nenhum tratamento comprovado, as pessoas acabam se prontificando a usar algo que pode ser benéfico. Que pode ter efeito, embora não haja nenhuma confirmação disso. É uma aposta.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados