Média de 600 Kg de lixo é retirada do Rio Cocó por mês, em Fortaleza

Quantidade corresponde ao que é recolhido superficialmente, todos os dias, por apenas duas pessoas em 8,5 dos 50Km de extensão do curso d'água; com rio e mar interligados, volume de resíduos sólidos tem impacto em cadeia

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.vom.br
Legenda: Voluntários do coletivo Sabiaguaba Lixo Zero recolhem resíduos do mangue e do Rio Cocó
Foto: Foto: Fabiane de Paula

Fortaleza vai da serra ao mar e do asfalto ao curso d'água em poucos quilômetros, costurada por uma urbe frenética, por gente. Este, aliás, é o problema: a gente. Que produz e descarta irregularmente lixo demais. Sujeira, então, passou a ser componente "natural" das águas. Só do trecho de 8,5 Km do Rio Cocó que recebe limpeza diária (por duas pessoas), é retirada uma média de 20 Kg de lixo por dia. Nos demais rios da Capital, as limpezas são "pontuais", segundo a própria Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema).

O trabalho de manter o Cocó "limpo" é de Francisco de Assis Araújo, tenente reformado da Polícia Militar do Ceará, ex-comandante do Batalhão de Polícia do Meio Ambiente (BPMA) e atual responsável por operar os passeios de barco no Rio Cocó. A contrapartida dele ao Estado para lucrar com a atividade é, junto a um agente da Sema, retirar lixo do curso d'água desde a Avenida Engenheiro Santana Júnior até a região entre Caça e Pesca e Sabiaguaba.

"De segunda a sexta, eu faço manutenção do rio. Todo dia, encontro lixo: o que mais tem é garrafa pet e sacos plásticos, mas também tem pneu, já encontrei bicicleta inteira, carcaça de geladeira, restos de colchão, sofá, peças de carro... Aqui só tem o que não presta", relata, com o misto de desgosto e revolta de quem navega nas águas do Rio Cocó desde os anos 1990 e, portanto, as tem como segunda casa.

Danos

A grande quantidade de resíduos sólidos que sai da água preenche, mensalmente, até 50 sacos plásticos, como confirma o articulador das Unidades de Conservação Estaduais da Sema, Leonardo Borralho. "É uma média, e vemos que a tendência é diminuir. Mas é importante dizer que o rio é aberto e tem fluxo natural, então o lixo pode ser jogado dentro ou fora do parque, perto ou a quilômetros de distância - ele vai chegar ao rio da mesma forma, por falta de zelo".

Os danos aos recursos hídricos e à vida subaquática são presenciados com frequência por Araújo. "Já encontrei peixe morto dentro de saco plástico. Entrou, ficou preso e morreu sem se alimentar. Isso é um exemplo bem simples. Já encontrei socó (espécie de ave) com o bico preso numa tirinha de chinela. Ele pega as coisas com o bico. Pensou que o pedaço de borracha fosse cobrinha d'água. Estava morrendo afogado e consegui salvar. Outro estava com uma estopa enrolada no bico, não conseguia se alimentar. O que o lixo faz é prejudicar animais, aves, peixes", relata o barqueiro.

Outros olhos que se voltam a um dos principais recursos ambientais da cidade, mas de forma independente do Governo estadual, pertencem aos voluntários do Sabiaguaba Lixo Zero, coletivo que realiza limpezas nas águas e no mangue do Cocó. As coletas tiveram início em janeiro de 2017, ano em que foram retirados do mangue quase 795 Kg de lixo. Somando o valor com o montante recolhido em 2018 e 2019, já são cerca de 3 toneladas de resíduos a menos no meio ambiente. Já neste ano, em uma coleta, o lixo somou mais de 188 Kg.

"Os 20 membros do coletivo se reúnem pra fazer a coleta dentro do Cocó, sem ponto definido. A gente tem parceria com um barqueiro e segue rio acima. Feita a coleta, retornamos à Casa Camboa (entidade social da Sabiaguaba) e contabilizamos a quantidade de resíduos sólidos. Não tem como dizer qual é o tipo de lixo, porque tem tudo o que puder imaginar", descreve o pescador e coordenador do coletivo, Roniele Silva, 31, que ressalta, ainda, o objetivo da ação: "educar sobre o meio ambiente e mostrar a importância do nosso território".

Rio vivo

De acordo com o titular da Sema, Artur Bruno, "limpezas e patrulhamento são realizados diariamente para evitar crimes ambientais" como a poluição, mas ainda é necessária a "consciência ambiental". "A Bacia do Rio Cocó abrange dois terços da área de Fortaleza, é o principal rio da nossa cidade. Só no Parque do Cocó, são 20 Km do rio. Precisamos preservar desde a nascente, envolver comunidade, empresários, fábricas e a Cagece para despoluir. Esse rio tem vida, é preciso cuidar dele antes que vire um Tietê, um rio morto", aponta o secretário.

Para isso, segundo detalha Leonardo Borralho, deve ser lançado no próximo semestre o Pacto pelo Cocó, cuja ideia "é fracioná-lo em territórios, para que cada comunidade se sinta empoderada para cuidar, seja 'ecoguardiã' do seu espaço". O articulador da Sema afirma ainda que o projeto "tem eixos temáticos, como saneamento básico e coleta seletiva", a fim de criar um contexto favorável à limpeza dos recursos ambientais. Outra medida em andamento, também prevista para este ano, é a dragagem do Rio Cocó. "É retirar resíduos sólidos, lixo e sedimentos como areia e outros materiais acumulados no fundo do rio, que diminuem a navegabilidade", explica.

Para o Cocó, há esperança. Para outros rios do Estado - como Ceará, Pacoti e Mundaú -, nem tanto. "Algumas dessas áreas são conservadas, outras mais críticas. Fazemos ações pontuais, não tem limpeza periódica como no Rio Cocó. Lá, precisamos fazer isso para o passeio de barco continuar existindo", justifica o articulador das unidades de conservação do Estado.

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