HIV/Aids: 63% dos aposentados por invalidez têm mais de 50 anos
Além da idade, estigma da doença dificulta acesso ao mercado de trabalho. Nova lei dispensa a necessidade de retorno pericial para comprovar a permanência da condição e a manutenção do pagamento do benefício
Desde 1991, uma lei federal previa que a pessoa vivendo com HIV/Aids aposentada por invalidez poderia ser convocada, periodicamente, para passar por avaliação de perícia médica. Contudo, a lei nº 13.847/19, publicada no último dia 19 de junho, dispensa o grupo deste novo exame. No Ceará, o mês de maio terminou com 632 aposentadorias por ativas, de acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Do total, 63% dos beneficiários tinham 50 anos ou mais.
A faixa etária com maior número de segurados por HIV/Aids no Estado tem entre 50 e 54 anos: são 149 pessoas. Em seguida, vêm as 124 que têm de 55 a 59 anos. Outras 104 têm de 60 a 69 anos e, mais 20, acima de 70 anos. Por outro lado, há apenas cinco segurados na faixa dos 25 aos 29 anos, e 11 de 30 a 34 anos.
Ainda de acordo com o levantamento do órgão, 77% dos beneficiados são do sexo masculino - ou seja, 487 homens com o vírus HIV. As 145 mulheres que recebem a aposentadoria por invalidez no Ceará representam os outros 23%. A proposição original da lei justifica que as pessoas aposentadas por invalidez já passaram por períodos recebendo auxílio-doença, atestando a degradação da saúde e a irreversibilidade da condição.
O projeto que baseou a nova lei havia sido vetado pelo presidente Jair Bolsonaro em abril deste ano. O argumento usado pelo Planalto foi de que a regra estabelece uma “presunção legal vitalícia” de incapacidade para as pessoas com HIV/Aids, desconsiderando tanto as características de cada caso como “os avanços da medicina”. Porém, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial e o projeto aprovado foi promulgado.
Vulneráveis
A Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV/Aids no Ceará (RNP+CE) informou que “grande parte” dos mil atendimentos que realiza mensalmente “são de pessoas que, pela sua condição social de extrema vulnerabilidade, buscam, entre outros apoios, informações jurídicas, seja para pleitear benefícios ou recorrer de decisões negativas por realização de perícias médicas junto ao INSS”.
A entidade ressalta que a maioria das pessoas com Aids no Estado vive “em situação de pobreza, fora do mercado de trabalho, e os que conseguiram o benefício há mais de 15 anos não têm como sobreviver com a desaposentadoria”. A declaração faz referência ao pente-fino realizado pelo Governo Federal nos benefícios sociais, em busca de possíveis fraudes previdenciárias no sistema, desde 2016.
Renato da Matta, presidente da Articulação Nacional de Saúde e Direitos Humanos (ANSDH), explica que a descontinuidade da aposentadoria pode comprometer a estabilização da doença. “Quando a pessoa chega no perito, claro que ela está bem por causa da medicação. Mas, quando se corta o benefício, ela não tem mais como se alimentar e nem pegar medicamento num posto de saúde. Então, adoece e volta a transmitir o vírus. Teve gente que foi a óbito por causa disso”, lamenta.
Reinserção
O representante defende que os desafios, a partir de agora, são capacitar os peritos do INSS quanto às diretrizes sobre HIV/Aids e, sobretudo, “devolver o benefício a quem perdeu”. Uma ação civil pública deve ser protocolada para garantir o retorno do pagamento, que varia “quanto maior o tempo de contribuição do segurado e maior o valor mensal de sua contribuição”. Segundo Da Matta, a maioria recebe apenas o salário mínimo.
“Como você consegue recolocar uma pessoa com 50 anos de idade, que está há 20 anos parada, no mercado de trabalho?”, questiona, reforçando a dependência dos segurados ao benefício e o risco de piora da qualidade de vida. “Se você investe em prevenção, economiza em outras áreas. Afinal, é melhor pagar um salário ou os 30, 60 dias que uma pessoa pode passar na UTI?”, provoca.
O presidente da Comissão de Direito Previdenciário e Assistência Social da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), João Ítalo Pompeu, destaca que já existe um entendimento de que o HIV vai muito além da doença.
“Há um estigma social em torno da situação, por isso também deve ser analisada a condição socioeconômica da pessoa. Por mais que o vírus esteja assintomático, ela pode sofrer pelo estigma e ficar fora do mercado de trabalho”, diz.
Contudo, o advogado lembra que a medida só vale para os benefícios que estão em vigor. Novos casos ainda devem passar por avaliação do INSS.