Famílias continuam em risco sob a estrutura de escola centenária

Com a quadra chuvosa intensa, o cenário de abandono e perigo se agrava na Escola Jesus, Maria e José, no Centro. Infiltrações e risco de desabamento afligem as famílias que ocupam o prédio tombado

Escrito por Redação , metro@verdesmares.com.br
Legenda: O pequeno Josué Caleb e sua mãe, Angela, devem ser realocados para outra sala da construção
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

Por entre os buracos e falhas no telhado de madeira e alvenaria da antiga Escola Jesus, Maria e José, o céu azul é visível. Quando chove, os olhos se voltam para o céu com fé que o teto vai resistir. No chão, baldes, vasilhas e colchões empilhados nos cantos dos corredores. Acordar sentindo a chuva é conviver com o medo de ter o teto desabar sob si para cerca de 50 pessoas, sendo pelo menos 20 crianças, que fizeram do edifício tombado um lar. 

Por trás do portão de ferro, um pequeno corredor adornado por pichações leva até o pátio central da antiga escola no Centro de Fortaleza. À direita da entrada, grandes peças de madeira separam uma ala da construção que teve o teto despedaçado. Já diante do pátio, à esquerda, um corredor um pouco mais amplo contorna as salas de aula aposentadas, hoje casa improvisada para as famílias. 

“Eu moro aqui”, indica David, apontando para a primeira porta com todo o entusiasmo da infância. Prestes a completar 5 anos, ele circula livremente pelas salas, como um pequeno “guia” da ocupação. Por trás da porta, três camas colocadas lado a lado em um dos cantos da sala ocultam parte das manchas e rachaduras que denunciam os estragos da chuva. “Tiveram que empurrar os colchões porque aquela parte da parede já estava se despedaçando. Quando chove, aqui é só goteira. A gente corre pra colocar os baldes”, revela Sergiana Nascimento, 35, que mora com cinco filhos e um neto no prédio de 113 anos. 

Na esperança de diminuir a intensidade da água que se infiltrava pelo telhado, Alexandre Holanda, 40, se arriscou ainda mais e foi até o topo da construção para trocar algumas madeiras. “Fiz o que pude. Até ajudou um pouco, mas as goteiras não somem de jeito nenhum”, diz. Segundo ele, sua maior expectativa, assim como de outros ocupantes, é pelo aluguel social do Programa de Locação Social da Prefeitura de Fortaleza. As famílias contam que agentes da Prefeitura de Fortaleza foram lá há quase dois meses, fizeram o registro de todo mundo, mas não deram retorno.

Perigo

Em outra sala mais à frente no corredor, a única iluminação entrava por uma fresta na janela de madeira quebrada. Um colchão acolhia um bebê de 8 meses com características da microcefalia. “É o meu neto, o Josué Caleb. Ele é ‘especial’. Por isso a gente precisa conseguir água mineral pra ele, pra molhar a boquinha dele, porque ele não consegue engolir direito”, diz Sergiana. 

De acordo com a avó do bebê, seu neto deverá ser realocado para a sala ao lado, pois as paredes próximas à cama se deterioram a cada dia. “Morro de medo de cair alguma coisa nele. Deus me livre! É um perigo muito grande aqui”, diz. 

Qualquer possibilidade de cozinhar depende de um pequeno forno elétrico. O gás na ocupação acabou há mais de um mês. “O problema é que quando chove, fica pingando água perto do forninho, aí corre o risco de alguém levar choque”, lamenta Ana Maria Alves, 47, que saiu do bairro Quintino Cunha há um ano fugindo de outros perigos. 

Ana Maria conta que sua antiga habitação passava por alagamentos com frequência. A mulher deixou a morada velha pela precária estrutura da Escola Jesus Maria e José, porém, não conseguiu a desejada segurança. “Aqui não aguenta mais um ano”, avalia.

Bloqueadas por tábuas de madeira, duas salas permanecem desocupadas. As portas foram barradas para evitar que alguma das crianças entre e se machuque. “Há alguns anos, quando ainda ocupavam a sala, o teto caiu em cima de uma criança, que acabou morrendo”, revela Ana Maria. Em outro cômodo, o teto aberto e exposto ao tempo não faz com que água inunde os corredores da Escola.

Mesmo com o risco de desabamento em diferentes pontos da construção, a vigília não é uma opção para as famílias que moram lá. Muitos passam o dia ou a noite na Praça do Ferreira à espera de doações, retornando às 22h. “A gente dorme com fé”, diz Fabiano Gomes, 28, que chegou à Escola há quatro meses. Ele afirma que as preces são para que nenhuma parte da estrutura desabe sobre durante o sono.

A ocupação da construção centenária teve início no início de 2018, quando foi feita, junto com a Defesa Civil, visita técnica alertando as pessoas sobre os perigos de permanecerem no equipamento, prédio que se trata de patrimônio histórico tombado. 

Em dezembro de 2018, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor), pasta gestora do prédio, informou que a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) tinha feito um cadastro inicial de 78 famílias que ocupavam o imóvel, seguida de reuniões para negociar o processo de desocupação, além de acompanhar o preenchimento dos dossiês para que elas fossem contempladas com moradias. 

Na época, a gestão municipal informou que a Secretaria das Cidades direcionaria as famílias para conjuntos habitacionais. Nenhum prazo foi informado. Há famílias que estão há mais de um ano na ocupação. 

O prefeito Roberto Cláudio chegou a anunciar intervenções emergenciais de contenção estrutural e obras de reparos, em agosto do ano passado, quando reconheceu que "o prédio tem risco de desabamento". 

A reportagem demandou a Secultfor e a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) sobre levantamento de famílias vivendo no edifício, cadastro das famílias que aguardam o Aluguel Social e datas de encaminhamento para conjuntos habitacionais, mas não obteve nenhuma das respostas até o fechamento desta edição.

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