Dia das Mães na pandemia: "nesse caos do mundo, o bebê é uma luz"
O plano era simples: casar, se preparar e engravidar ao fim de 2020. Depois, viria o chá de fraldas, com a casa cheia de amigos e familiares para celebrar a nova vida prestes a chegar. As mudanças começaram quando Bernardo Davi se instalou no ventre um ano antes do previsto, ainda em 2019.
Hoje, a cerca de um mês de vir ao mundo, o pequeno é o centro dos cuidados - e da força - da mãe, Juliellen Cavalcante, 28, em meio à pandemia do novo coronavírus.
Gestantes e puérperas (mulheres até 45 dias após o parto) tornaram-se grupos de risco da Covid-19 apenas em abril, dois meses após a confirmação do primeiro caso da doença no País - o que acendeu ainda mais o alerta para a mãe de primeira viagem.
"Antes, eu ia pro supermercado, hoje já não vou mais. Faço a lista e meu esposo compra. Tô evitando sair, porque, como já tô na reta final da gravidez, tenho que tomar o máximo de cuidado por conta do parto", aponta Juliellen.
A chegada repentina da pandemia ao Ceará foi "um baque" que frustrou os sonhos que tinha para o primogênito. "É muito difícil pra mim não estar com os amigos. Minha rotina era bem agitada, e agora não tô podendo ver mais meus tios, minhas primas, sair pros locais aos quais sempre saí. Às vezes, isso acarreta até uma crise de ansiedade. Na gestação, como os hormônios já estão à flor da pele, são desencadeadas outras coisas", comenta.
O aperto no peito, físico e simbólico, alivia diante da companhia da própria mãe, que, por morar ao lado, tem acesso livre a Juliellen.
"É meu primeiro Dia das Mães como mãe, e, graças a Deus, vou poder estar perto da minha, abraçar, beijar. Poder estar com ela em meio a isso tudo não tem preço. É meu primeiro filho, então é tudo novo, mágico, mas ao mesmo tempo assustador. Veio em um momento difícil, mas a gravidez é como se fosse um conforto. Em meio ao caos que tá no mundo, o bebê vai ser uma luz", declara-se, com um mar de preocupação e de fé nos olhos ao revelar o maior desejo atual: "que ele venha com saúde".
Presente
O anseio é exatamente o mesmo da autônoma Danelina Silveira, 25, cujos últimos momentos da gestação já foram permeados pelas tensões da pandemia. Lorenzo nasceu no dia 25 de março, um dia depois da confirmação do primeiro óbito por Covid-19 no Ceará.
"Meu parto foi normal, e como eu queria que fosse assim, cheguei a ir pra maternidade quatro vezes, com muito medo. Na quarta, consegui ter, e fiquei muito receosa de ficar internada, de ter que ser cesárea. Graças a Deus que no dia seguinte eu já tava em casa", relembra.
Se antes o isolamento e a higiene já eram rígidos, ambos foram reforçados após a chegada do pequeno. Até agora, de fora de casa, só a avó paterna conheceu Lorenzo pessoalmente. "Porque ela realmente queria muito ver, era muito importante. Mas ela veio de máscara, usando álcool em gel. E estava em isolamento, então tomou todos os cuidados", justifica Danelina, que também mora com a mãe - tendo celebração garantida neste segundo domingo de maio.
"Vamos comemorar juntas, porque ela tá comigo o tempo todo. O maior presente que eu poderia receber eu já tenho, que é meu filho. É uma bênção de Deus, não quero nada a não ser a saúde dele".
A companhia dos pais, aliás, é o que tem conferido à empresária Bruna Nascimento, 26, um pouco mais de tranquilidade para receber Gabrielly - que, há nove meses no ventre, pode chegar "a qualquer momento", inclusive enquanto você lê este texto.
"Tenho estado muito ansiosa, e tô 100% de quarentena. Não saio pra nada, só pra fazer o pré-natal. Quando descobri a Gabi, morava sozinha, agora moro com meus pais. Se eu tivesse sozinha, já tinha ficado louca. Mas nem com eles tenho muito contato, meu quarto é mais afastado", explica.
Mais de 7 mil crianças nasceram em Fortaleza desde março, quando a covid-19 chegou ao Ceará. Só em maio, mês das mães, foram 220. Os dados são da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), registrados até as 20h de quinta-feira (8).
Gabi é a primogênita de Bruna, cuja vida, antes, era dedicada a "trabalho e faculdade" - e agora, de quarentena, "100% do tempo é pra gestação, o que é bem estranho". "São vários sentimentos: é ansiedade, é amor? Não sei explicar, acho que ainda vou ter noção do que é viver o Dia das Mães estando do outro lado", emociona-se a empresária, que se recusou a fazer o chá de fraldas da bebê de forma virtual, como os amigos sugeriram.
"Adiei duas vezes, até que começou o isolamento. Online é bom, mas não é igual estar todo mundo junto, conversando, brincando, tirando foto. Espero que tudo isso passe logo".
A esperança, que insiste em se sobrepor às tensões, é típica de quem está vivendo não um plano - mas, literalmente, um sonho.
"Minha insegurança maior é pela saúde dela, que já vai vir muito exposta. Os primeiros meses, apesar de estar em casa, vou ter que levar pra tomar vacina? Eu mesma vou ser uma exposição pra ela. Mas o que me dá força pra ter ela aqui, pra fazer tudo por ela, é por ser a primeira. Por ser muito desejada, apesar de não planejada. Eu já tinha sonhado com tudo, exatamente como está sendo agora: que minha primeira filha seria uma menina. Ela chegou de surpresa, mas espero que tenha vindo pra melhorar as coisas".
Autocuidado para poder cuidar
O ginecologista e obstetra Zeus Peron, chefe da emergência da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac), aponta que a chegada de gestantes com síndromes gripais ou respiratórias às unidades de saúde do Ceará tem sido constante.
O Ceará, aliás, já registra duas mortes por covid-19 em que a “comorbidade” é registrada como “puérpera” – ou seja, mulher que deu à luz há no máximo 45 dias.
Assim, é fundamental redobrar as precauções, como o respeito ao isolamento social. “Elas devem respeitar ao máximo, mas manter as consultas pré-natais. Tanto postos de saúde como consultórios particulares têm arranjado maneiras de garantir o isolamento dessas pacientes”, pontua, destacando também a importância do uso da máscara de proteção.
Enquanto o distanciamento cuida, por um lado, da saúde física; é preciso cuidados e atenção para manter a mente sã em um período tão delicado. “Nesse momento de gravidez e no período puerperal, existem algumas alterações psíquicas naturais.
Em um cenário de isolamento social, os riscos aumentam. Por isso que o suporte da família e das unidades de saúde são muito importantes”, avalia Dr. Zeus, destacando principalmente a situação das “mães de primeira viagem, que ficam mais inseguras e receosas”.
Uma solução, segundo o médico, é recorrer à tecnologia para aliviar os fardos da distância.
“O que eu falo sempre é: tire foto do neném, mande pra família, diga que está bem, com saúde, e postergue as visitas. Quanto à família, não precisa dar um abraço agora. Pode dar um abraço virtual, dar bom dia, boa tarde, boa noite – assim, a mulher não vai se sentir só.”