Depressão e ansiedade ultrapassam transtornos por uso de drogas em demandas por auxílio do INSS

Em 2016, 2017 e 2018, transtornos mentais por uso de drogas eram a demanda mais frequente entre os pedidos por auxílio ao INSS. Nos anos seguintes, episódios depressivos e de ansiedade tornaram-se mais comuns, inclusive durante a pandemia

Escrito por Barbara Câmara , barbara.camara@svm.com.br
Legenda: A partir de 2019, as demandas motivadas por episódios depressivos se tornaram mais comuns.
Foto: Natinho Rodrigues

Há três anos, a demanda por concessão de auxílios-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez relacionadas a doenças mentais no Ceará tinha um fator comum que se repetia como o mais frequente. Trata-se do transtorno por uso de drogas e outras substâncias. Em 2019 e 2020, porém, os casos de depressão e ansiedade passaram a predominar, conforme registros do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).  

A condição identificada na Classificação Internacional de Doenças (CID) como ‘transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas’ motivou o maior número de pedidos por auxílio nos anos de 2016, 2017 e 2018, consecutivamente. No ano seguinte, as demandas motivadas por episódios depressivos se tornaram mais comuns. Já em 2020, a principal causa para os pedidos ao INSS no Estado, entre doenças mentais, foi o transtorno misto ansioso e depressivo.  

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“Ter diminuído o número de demandas ligadas ao uso de substâncias pode ser em função do próprio lockdown e das restrições para ter acesso aos bares e restaurantes. Se pensarmos sobre o Carnaval agora, por exemplo, provavelmente vai ter um número bem menor de acidentes de trânsito, por exemplo. Mas por que? Porque tudo vai estar fechado”, pondera o psicólogo João Ilo Barbosa, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).  Segundo ele, “o fator estressante da pandemia deve ter afetado, é provável que as pessoas tenham se queixado do isolamento, de atritos, pessoas. E isso pode refletir no número de doentes mentais”.  

O terapeuta descreve que transtornos ligados ao uso de drogas e outras substâncias podem e estão frequentemente ligados à ansiedade e à depressão, funcionando, por vezes, como uma válvula de escape. Por ter dificuldade em lidar com uma situação, o paciente se volta ao uso de substâncias em busca de um alívio temporário.  

Múltiplos transtornos  

“Tirando o abuso de substâncias, o segundo mais frequente é o transtorno de ansiedade. Ansiedade generalizada, fobia social, transtorno do pânico, e por aí vai. Nesse sentido, existem estudos que mostram a efetividade das terapias, principalmente as comportamentais”, acrescenta Barbosa.  

O psiquiatra Fábio Gomes, do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), observa que não são raros os casos em que o paciente convive com dois ou mais transtornos dessa natureza, seja em um quadro de depressão com uso de drogas, ou ansiedade com uso de drogas. Segundo ele, para pedir o auxílio, uma das condições é apontada como o motivo principal, mas o diagnóstico não necessariamente se limita a ela.  

“Esses dados referem-se a uma ‘fotografia’ da vida de uma pessoa em um determinado momento. Mas se você analisar o restante das ‘imagens’, pode ter a mesma pessoa em vários desses anos de auxílio. Em outras palavras, muitas dessas pessoas que estavam de licença em um ano, estão de licença no ano seguinte. E, às vezes, por um outro motivo que já existia mas não era tão relevante clinicamente”, explica.  

Gomes constata que o trabalho pode ser uma excelente ferramenta de reinserção social para pessoas com doenças mentais. Aos pacientes, contudo, é direcionado um olhar de “discriminação” ao invés de proteção. E a pandemia foi um fator influente para que os casos de ansiedade e depressão superassem, em número, os de transtorno por uso de drogas e outras substâncias.  

“Se já existe essa quantidade enorme de pessoas pedindo auxílio por transtorno mental, por que não tentar fazer com que essas pessoas acreditem na possibilidade de serem reinseridas no mercado de trabalho através de programas específicos, que possam protege-las?”, questiona o psiquiatra.  

Em relação ao agravo psicológico provocado pelo coronavírus, ele reforça que os pacientes devem, antes de tudo, não se apavorar. A chegada da vacina e as expectativas geradas sobre ela podem servir como um conforto, e continuar seguindo as medidas sanitárias é o necessário para “fazer a sua parte”.   

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