Covid-19: taxa de letalidade é até 18 vezes mais alta na periferia
Maior proporção de mortes em relação ao número de casos confirmados é registrada no Conjunto Ceará II, onde quase sete a cada dez confirmações da doença evoluem a óbito; isolamento social é maior desafio para frear doença
Fortaleza assistiu à chegada do novo coronavírus pelas portas do Meireles e da Aldeota, os dois bairros mais ricos da cidade, que já somam 3.112 casos e 118 mortes pela Covid-19. Aos poucos, com o movimento de quem vive no solo pobre e trabalha no rico, a doença migrou às periferias, que hoje, com quase cinco meses de pandemia, concentram as maiores taxas de mortalidade pelo Sars-CoV-2 - índice até 18 vezes maior do que na área nobre da Capital.
De acordo com boletim epidemiológico da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o Conjunto Ceará II é, atualmente, o bairro com maior taxa de letalidade pela Covid-19: a cada dez casos confirmados, mais de sete (73%) evoluem a óbito. Até dia 31 de julho, levantamento mais recente, haviam sido registradas 63 confirmações e 46 mortes pela doença pandêmica.
Atrás de um dos dígitos está Francisco Alencar, que faleceu aos 56 anos por complicações causadas pela Covid-19. A analista de dados Brenda Alencar, 26, sobrinha-neta dele, relata que o processo entre o aparecimento dos primeiros sintomas "foi muito rápido, cerca de 15 dias". "Ele não queria ir pra nenhuma unidade de saúde, com medo de piorar. Ficou em casa, se tratando, até que um dia teve um desmaio e foi levado para UPA. De lá, já se internou e foi isolado. Até que foi transferido pro HGF (Hospital Geral de Fortaleza), entubado e veio a falecer".
Taxas
O bairro Floresta, na Regional I, detém a segunda maior taxa de letalidade pelo novo coronavírus: por lá, quase metade dos que contraíram a doença morreram. Foram 108 casos confirmados até 31 de julho, dos quais 51 resultaram na morte das pessoas infectadas - Fernando Antônio Lima, aos 53 anos, foi uma das vidas perdidas. Conforme a filha Jéssica Rodrigues, 29, o pai contraiu o novo coronavírus no hospital público onde estava internado para tratar complicações da diabetes. A última dos filhos a ter contato com o pai em vida, antes do isolamento, foi Jéssica - que, junto aos irmãos, precisou conseguir uma autorização para acompanhar o sepultamento de Fernando. "Quisemos fazer o velório, mas disseram que não podia, porque era Covid. Foi tudo muito rápido", diz a dona de casa.
A mesma lacuna acompanha até hoje a educadora física Júlia Rocha, 23, mais de quatro meses depois da morte do pai, Francisco Lima Ribeiro, de 73 anos, pela Covid-19. "Ele chegou a ir para UPA um dia antes de falecer. O sepultamento foi o pior momento, porque a gente não se despediu. Me arrependo muito de não ter dito, antes de ele ir, pelo menos que eu amava. Não imaginava que ia acontecer isso, meu pai sempre foi um homem forte", emociona-se.
A jovem relata que, após a partida do pai, a mãe e o irmão mais velho apresentaram sintomas graves. "Eles ficaram muito doentes, mas não levamos pro hospital por medo de acontecer o mesmo. Só tinha eu saudável. Acredito que eu fiquei assintomática", deduz Júlia. A família entrou nas estatísticas do Grande Mondubim, do qual um dos territórios, o Novo Mondubim, está na lista das dez maiores taxas de mortalidade pela Covid-19: dos 126 casos confirmados, 36 (28,5%) resultaram em óbito, conforme a SMS.
Fatores
Desde maio, conforme monitoramento semanal da SMS, os dez bairros com mais mortes pelo novo coronavírus estão na periferia de Fortaleza, ao contrário do momento inicial da pandemia. Hoje, a Regional II, que inclui Meireles e Aldeota, por exemplo, é a que possui mais confirmações (quase 9 mil) - mas é a Regional V, de bairros como Conjunto Ceará e Bom Jardim, que concentra os maiores quantitativos de mortes pela virose pandêmica.
A pesquisadora Alesandra Benevides, professora do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP) em Sobral, pontua que pessoas mais pobres ou em situação de rua são mais expostas ao vírus e, consequentemente, mais prejudicadas - mas alerta que "essa maior exposição tem algumas pré-condições", como condições precárias de moradia, de higiene, renda informal e dependência do Sistema Único de Saúde (SUS), sobrecarregado na pandemia.
"Quando existe moradia, é pequena, as pessoas não aguentam ficar dentro de casa, vão pra rua. Além disso, é uma moradia adensada, e muitas vezes está em local menos atendido pelo saneamento básico. Como lavar a mão sem água? E há também questões de renda. A população mais vulnerável faz o bolo, a garrafa de café, e precisa ir pra rua vender", pondera Alesandra.
Questionada sobre as medidas de prevenção e assistência em saúde direcionadas à periferia durante a pandemia, a SMS mencionou a criação do Centro de Acolhimento e Isolamento Social (CAIS), cujo objetivo é "quebrar o ciclo de contágio e diminuir a circulação viral". O CAIS tem capacidade para 200 residentes, em estrutura com dormitórios, serviço de alimentação, lazer e acompanhamento em saúde, como explica a titular da SMS, Joana Maciel. "Um dos desafios é garantir o isolamento domiciliar daquelas pessoas que estão com sintomas respiratórios, com Covid-19, e não têm necessidade de internação. Fazer o isolamento dessas pessoas é fundamental para evitar a propagação do vírus".
Como a Covid-19 avançou da área nobre à periferia:
22 de abril – 17ª semana epidemiológica
10 bairros com mais casos:
Meireles - 238
Aldeota - 189
Cocó - 86
Dionísio Torres - 55
Fátima - 53
Guararapes - 48
Mucuripe - 47
Vicente Pinzon - 42
Vila Velha - 40
Passaré - 38
10 bairros com mais mortes:
Vicente Pinzon - 9
Meireles - 8
Barra do Ceará - 7
Cais do Porto - 7
Granja Lisboa - 7
José Walter - 7
Fátima - 6
Cristo Redentor - 5
Jangurussu - 5
Centro - 5
Enquanto isso, no Ceará...
17.187 casos confirmados
4.359 pacientes recuperados
371 óbitos
13.106 casos em investigação
23.163 exames realizados
• 74,63% das UTIs ocupadas*
• 52,36% das enfermarias ocupadas*
*Dados de 29 de abril, quando o monitoramento passou a ser disponibilizado no Integra SUS
22 de maio – 21ª semana epidemiológica
10 bairros com mais casos:
Meireles - 638
Aldeota - 461
Barra do Ceará - 424
Messejana - 364
Jangurussu - 337
Mondubim - 288
Passaré - 266
Conjunto Ceará - 250
Bom Jardim - 259
Papicu - 257
10 bairros com mais mortes:
Barra do Ceará - 71
Cristo Redentor - 43
Vicente Pinzon - 45
Vila Velha - 43
Mondubim - 42
Carlito Pamplona - 35
Cais do Porto - 33
Meireles - 33
Granja Lisboa - 32
São João do Tauape - 30
Granja Portugal - 30
José Walter - 30
Enquanto isso, no Ceará…
76.295 casos confirmados
35.737 pacientes recuperados
3.698 óbitos
35.213 casos em investigação
111.992 exames realizados
• 90% das UTIs ocupadas
• 73,62% das enfermarias ocupadas
26 de junho – 26ª semana epidemiológica
10 bairros com mais casos:
Meireles - 1391
Aldeota - 1179
Messejana - 1031
Barra do Ceará - 823
Jangurussu - 669
Mondubim - 587
Passaré - 581
Conjunto Ceará - 576
Centro- 572
Bom Jardim - 539
10 bairros com mais mortes:
Barra do Ceará - 119
Vila Velha - 93
Granja Lisboa - 80
Vicente Pinzon - 79
Mondubim - 75
Cristo Redentor - 68
José Walter - 67
Centro - 62
Messejana - 61
Bom Jardim - 58
Enquanto isso, no Ceará…
139.530 casos confirmados
102.040 pacientes recuperados
6.447 óbitos
55.374 casos em investigação
298.775 exames realizados
• 73% das UTIs ocupadas
• 46,85% das enfermarias ocupadas
31 de julho – 31ª semana epidemiológica
10 bairros com mais casos:
Meireles - 1673
Aldeota - 1439
Messejana - 1278
Barra do Ceará - 1005
Jangurussu - 774
Centro - 745
Mondubim - 727
Passaré - 710
Conjunto Ceará I - 709
Bom Jardim - 660
10 bairros com mais mortes:
Barra do Ceará - 123
Vila Velha - 107
Granja Lisboa - 89
Vicente Pinzon - 88
Mondubim - 81
José Walter - 78
Cristo Redentor - 76
Centro - 73
Messejana - 69
Bom Jardim - 65
Enquanto isso, no Ceará…
174.662 casos confirmados
145.637 pacientes recuperados
7.692 óbitos
78.020 casos em investigação
465.216 exames realizados
• 69,6% das UTIs ocupadas
• 40,3% das enfermarias ocupadas