Como serão as festas de fim de ano em um 2020 de pandemia
Mesmo em família, reuniões em ambientes fechados oferecem potencial risco de disseminação da Covid-19, principalmente entre os idosos; psicólogos apontam que celebrações serão afetadas por luto coletivo
O desejo geral é de que 2020 acabe. O ano pandêmico foi, de fato, pesado. Tem sido. Até agora, centenas de milhares de cearenses adoeceram de Covid-19, outros milhares morreram pela doença. Sem contar com o Brasil. Com o mundo. A esperança, então, é de que as reuniões de Natal e Réveillon amenizem as dores e recebam o ano vindouro, que há de ser melhor. Mas os casos do novo coronavírus têm aumentado novamente. Os leitos estão sendo ocupados de novo. Tudo piorou. De novo. O quê e como celebrar?
Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste são unânimes ao afirmarem que as festas de fim de ano não devem ser realizadas em 2020, ou pelo menos não nos moldes tradicionais. Para o médico infectologista Ivo Castelo Branco, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Famed/UFC), o atual cenário de crescimento dos casos de Covid-19 no Estado resulta dos danos cumulativos que feriados e eleições representaram diante da pandemia, e que as aglomerações natalinas podem se somar a eles numa segunda onda.
"Infelizmente, aumentamos a circulação do vírus na nossa região, decorrente dos comportamentos das pessoas nos feriados de 7 de setembro e de 12 de outubro. A repercussão das atitudes incorretas veio de duas a quatro semanas depois, coincidindo com as campanhas políticas, com a abertura das escolas. E isso vai repercutir por volta do início de dezembro, coincidindo com as compras de Natal, as festas, as férias. Deveria haver proibição governamental para essas festas comunitárias", avalia Ivo.
Familiares de outras cidades devem permanecer de máscaras
Outra tradição que amplia os riscos das reuniões familiares é a viagem de parentes do interior para Fortaleza - ou da Capital aos outros municípios - para participar das celebrações. "O fato de vir gente de fora pode tanto trazer como levar o vírus de volta. O ideal é que quem vem de outro local fique sempre de máscara. E que todos os reunidos também usem, assim como higienizem as mãos com álcool, evitem dar as mãos, abraçar, beijar, e deixem sapatos fora de casa. Em resumo, sigam todas as etiquetas sociais da Covid", lista o médico.
Na análise do infectologista Roberto da Justa, também docente da Famed/UFC, a percepção das pessoas sobre as reuniões familiares deveria ser muito clara: a de adiá-las. "Quem tem acompanhado o andamento da pandemia deveria evitar essas festas. Reunir numa casa, um ambiente fechado, mais de 10 pessoas já é uma situação de altíssimo risco. As pessoas de idade, então, são as mais vulneráveis. Recomendo que se evite tanto Natal como Ano Novo. Deve haver reuniões pequenas, no seu próprio grupo familiar, que já mora junto. Estamos próximos de uma vacinação, ser resiliente e esperar um pouco pode ser transformador", salienta.
O médico alerta ainda que os riscos oferecidos pelas festas poderão cruzar a fronteira e atingir 2021 em cheio. "Já estamos tendo número maior de casos, é notório. O número de internações em Fortaleza aumentou, com casos graves. É provável que a mortalidade também aumente. Daqui pro fim do ano, se não houver consciência da preservação da vida, se realmente embarcarem nessa tradição de ida aos shoppings, ao Centro, às compras e às festas, os números de casos e de mortes, que já estão em ascensão, aumentarão mais ainda", frisa Roberto da Justa.
Reuniões em ambientes abertos
Para as famílias que, mesmo diante do perigo de contaminação pelo novo coronavírus, vão manter as festas de Natal e Réveillon, o infectologista recomenda "dar preferência a reuniões em ambientes abertos, com grande circulação de ar", além de todas as já conhecidas medidas sanitárias. "Além da questão dos riscos, acho que a humanidade precisa refletir um pouco sobre os valores. As pessoas neste fim de ano devem agradecer pela vida e homenagear os mortos", opina o médico.
Na família de Ladice Nogueira, 60 anos, as reuniões natalinas são típicas de novela, em que dezenas de pessoas se juntam para comer, trocar presentes e celebrar, tudo na casa da matriarca, de 94 anos. Neste ano, porém, vão ser só os mais chegados, na faixa de umas 30 pessoas.
"Não vai ser a festa grande de sempre, que era com a família toda e vários agregados. Vai ser um jantar rápido, com o mínimo de pessoas. Geralmente, vem gente de fora. Dessa vez, não", reforça.
Já entre os parentes de Natiara Lima, 23 anos, a celebração que juntava 50 familiares e amigos no sítio dos avós vai se resumir a seis pessoas: ela, o namorado, a mãe, o pai, o irmão e uma tia, dentro de casa.
"Nós estamos de quarentena quase que total. Natal é uma das datas mais marcantes e esperadas do ano pra minha família, mas não vamos nos encontrar", lamenta. Apesar da tristeza e da saudade certas, a universitária é enfática: "tá todo mundo vivo e com saúde, essa é uma adversidade que vai passar, e nos reuniremos em 2021".
Psicóloga recomenda equilíbrio entre celebração e responsabilidade
A psicóloga Aline Damasceno reconhece o desejo das famílias de estarem reunidas na fraternidade natalina, mas observa que, diante de um período atípico, é necessário encontrar um equilíbrio entre as necessidades pessoais e a responsabilidade coletiva.
"Vivemos um momento ímpar, precisamos estar mais abertos, refletir sobre as nossas ações. Quem está distante ou ainda não se sente seguro para estar com os outros pode fazer uma ligação, mandar uma carta, recurso tão esquecido. Pensar formas de cuidar da saúde mental para não se sentir sozinho, e cuidar do outro também", avalia.
O fato de que "precisamos do outro para nos humanizar" reflete na ansiedade da população pelas festas de fim de ano, sobretudo no 2020 de pandemia e distanciamentos, segundo analisa o também psicólogo Álvaro Rebouças, professor do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza. Se, naturalmente, o Natal carrega nas luzes e símbolos o sentido de fraternidade e união, os próximos dias 24 e 25 de dezembro devem aflorar esses sentimentos de modo ainda mais intenso.
"As festas familiares neste ano vão ser difíceis, porque não terão o sentido de comemoração, mas de aproximação dos seus. De união. Porque 170 mil pessoas faleceram, e muitos estarão lidando com essas perdas recentes, com o processo de aceitação", pondera Álvaro, destacando que ainda há pessoas que se sentem inseguras na presença do outro. "O significado de estar próximo é não só desenvolver empatia, como também o pertencimento a um grupo, uma família. Mas essa segurança só retornará totalmente com a vacina", sentencia.