"Com a constatação dos prejuízos à educação, sairemos mais fortes", diz vice-governadora do Ceará

Nome experiente na gestão da educação, Izolda Cela cita pontos fracos e fortes do Estado ao tentar minimizar impactos da pandemia a estudantes mais vulneráveis

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Vice-governadora Izolda Cela durante o Forum Estadual de Mediação, Justiça Restaurativa e Cultura de Paz
Foto: Fabiane de Paula

Um dos pilares da sociedade mais comprometidos durante a pandemia, sem dúvidas, foi a educação. Com um Ceará ainda despreparado para o ensino remoto, estudantes, principalmente da rede pública, têm enfrentado dificuldades para conseguir o melhor acesso possível ao direito básico. As consequências negativas, porém, são certas, e exigem preparo para impedir retrocessos, como avaliou Izolda Cela, vice-governadora do Ceará, em entrevista ao Sistema Verdes Mares. A gestora falou ainda sobre volta às aulas e sobre como o ensino remoto deve ser consolidado para ampliar o tempo integral.

Quais os principais pontos fortes e fracos do Ceará na adaptação da rede de ensino durante a pandemia?

Sempre tivemos como foco procurar minimizar os prejuízos que os alunos têm em função dos problemas de desigualdade social, de pobreza. Vemos facilmente como muitas famílias são impactadas por isso. A pandemia nos colocou, de imediato, frente à frente com mais uma problemática: a conectividade. Parte importante dos alunos ficou fora de conexão. Levantamento da Secretaria da Educação mostrou que cerca de 25% deles não tinham conexão, e outro percentual até tinha, mas não era ideal para acompanharem o programa de ensino remoto. É um dos pontos que está sendo enfrentado.

O que o Estado ofereceu e o que ainda não foi possível garantir na Educação?

Essa questão da conectividade dos alunos entrou definitivamente na pauta, tanto pela necessidade da continuidade dos estudos como para nosso retorno à normalidade. A Secretaria da Educação (Seduc) está com ações em andamento para dar apoio aos alunos da Rede, para que tenham a possibilidade de conexão, e para fazer disso uma ferramenta complementar definitiva. Imagine o aluno que vai para o turno dele de aula em escolas que não são de tempo integral, que são a maioria, e no outro turno vai poder lançar mão de uma ferramenta à distância, com professor tirando dúvidas, com o programa especial de estudo e reforço. É essa dinâmica que a Seduc está se preparando para garantir o mais breve possível. Seria o ensino integral híbrido.

O ano de 2020 teve perdas muito importantes, apesar de todos os esforços. Temos um percentual de alunos que está mais prejudicado, a ausência da atividade presencial é um fator de impacto negativo. Então precisamos pensar para 2021 e até 2022 com um olhar diferenciado em relação ao currículo e ao programa de ensino. Tudo isso vai exigir mais atenção e mais acompanhamento. O retorno presencial é um capítulo à parte, está sendo preparado sem pressa e com todo o zelo que a matéria impõe. É possível que haja um grupo de estudantes que não deva voltar presencialmente, a ele precisa ser garantido o estudo remoto.

O CE vinha crescendo na educação básica, sendo referência nacional. Como a pandemia afeta isso?

Tenho muita apreensão com relação a isso. Nós vínhamos num ritmo de crescimento: não temos resultados maravilhosos, estamos longe da escola que precisamos entregar para crianças e jovens cearenses, mas não só no Estado como também nos municípios temos esse movimento notado, somos referência. Essa interrupção, para mim, dá uma dor. Na rede estadual, tivemos um decréscimo importantíssimo no abandono, estávamos em torno de 6%. Ainda é grave, claro. Mas que tipo de impacto esse cenário pode ter causado na vida de alguns estudantes?

O que fazer para que a evasão escolar não cresça?

Muitas coisas na vida dos jovens, às vezes, funcionam como uma correnteza contrária, que puxa e tira os meninos da escola. Tem coisa que a gente não tem força de resolver de forma imediata, mas temos uma margem importante em que podemos agir, que é dentro da escola. Não tenho dúvida de que quanto mais a escola é capaz de vincular os seus alunos, de mostrar para eles que são importantes, que a escola está ali para ajudá-los a realizar um projeto de vida, mais é fundamental para reduzir abandono.

Não tem nada mais desestimulante para o jovem do que ele estar ali sabendo que não está aprendendo nada, aquilo não faz sentido para ele, que não consegue acompanhar. É diferente quando ele tem outro movimento: uma escola boa, que garante o acompanhamento. Temos um programa na rede estadual que eu acho muito interessante, inspirado numa experiência de Portugal, que é o Professor Diretor de Turma. Isso dá à escola a capacidade de acompanhar mais diretamente a situação dos seus alunos, inclusive os contextos familiares. É fundamental para reduzir o abandono. É o que os professores estão tentando fazer agora, manter o vínculo, mandando mensagem e fazendo o possível para que eles não desistam, no ensino remoto. Nós sabemos o risco que significa menino fora da escola: os estudos relacionados à violência mostram que o envolvimento da juventude tem uma relação importante com a saída da escola.

O abandono, mesmo que aconteça no ensino médio, começa a se formar no ensino fundamental, quando começa o enfraquecimento do vínculo. Então, os municípios também precisam fazer a sua parte e nós vamos ter condição, a médio prazo, de salvar nossa juventude de problemas tão graves como a gente assiste.

Que estratégias o Estado deve adotar para o retorno às aulas presenciais?

A rede estadual está com seu plano de retorno, mas ainda não temos data. Estamos preparando questões relacionadas às infraestruturas: escolas que tenham um fornecimento de água bem regular, porque alguns territórios enfrentam problemas com isso, voltam primeiro. O percentual autorizado para retorno será, provavelmente, de até 30% da capacidade, mas a escola pode, por algum motivo, começar com percentual menor. Há adaptação necessária com relação à quantidade de lavatórios para higienização das mãos, tótens de álcool, sinalização dos fluxos de deslocamentos da escola, reorganização das salas para garantir o distanciamento. A Seduc já está adquirindo Equipamentos de Proteção Individual, como máscaras e proteção facial para professores e todos da escola.

A (Secretaria da) Saúde fará e já está fazendo inquéritos permanentes, para verificar algum sinal de risco e notificar imediatamente alguém com sintomas. A pessoa é imediatamente testada e, sendo positivo, todos os que tiveram contato com ela também serão testados, para fazer um cerco contra o risco de disseminação. Outra coisa é conhecer o perfil das pessoas. Em torno de 23% dos professores não poderão voltar de imediato, porque são dos grupos de risco. A ideia é que voltem os alunos do 3º ano do ensino médio, em primeiro lugar, pelos motivos óbvios. Eles estão finalizando os estudos e vão fazer o Enem. Os que se sentiram prejudicados e precisam de reforço nos estudos para tentar novamente, se não obtiverem sucesso no Enem e outros vestibulares, terão esse apoio.

Como vai ser feita a testagem? Já há planejamento?

A programação é disponibilizar turnos nos locais de testagem dedicados aos professores e aos servidores das escolas, para evitar aglomerações. Inicialmente, a Saúde pensou, e isso será feito em algumas escolas que tenham essa condição, de treinar gente da própria unidade para fazer a coleta. Mas para boa parte das escolas isso não é tão simples, porque requer espaço especial e disponibilidade de pessoas com aquele perfil, coisas que não permitiram que essa fosse uma medida adotada em larga escala.

Como avalia que o sistema público de educação vai sair dessa pandemia?

Com todas as preocupações e a constatação de possíveis prejuízos, tenho uma percepção de que podemos sair mais fortes. Com o chamado "legado", a parte boa e construtiva, creio que sairemos mais fortes. Avançando melhor nessas questões relacionadas a minimizar desigualdades, melhora de estruturas, condições dos alunos, especialmente na tecnologia. Que nós possamos tomar mais conta disso, afinal temos o Cinturão Digital no Ceará, que coloca o Estado numa situação melhor diante dos outros.

Outra coisa é o sentido de compromisso com o nosso fazer público. Às vezes, no setor público, a gente corre o risco de se dispersar da importância de como o serviço público de educação é essencial, absolutamente um pilar de sustentação para a vida daqueles jovens, das famílias e da sociedade como um todo. A escola pública deve importar a todos, não só para quem tem filhos lá. Às vezes as pessoas dizem que não precisam da escola pública - muito enganado está quem pensa assim. A escola pública atende a praticamente 86% das crianças e dos jovens cearenses. Que sociedade pensamos que podemos ter um dia sem uma escola pública de qualidade? Nunca teremos.

São eles que precisam de oportunidades reais e de condições para serem construtores dessa sociedade, e não sofrerem permanentemente as desigualdades. Tudo isso pode fazer com que essas ideias se fortaleçam e a todos nós, que temos responsabilidade com isso. Para sermos mais solidários também. O que importa mesmo? Mais humanidade, para resumir.

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