Cirurgias eletivas no SUS caíram 34% em 2020 com pandemia da Covid no Ceará
Foram 21,8 mil procedimentos a menos realizados no Estado. As principais reduções coincidem com meses de agravamento da pandemia
A pandemia fora de controle traz consequências também para pacientes que convivem com outras doenças. Internações para a realização de cirurgias eletivas (que podem ser marcadas) no Ceará caíram 34% em 2020, na comparação com 2019, conforme dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do Ministério da Saúde.
Foram 21,8 mil procedimentos a menos realizados em unidades federais, estaduais e municipais entre os dois anos.
O Estado vinha crescendo no número de cirurgias eletivas, passando de 49 mil em 2017 para 64 mil em 2019. Já no ano passado, o número voltou a cair para 42 mil, conforme o SIH, que contabiliza procedimentos realizados no Sistema Único de Saúde (SUS).
A Secretaria Estadual da Saúde (Sesa) atribui a redução à pandemia da Covid-19, que exigiu a atenção de toda a rede assistencial. Na primeira onda da doença, por exemplo, as cirurgias da rede estadual foram suspensas no mês de março e retomadas em julho.
Em 2021, com o agravamento causado pela segunda onda, elas foram novamente suspensas, em fevereiro. Ainda não há previsão para o retorno dos procedimentos, mas o cenário da próxima quinzena deve ser levado em conta, segundo a Sesa.
Nesse momento, apesar da redução de casos e óbitos, ainda temos pressão sobre os hospitais e UPAs. Estamos acompanhando essa redução. Talvez, nos próximos 15 dias, se houver redução significativa, as cirurgias eletivas retornarão às atividades".
A gestora explica ainda que cirurgias de urgência e emergência foram e estão mantidas. Apenas as eletivas, “que podem ser postergadas sem prejuízo ao paciente”, passarão por reavaliação de acordo com a pressão assistencial na rede de saúde.
Apesar do recuo, o Ceará foi o 6º Estado com menor taxa de redução, ficando abaixo da média nacional (-40%). Em todo o País, foram 844 mil procedimentos cirúrgicos a menos que o ano anterior. Apenas o Acre, na Região Norte, registrou aumento (+12%).
Influência da pandemia
O mês de maior redução foi maio, com 77% de cirurgias a menos. Foram 1.393, contra 5.930 do ano anterior. O período coincide com o pico da primeira onda no Estado, quando a ocupação de leitos de UTI estava em torno de 90% com pacientes infectados pela Covid.
Abril (-65%) e junho (-61%) também registraram as maiores quedas. Entre julho e setembro, o Estado voltou a ter aumento de cirurgias eletivas, ainda que longe dos números absolutos anteriores.
Contudo, outubro, novembro e dezembro voltaram a apresentar redução, coincidindo novamente com o início da segunda onda, desta vez com epidemias simultâneas em todas as regiões do Ceará.
Só na rede Sesa, conforme o coordenador da célula de regulação do Estado, Luiz Guilherme Pinheiro, em 2019, foram realizadas 6.227 cirurgias eletivas. No ano passado, o número caiu para 3.953.
A maior parte dos procedimentos foi realizada no segundo semestre, quando o cenário epidemiológico no Estado estava controlado. Por conta disso, 27.602 pacientes aguardam por um procedimento deste tipo na rede estadual.
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Para tentar diminuir a fila de espera por cirurgias eletivas, a Secretaria da Saúde mudou o perfil do Hospital Leonardo da Vinci (HELV) de unidade de referência para Covid em referência para cirurgias eletivas.
"De modo que, desde agosto, quando começou a realizar cirurgias eletivas, até março agora quando foi o momento que precisamos para por conta da pandemia, o HELV relizou 3.393 procedimentos eletivos", pontua Luiz Guilherme Pinheiro.
Segurança para o paciente
Segundo o médico Gleydson Borges, mestre do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) - Capítulo Ceará, a decisão de suspender as eletivas foi tomada para priorizar os pacientes com Covid-19 e diminuir o risco de infecção entre os demais.
“Há estudos mostrando que a infecção pós-cirurgia piora a mortalidade em até 40%. Então, para retomar as atividades, vamos fazer questionário epidemiológico e teste em todos os pacientes, operando realmente só aqueles com RT-PCR negativo”, afirma.
Se o paciente teve quadro de Covid leve, orienta ele, só deverá ser operado após quatro semanas. Se tiver desenvolvido Covid grave, precisa esperar pelo menos oito semanas. Pessoas com procedimentos marcados deverão permanecer em isolamento durante 14 dias antes e depois da cirurgia.
Espera dolorosa
Viver constantemente com dores é parte do cotidiano da costureira Maria dos Santos Alves, 53, há mais de dois anos. Em setembro de 2019, ela teve diagnosticada a necessidade de uma cirurgia para retirar uma pedra na vesícula.
Com a pandemia, além de enfrentar restrições na realização de exames por estar no grupo de risco para complicações da Covid-19, Maria viu seu procedimento ficar ainda mais distante.
Quando começou tudo isso, renovaram os pedidos de exame e deram encaminhamento pro cirurgião, mas me disseram que não tem previsão. Simplesmente, mandam voltar outra vez. Tem muito papel e nenhuma conclusão.
Enquanto o serviço não se normaliza, Maria precisa gastar “o que não tem” com remédios e enfrentar crises constantes. Em fevereiro, por exemplo, buscou socorro em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) com dores fortes e vômito.
Presa dentro de casa
Quem espera ainda há mais tempo é Maruzia Vilalva Ribeiro Pedrosa. Em 2016, ela sofreu uma queda dentro de casa e fraturou um osso da perna. Nos meses seguintes, após atendimento de emergência, descobriu que os ligamentos do joelho ficaram comprometidos.
De lá para cá, a ex-vendedora tenta a oportunidade de receber uma prótese, mas afirma que, em todo esse tempo, não recebeu nenhuma esperança de marcação do procedimento.
“No HGF (Hospital Geral de Fortaleza), disseram que só tenho direito a essa cirurgia depois dos 60 anos. Tenho 42, não posso esperar até lá”.
Atualmente, Maruzia está desempregada e perdeu o auxílio do INSS. Limitada por sua condição, ela precisa andar de muletas dentro de casa e depende da ajuda da irmã para continuar à procura de assistência.
Tipos de procedimento
De acordo com o SIH, considerando as especialidades médicas, as maiores reduções de cirurgias no período analisado foram do aparelho circulatório (-57%) e cirurgias de mama (-56%).
Das 14 categorias descritas no SIH, 12 apresentaram queda no Ceará. Apenas as cirurgias obstétricas e reparadoras (plásticas) cresceram, 7% e 96%, respectivamente.
Definição de prioridades
A Sesa está “no período de reorganização para o possível retorno”. No entanto, o coordenador da célula de regulação do Estado frisa que a ocupação de leitos de UTI está em torno de 90%. "Não tem como disponibilizar leitos para cirurgia eletiva e expor os pacientes ao contato com a Covid. Haja vista que está havendo uma diminuição da demanda por leitos de Covid, estamos conversando quando os procedimentos vão retornar".
Em 2018, o Governo do Estado lançou o programa Plantão Saúde Cirurgia para reduzir a fila de procedimentos de média e alta complexidade. Ao todo, foi diagnosticada a necessidade de 12 mil cirurgias, das quais 8 mil seriam contempladas na primeira fase.
O cirurgião Gleydson Borges, do CBC, acredita que, a exemplo da primeira onda, está ocorrendo um represamento de pacientes que necessitam de cirurgia. Quanto mais o tempo passa, indica, aumentam as chances de piora dos quadros, sobretudo em pacientes oncológicos ou doenças inflamatórias.
“A pandemia teve um grande impacto que com certeza dificultou o acesso à saúde, mas tivemos a sensibilidade de que deveria haver uma priorização para evitar mortes em massa. Pacientes com urgência eletiva continuaram sendo atendidos para evitar qualquer desfecho desfavorável”, garante.